terça-feira, 7 de julho de 2020

Coluna do Pastor Walberto Magalhães Sales

MAIS IMPORTANTE É COMUNICAR
(Foto: Joaquim Filho)


Estava meio “estressado” por muito escrever. Então resolvi me divertir um pouco, em primeira pessoa, claro, para a frouxar as regras. Comecei a produzir sobre superioridade da boa comunicação, em relação ao apego excessivo as normas de gramáticos meticulosos. Uma abordagem da língua como instrumento de comunicação, e não como pegadinhas (in)decifráveis, para convencer candidatos de concursos públicos que não foi aprovado por não saber português, quando na verdade as razões são outras.

Não. Aqui você não lerá um manifesto contra a gramática por cega oposição de interesses, mas uma reflexão sobre a melhor forma de utilização do esqueleto da língua, para que esta cumpra a sua principal função: comunicação. “O importante é comunicar”, este é um chavão velho e verdadeiro, mas que deve ser pensado. Preferi, por propósito didático, a forma: “mais importante é comunicar”, pois a gramática internalizada na memória dos falantes e até as grafadas em forma de livros (quando utilizadas) têm relevância para o ato comunicativo. A final a informação do clichê, apenas desperta para a correta aplicação da língua.

Existe alguém que saiba português? Se esta pergunta fosse feita por um repórter na rua a resposta mais comum seria “NÃO”, mas se você assim também responderia, permita a você mesmo olhar por outro ângulo: conseguiu ler a pergunta? Então, entende de português. Há uma gramática guardada na sua memória, construída desde a infância. O que você não sabe e ninguém pode dominar são as possibilidades de manifestações linguísticas. Amanhã poderá haver uma nova palavra ou um novo conceito para uma palavra velha, e até, uma nova construção sintática aceita, ainda que em desarmonia com uma forma tradicional. O problema é que a escola quer ensinar o aluno a falar a língua que ele já fala, e muitas vezes desconsidera o poder de comunicação que o falante possui, por isso quer que o aluno fale o português de Machado de Assis, de Cruz e Sousa... e negue o dele. Chomsky diz: “Quem fala uma língua sabe muito mais do que aprendeu”. Nasceu com potencial de falante, a família e a escola apenas o treinaram.

“Conhece o vocábulo escardinchar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo? Como se chama o natural do Cairo?” assim Rubem Braga começa uma de suas crônicas; informa, ironicamente, que o leitor que não sabe destas coisas, não passará nos concursos públicos, e depois confessa: “eu também não sei [...] E o pior é que não quero saber”. Ele recusava-se a perder tempo com inutilidade. Lembre-se, certamente você aprendeu na escola, o coletivo de lobo. Serviu para quê? Quando foi que você viu muitos cães de caça treinados e juntos para poder usar o coletivo, matilha? Já viu alguém dizendo, “um atilho de espigas” em vez de “um monte de espigas”? Voltando a Braga, ele ainda pergunta: “o que aconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar se o seu marido me descesse a mão?”. Conclui sua crônica protestando e brincando: “Por que exigir essas coisas dos candidatos aos concursos públicos? Por que fazer do estudo da língua portuguesa uma série de alçapões e advinhas, como essas histórias que uma pessoa conta para ‘pegar’ as outras [...] No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, mas um instrumento de suplício e de opressão que ele, gramático, aplica sobre nós, os ignaros [...] Mas a mim é que não escardincham assim, sem mais nem menos: não sou fêmea de cupim nem antônimo de póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de Cachoeiro, honradamente – de Cachoeiro de Itapemirim!”.

Muitas pessoas são capazes de falar e até de escrever de “palpite”, como os músicos que tocam de “ouvido” sem conhecer as regras, mas o ideal é conhecer o fundamental, a base da gramática e procurar fazer aplicação coerente. Erram os que a desprezam em absoluto, como  os que se apegam a ela como absoluta. Parafraseando Luís Fernando Veríssimo, falar bem é falar claro, não necessariamente certo. Por exemplo, dizer “falar claro” não é certo, mas é claro, certo? De acordo com a gramática, não é certo, porque a palavra que modifica o verbo é o advérbio e não o adjetivo, mas que prejuízo houve para a comunicação o uso do adjetivo claro modificando o verbo falar? Convém admitir que produziu mais clareza. O puritanismo da norma culta diz que “algo custa a alguém”, assim não se pode dizer: “custei a me habituar ao calor de Pedreiras”, pois você não pode custar; alguma coisa é que deve custar a você, então o “correto” seria: custou-me habituar-me ao de Pedreiras. Isto é exagero, muito mais sensato é admitir que no Português do Brasil existem duas cargas semânticas ao verbo custar, uma com sentido de valor, preço, e outra com sentido de demora dolorosa.

Outro cuidado que deve ter o falante é o de não transportar para fala regras que só se justificam na escrita. Dependendo do contexto da fala é preferível dizer “vi ele”, pois “o vi”, falado pode ser compreendido como “ouvi” e “vi-o” será ouvido “viu”. Como “vi ela” é mais claro do que “vi-a”, que será ouvido “via”, porém os defensores do absolutismo da regra poderão dizer que “vi ela” será confundido como “viela”, e sugerir “a vi”, no entanto a possibilidade de “vi ela” ser confundido com “viela”, não é maior que “a vi” ser confundido com “ave”.

O último parágrafo deve ter criado a sensação de que não é mesmo possível falar certo! Se o certo for entendido como a regra implacável da gramática, isto é verdade. Mas se o certo é falar claro, não. Como disse o Veríssimo “importante é comunicar. E quando possível surpreender, iluminar, divertir, comover...”. Portanto necessário é habilitar-se para comunica-se de modo eficiente, utilizar sem embaraço e com prazer seu bem pessoal mais íntimo: a língua.

Por hoje é só! Espero que tenha se desestressado também.

Walberto Magalhães Sales

Pastor Presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Pedreiras; Bacharel em Teologia, Mestrando em Ministério Cristão; Licenciado em Letras, Especialista em Tecnologias Aplicadas a Educação e Educação à Distância; Pós-graduando em Administração Pública e Gestão Estratégica.















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