INTERIOR DO MEU INTERIOR
A vida é sempre um caminho, no mínimo, interessante. Tanto assim, que um poeta, no vão de suas reflexões, já perguntou: — Sabe o que eu mais quero, agora, meu amor? E a resposta inusitada foi dada por ele mesmo: — Morar no interior do meu interior.
Eu, um saudosista incorrigível, logo penso numa casinha à beira do rio Mearim, com algumas galinhas ciscando no terreiro, um cercadinho para criar bodes comedores de rama para quando os amigos me visitarem nos deliciarmos com o malandro cozido no leite de coco babaçu, tomando uma boa pinga misturada com mel de tiúba enquanto conversamos no alpendre, na boquinha da noite, combinando a pescaria do próximo fim de semana. Sim, e esse paraíso, vivo aqui dentro da minha vontade, bem poderia estar incrustado lá para as bandas do Marianópolis... o interior do meu interior.
Já se a pergunta atingisse o filósofo, ele diria que a busca por esse lugar deveria ser objetivo de todos. Que ele existe, mas de difícil alcance, visto que demanda algum nível de esforço, disciplina, reflexão e coragem... isso sem falar da imprescindível solidão. É, os filósofos não estão para brincadeira. São seres acostumados a tratar muito de perto com os algozes das nossas vidas: os pensamentos. Também diriam que o interior do interior deles é local de lutas, debates acalorados, lugar de tomada de decisões difíceis, não sendo nada pacato. E finalizariam dizendo que para encontrá-lo bastaria olharmos para dentro de nós mesmos, para o interior do meu interior. Lembram que eu disse que eles não eram brincadeira? Pois é...
Lá no Marianópolis, na vida de verdade, aquela vivida no dia a dia, com sol quente, um calor de rachar, também existe esse tal lugar dos filósofos. Sim, porque entendi que esse território está dentro de cada um de nós, acompanhando-nos sempre e construindo a nossa essência. Vi, também, que sua população muda de acordo com as vezes em que o visitamos e participamos das lutas e debates acalorados que por lá ocorrem.
Dizer que o visitamos pode ser considerado um eufemismo. Na verdade, vamos lá para participar de um tribunal em que somos o denunciante; os réus, tudo aquilo que nos transformam em seres execráveis, e a banca de juízes, as virtudes da consciência. Denunciamos, acusamos e testemunhamos os fatos por eles produzidos. A sentença é o exílio perpétuo, acorrentados aos grilhões do esquecimento, lá longe, com o mínimo contato conosco.
De fato, ao tratarmos a inveja dessa forma, colocamo-la no lugar de onde nunca deveria ter saído: lá longe de nós. Ela não pode interagir, de forma alguma, conosco. É pegajosa, prega por onde passa, parece leite de jaca. E a desonestidade? Essa moça parece nódoa de caju, quando pega não larga mais. É uma tristeza. O seu lugar, e de todos os vícios, é junto da inveja, lá longe. Eles têm duas serventias, serem amostras vivas daquilo que é a causa das quedas humanas e servirem de testemunhas do quão homens e mulheres são felizes longe deles.
E é com felicidade transbordante que testemunho que o interior do meu interior está, a cada dia que passa, mais próximo do Marianópolis.
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