sexta-feira, 16 de junho de 2017

PROJETO RESGATA RELATO AUTOBIOGRÁFICO DE UM EX-ESCRAVO

A tradução e o estudo da autobiografia de um ex-escravo que viveu no Brasil no século 19 podem disseminar um novo ponto de vista histórico sobre o período da escravidão no país. Escrito em 1854, originalmente em inglês, o livro Uma narrativa interessante. Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua narra, a partir de uma perspectiva pessoal, a história da opressão e da violência que o personagem central da história –  Baquaqua – viveu desde a captura no continente africano até o desembarque na costa brasileira, quando foi negociado como escravo.

No Brasil, ele primeiramente trabalhou para um padeiro em Pernambuco, em condições tão degradantes que chegou a tentar o suicídio. Após esse episódio, foi vendido para um capitão de navio no Rio de Janeiro. Em 1847, durante uma viagem a Nova York, Baquaqua fugiu. Com o apoio de um grupo de missionários protestantes, estudou numa escola americana e viajou para Haiti, Canadá e Inglaterra – onde as pistas sobre o seu paradeiro acabaram. Baquaqua tinha esperanças de voltar à sua terra natal, um vilarejo localizado na República do Benin, na África ocidental.
Essa história despertou o interesse do pernambucano Bruno Véras, doutorando em história pela York University, em Toronto, no Canadá. Ele começou a pesquisar a vida dos escravos no Brasil ainda na graduação do curso de história, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).  A pesquisa prosseguiu no mestrado, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e até hoje Bruno segue as pistas deixadas por Baquaqua, com o objetivo de ampliar seus conhecimentos sobre a escravidão no país.
Parceria –  “Apenas no mestrado, na UFBA, eu pude me aprofundar mais, entender um pouco mais essa trajetória e o contexto entorno do personagem em si”, relata Bruno. A partir da experiência na universidade baiana, o autor desenvolveu um projeto que, fruto de parceria entre a UFPE e York University, pretende mostrar a trajetória pessoal de Baquaqua e debater a escravidão e o abolicionismo no Brasil e na América do Norte.

Batizado com o nome do ex-escravo e coordenado por Veras, o trabalho consiste na tradução da autobiografia e de outras anotações encontradas no Canadá e nos Estados Unidos. Ele vem publicando todo esse material em um website, com versões em português, inglês, espanhol, francês e em hauçá, língua dos povos da região onde Baquaqua nasceu.
A estratégia de construção desse trabalho, explica Bruno, inclui teatro, pela dança, por documentários, curso de formação de professores, tanto no Brasil quanto em outros países. “O projeto Baquaqua não é só do Brasil”, destaca. “A ideia é que esse material que a gente está produzindo em francês seja usado no Benin e no Haiti. Em inglês, da mesma forma, ele vai ser usado nos Estados Unidos e no Canadá, e assim por diante.”
História familiar – O projeto Baquaqua oferece um caminho para imaginar, compreender e construir empatias e identificação. “Acho que o estudo de biografias é interessante para a gente entender, inclusive, a escravidão”, resume Bruno. ”Posso me identificar com essa história, construir uma empatia, porque a história da escravidão no Brasil não é uma história distante. É importante a gente lembrar que, até 1850, a cada um europeu que entrou no Brasil, foram trazidos oito africanos – esses são números pesquisados por Luís Felipe Alencastro. O Brasil realmente foi colonizado por africanos. O meu trisavô, a sua trisavó foi africana, foi escravizada, então essa história da escravidão no Brasil é extremamente familiar.“

A tradução da autobiografia de Baquaqua não é inédita no Brasil, mas o projeto que Bruno Veras coordena prevê o lançamento, em breve, de um livro com esse material e uma explanação histórica no contexto da escravidão no país. O trabalho conta com a participação do pesquisador Nielson Bezerra, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e é baseado em um estudo de pesquisadores britânicos.
Portal MEC














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