A tradução
e o estudo da autobiografia de um ex-escravo que viveu no Brasil no século 19
podem disseminar um novo ponto de vista histórico sobre o período da escravidão
no país. Escrito em 1854, originalmente em inglês, o livro Uma narrativa interessante. Biografia de Mahommah Gardo
Baquaqua narra, a partir de uma perspectiva pessoal, a história da opressão e
da violência que o personagem central da história – Baquaqua – viveu
desde a captura no continente africano até o desembarque na costa brasileira, quando
foi negociado como escravo.
No Brasil, ele primeiramente
trabalhou para um padeiro em Pernambuco, em condições tão degradantes que
chegou a tentar o suicídio. Após esse episódio, foi vendido para um capitão de
navio no Rio de Janeiro. Em 1847, durante uma viagem a Nova York, Baquaqua
fugiu. Com o apoio de um grupo de missionários protestantes, estudou numa
escola americana e viajou para Haiti, Canadá e Inglaterra – onde as pistas
sobre o seu paradeiro acabaram. Baquaqua tinha esperanças de voltar à sua terra
natal, um vilarejo localizado na República do Benin, na África ocidental.
Essa história despertou o interesse
do pernambucano Bruno Véras, doutorando em história pela York University, em
Toronto, no Canadá. Ele começou a pesquisar a vida dos escravos no Brasil ainda
na graduação do curso de história, na Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). A pesquisa prosseguiu no mestrado, na Universidade Federal da
Bahia (UFBA), e até hoje Bruno segue as pistas deixadas por Baquaqua, com o
objetivo de ampliar seus conhecimentos sobre a escravidão no país.
Parceria – “Apenas no mestrado, na UFBA, eu pude me aprofundar mais,
entender um pouco mais essa trajetória e o contexto entorno do personagem em
si”, relata Bruno. A partir da experiência na universidade baiana, o autor
desenvolveu um projeto que, fruto de parceria entre a UFPE e York University,
pretende mostrar a trajetória pessoal de Baquaqua e debater a escravidão e o
abolicionismo no Brasil e na América do Norte.
Batizado com o nome do ex-escravo e coordenado
por Veras, o trabalho consiste na tradução da autobiografia e de outras
anotações encontradas no Canadá e nos Estados Unidos. Ele vem publicando todo
esse material em um website, com versões em português, inglês, espanhol,
francês e em hauçá, língua dos povos da região onde Baquaqua nasceu.
A estratégia de construção desse
trabalho, explica Bruno, inclui teatro, pela dança, por documentários, curso de
formação de professores, tanto no Brasil quanto em outros países. “O projeto
Baquaqua não é só do Brasil”, destaca. “A ideia é que esse material que a gente
está produzindo em francês seja usado no Benin e no Haiti. Em inglês, da mesma
forma, ele vai ser usado nos Estados Unidos e no Canadá, e assim por diante.”
História
familiar – O projeto Baquaqua oferece um
caminho para imaginar, compreender e construir empatias e identificação. “Acho
que o estudo de biografias é interessante para a gente entender, inclusive, a
escravidão”, resume Bruno. ”Posso me identificar com essa história, construir
uma empatia, porque a história da escravidão no Brasil não é uma história
distante. É importante a gente lembrar que, até 1850, a cada um europeu que
entrou no Brasil, foram trazidos oito africanos – esses são números pesquisados
por Luís Felipe Alencastro. O Brasil realmente foi colonizado por africanos. O
meu trisavô, a sua trisavó foi africana, foi escravizada, então essa história
da escravidão no Brasil é extremamente familiar.“
A tradução da autobiografia de
Baquaqua não é inédita no Brasil, mas o projeto que Bruno Veras coordena prevê
o lançamento, em breve, de um livro com esse material e uma explanação
histórica no contexto da escravidão no país. O trabalho conta com a
participação do pesquisador Nielson Bezerra, da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (Uerj) e é baseado em um estudo de pesquisadores britânicos.
Portal MEC
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