AS FRANCESAS E AS ITALIANAS
Das muitas coisas de que gosto na vida, música é uma delas. As francesas me atraem com força: Aznavour, Cristophe, Becaud; e as italianas, também: Villa, Capri.
Herdei, ou aprendi, esse gostar de meu pai, um grande amante da música. O coroa tinha know-how nesse assunto. Desde cedo, acostumei-me a ouvir canções eternas, dessas que nos forçam a deixarmos nossos corpos e mentes aqui e nos desdobrarmos a lugares inimagináveis, a nos remeter a experiências ainda não vividas ou que gostaríamos de experimentar e de trazer à tona lembranças muito caras.
Além disso, escrever sobre assuntos do cotidiano, sentimentos e saudades, também, são práticas que me servem como um divã particular. Aqui, tenho um universo completamente louco — no bom sentido — em que tudo consigo misturar, ao sabor de algumas cervejas geladas, e que dão vazão às cascatas de pensamentos que derramam selvagens diante de meus olhos. É uma viagem e tanto!
Música e escrita, no meu caso, são coisas intimamente interligadas: a música meio que me impõe a escrita. Parece uma abdução embalada por harmonia e registrada em palavras que inscreverão o agora nas páginas da eternidade... e terão como personagens aqueles que permearam momentos inesquecíveis.
Outro dia, um sábado, estava em casa me preparando para assumir as tarefas culinárias — outra paixão — quando, de repente, apresentou-se irrefreável vontade de ouvir música. Mas não podia ser qualquer música, tinham de ser as nossas.
Peguei o celular, abri um daqueles aplicativos de música, cliquei na lista “Só o Filé” — que montei num outro momento com aquelas que ouvíamos juntos — e iniciei prazerosa visitação às nossas canções preferidas. Fui tomado de assalto... pela saudade! Que sentimentozinho sorrateiro! Quando menos esperei, já estava instalado e dando as cartas. Deixei a situação se desenrolar para ver aonde iria me levar. Olhei para o lado e vi que logo ali estavam meus fiéis companheiros desses momentos. Sim, minha caneta acompanhada de meu bloco de notas estavam ali, bem perto — já há algum tempo eles sempre estão por perto!
Tomei-a. Estava um tanto atônito, sem saber bem que fazer. Preparei-me e... uma música inundou o ambiente: “Una casa in cima al mondo”, coincidentemente, uma daquelas que cantava a plenos pulmões com meu pai e seu irmão, o Zé Buí.
A mão coçou, ouvi um clique na cabeça e empreendi a escrita ouvindo aquelas que embalaram tantas histórias nossas. Vieram muitas. Nunca as tinha escutado daquela forma. Havia algo diferente. Parecia que faltava algo, mas o quê? Duas ou três depois, descobri que as ausências físicas estavam fazendo grande diferença e que nunca mais conseguiria ouvir aquelas canções da mesma forma que antes e que elas já não eram mais as mesmas. Gastei algum tempo tentando me acostumar à nova circunstância... e de repente, o universo me mostrou que seus mistérios são infindáveis e que ele está sempre disposto a nos pregar peças, pois quando terminei de escrever estava tocando Gilbert Becaud, outra das nossas. E veja só: “Au Revoir”.
Debrucei a caneta.
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