sexta-feira, 2 de abril de 2021

PEDREIRENSES PELO MUNDO: Coluna do Carlos Augusto Martins Netto.

 E A TI, QUE TE PARECE?

Por Carlos Augusto Martins Netto - Servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Farmacêutico, Escritor e Poeta.

Inicialmente, cabe-me marcar um momento: 21 de outubro de 2020. Primavera no hemisfério sul. Tempo propício para plantios, é época de os ventos secos do inverno continuarem sua jornada, agora, mais carregados da umidade necessária para aliviar a carga de calor e, também, para fecundar os solos que abrigarão sementes, as quais detêm enorme responsabilidade: são portadoras do porvir.

Pois bem, o plantio iniciou no pequeno, em tamanho, Uruguai. Sim, na nossa antiga província da Cisplatina. Pepe Mujica e Julio Sanguinetti, dois ex-presidentes, adversários políticos, um de esquerda e outro de direita, respectivamente, atualmente senadores, decidiram renunciar, conjuntamente, às suas respectivas cadeiras no senado uruguaio. Segundo eles próprios, devido ao coronavírus.

Até nisso esse vírus maldito atrapalha a vida das pessoas e o desenrolar das nações! Explico. No caso de Pepe — gostaram da intimidade? —, em virtude da idade avançada e uma doença autoimune que o impossibilita à atividade legislativa, pois segundo ele mesmo um senador deve falar com pessoas e ir a todos os lugares. Já Julio, além da pandemia, o calor que ainda sente por sua profissão fê-lo renunciar ao cargo no senado; então, vai se dedicar ao jornalismo. Detalhe: ambos já são octogenários e estão cheios de planos para a vida.

Contudo, eu falava de plantio, qual foi a semente que eles semearam? Na minha opinião, não plantaram somente um único tipo de semente, mas uma variedade. A política praticada em bases democráticas necessita de multiplicidade. Ali, no parlamento uruguaio, iniciaram, para o mundo inteiro assistir, o plantio das sementes da alteridade, da tolerância, do respeito às liberdades — no plural mesmo, todas elas! — e, acima de tudo, da responsabilidade que ainda sentem que têm para com o seu país. Abandonaram cargos, mas não a política e os debates necessários para o desenvolvimento de sua nação. Mostraram a todos, inclusive ao seu gigante vizinho, que as pessoas são o quê são e não os cargos em que estão.

Agora, que estamos contextualizados, posso perguntar: E a ti, que te parece? Seria isso possível aqui pelas terras tupiniquins? Conseguiríamos (ou conseguiremos) ver um gesto de tamanha envergadura cá por essas bandas?

No momento, acredito que não. Essas abençoadas terras estão tomadas por homens e mulheres que não se importam com nada além deles mesmos... e com os seus. O egoísmo grassa pelas terras de Rui Barbosa, Tancredo Neves e Ulisses Guimarães. Exemplos não nos faltam em quaisquer das esferas de poder e dos poderes. A lei contra o nepotismo não funciona pelo simples fato de ser praticado de maneira cruzada, pois os detentores dos cargos contratam os aparentados dos seus apaniguados e vice-versa. Esse vice-versa torna tudo muito pior!

Não consigo imaginar ex-prefeitos, adversários políticos, com reais chances de ganharem eleições, apoiarem candidatos para dar fôlego novo às hostes políticas do município, contribuindo, assim, para a renovação das lideranças e, portanto, com o surgimento de forças capazes de pensar e administrar a cidade no futuro. Estão todos preocupados com seus umbigos e seus nacos de poder.

Nesse momento, minha visão encontra-se estreita e meu horizonte tão curto que não consigo enxergar saídas, com as atuais alternativas. Chegamos a um ponto em que o diálogo ficou impossível: ou penso igual a ti ou sou coxinha ou mortadela. Não aguento isso! Não suporto rótulos! As pessoas são muito mais que isso. Todos temos motivos para levantarmos a nossa bandeira, inclusive os extremistas, acredito. Não estou defendemos que devemos ser picolés de chuchu. Nada disso. Defendamos nossas opiniões com paixão, mas respeitemos a opinião contrária do nosso próximo, porque eles também têm o direito de defendê-la com paixão. Ambos possuímos o direito de defendermos nossos posicionamentos de maneira contundente, mas, acima de tudo, temos o dever de respeitar pacificamente a opinião do outro.

Já foi assim um dia. O que mudou? Mudou que os poderosos enxergaram que o cenário bélico gera mais engajamento político, mais polarização e, portanto, maior poder de captar mais votos. Sem dúvidas que isso enfraquece e empobrece o debate político. Consequência: manutenção do poder pelos que sempre lá estiveram.

Embates e debates acalorados, campanhas superconcorridas, tudo isso faz parte do jogo de cena da política e da democracia. Aliás, eleições são um dos pilares democráticos, pois pressupõe o povo escolhendo seus governantes. Contudo, adversários históricos renunciando a cargos no mesmo instante e se abraçando, isso não é normal. É digno de nota. E aconteceu na primavera. Só pode ser um plantio. Que dê frutos duradouros.

— Ah, se fosse aqui!




























Um comentário:

  1. Meu amigo conterrâneo e contemporâneo Kaká, você escreve para gente grande, para intelectual, parabéns. Que bela contextualização! É muita inteligência.

    ResponderExcluir