Quitandas
Durante muito tempo elas foram presentes
nas vidas de muitos pedreirenses e mesmo
servindo de instrumento de abastecimento
na relação econômica eram também o local
do bate papo, de atualizar a conversa, de
falar da vida; sua e dos outros também...
Como cenário tinham sempre um grande
balcão que separava o dono do
estabelecimento dos fregueses. Esse móvel
geralmente em madeira maciça desgastado
mostrava o sinal do tempo sobre si.
Sobre ele uma balança, seus pesos e as
folhas daquele papel marrom que servia de
embalagem para os produtos. Geralmente
ficava ainda sobre este um outro móvel com
vidros onde ficavam expostos os pães
revendidos ali.
Noutros um baleiro, giratório que guardavam
os bombons, pirulitos e doces que faziam a
alegria da criançada.
As paredes geralmente enfeitadas com
cartazes de propaganda, em sua maioria de
cigarros e bebidas.
Do lado de dentro as prateleiras nas
paredes expunham os produtos; sabão,
óleo, fumo, carteiras de cigarros, entre os
mais conhecidos; Hollywood, Continental,
Arizona, Minister. E muitas garrafas de
bebidas;
Cinzano, Pitu, São João da Barra, Velho
Barreiro...
Os sacos de estopa com a borda revirada
para fora exponham os grãos; arroz, feijão,
farinha, tapioca. Dentro deles o caneco com
pegador de alumínio com o qual se levava o
grão para ser pesado na balança.
Embaixo do balcão as latas de manteiga
real, as barras de sabão, os litros de óleo e as garrafas de cachaça para venda à
retalho. Tudo para atender a freguesia que
áquela época ainda sem geladeiras não
podiam armazenar os produtos e
compravam tudo para o uso diário. Ou
mesmo quem não podia comprar uma
embalagem inteira e comprava em porções.
Era uma quarta de feijão, arroz, uma colher
de manteiga, uma porção de óleo medida
num copinho de metal que após cheio virava
para dentro de recipiente que o freguês
levava. Meia barra de sabão e uma dose de
cachaça.
O produto após pesado era embalado num
grosso papel marrom que em forma de funil
recebia os grãos e se transformavam em um
embrulho bem costurado nas extremidades
conforme a habilidade do proprietário.
Estamos falando e lembrando das antigas
QUITANDAS, estabelecimentos comerciais
muito comuns nas décadas de 70, 80 e 90
nas pequenas cidades do interior.
Em Pedreiras elas eram muitas. Lembro
especialmente as da rua da Boiada onde
nasci e me criei.
Tinha a do Sr. Edvaldo, Sr. Manoel, Sr.
Lauzemiro, Sr. Luís Melo e a da minha
madrinha Salete. Cada uma com sua
característica e dependendo da simpatia do
dono, dos preços, da demanda e de outros
aspectos como a presença de sinuca eram
escolhidas por seus frequentadores.
Os homens se demoravam mais nesses
ambientes, enquanto as mulheres
geralmente iam se "aviar" de alguma
necessidade da casa.
Comum a todas era o caderno de anotações
do "velho fiado" apesar das placas quase
sempre presentes que mostravam um rico e um pobre e a frente
das imagens os dizeres; ESTE
FAZENDEIRO SÓ VENDIA NO DINHEIRO
E ESTE COITADO SÓ VENDIA FIADO. Ou
ainda; FIADO SÓ AMANHÃ...
As histórias de cada uma delas falavam da
vida de seus frequentadores. As atrações
variavam entre um doido chamado Gambá
que diziam comer sabão e não dispensava
um gole de cachaça.
As mentiras cabeludas de um dos donos
citados que contava as peripécias de suas
pescarias com dose de humor e mentira
elevada ao cubo.
Uma senhora alcoólatra que frequentemente
passava pela rua e em cada uma dessas
quitandas tomava uma dose, ouvia seu rádio
em alto volume e em voz alta dizia
palavrões para provocar os puritanos.
Talvez sua forma de demonstrar sua revolta
aos olhares que condenaram seu vício.
Na lembrança de todos que viveram essa
época as dificuldades, o dever de pagar o
fiado e aquele cheiro típico de grãos, fumo e
cachaça que ainda permeiam nossas
mentes e bem longe dos grandes
supermercados atuais, sempre lotados, frios
e impessoais.
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