sexta-feira, 4 de junho de 2021

PEDREIRENSES PELO MUNDO: Coluna do Carlos Augusto Martins Netto

 AQUELAS PRATELEIRAS

Por Carlos Augusto Martins Netto - Servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Farmacêutico, Escritor e Poeta.

Um dia, muito criança ainda, comecei a ouvir suas histórias... e elas foram se aconchegando de mansinho em mim, revelando-me sua essência e me descortinando um mundo repleto de exemplos a serem seguidos. Pouco desfrutei de sua companhia, mas me restam alguns flashes na memória. Ainda me emociono ao lembrar dele me apresentando um lanche que, ainda hoje, ao fechar os olhos revivo intensamente: final de tarde, um sol lindo a se por, atravessamos a rua juntos e de mãos dadas, entramos na panificadora, ele me pôs sentado numa daquelas cadeiras altas de lanchonete e pediu um suco de laranja com misto quente. Divino! Nunca esqueci aquele sabor... e muito menos aquele momento.

E as histórias, uma mais inspiradora que a outra! 

Em sua farmácia — sim, era farmacêutico provisionado reconhecido pelo Conselho de Farmácia, um dos poucos no Estado do Maranhão — atendia a população tanto da sua quanto das cidades próximas num tempo em que a região não dispunha de atenção médica; um paradoxo, pois Pedreiras, um primorzinho incrustado entre o sertão nordestino e a pré-amazônia, dentre muitas coisas, é mãe de excelentes médicos.

Durante suas consultas não era raro ele dormir e o paciente ter de esperá-lo acordar para finalizar o ato. E acordava pigarreando, passando os dedos pelo nariz, acomodando-se melhor pela cadeira, como a querer disfarçar o cochilo e dizia:

— Então, cabôco, não é nada sério, tu vai tomar esse remédio e, na semana que vem, passe aqui para eu te ver de novo — dizia ele escrevendo a receita num bloco.

— Mas Seu Carlos, não tenho dinheiro pra comprar esse remédio.

Apontando para uma prateleira, dizia:

— Pegue aquele remédio e entregue aqui pro meu compadre.

Generosidade era uma das suas marcas. E seus pagamentos vinham em forma de galinhas caipiras, dúzias de ovos, pernil de porco, banda de bode para comer no leite de coco babaçu, afilhados... e orações. Muitas. 

No seu estabelecimento, as prateleiras comportavam todo tipo de remédio, desde os de curar os males do corpo até aqueles destinados à paz de espírito. Se chegassem com sarna, corria à manipulação e ele mesmo fazia uma loção de iodo sublimado — era contumaz estudioso da Farmacopeia Brasileira —; mas, se fosse uma comadre queixando-se das atitudes do marido, ele estava pronto para passar uma descompostura no compadre. Essas prateleiras que a tantos curou não aceitavam, de maneira alguma, qualquer tipo de mistificação ou injustiça. Os remédios nelas colocados eram aqueles que a ciência da época tinha como eficazes, sem qualquer ingerência de qualquer natureza, a não ser o fim de trazer conforto e bem-estar ao próximo.

Sim, essas prateleiras de madeira com suas portas pintadas de branco foram fiéis testemunhas do esforço para viver uma vida pautada em virtudes. Quantas vezes elas não ouviram suas preces ao Altíssimo rogando a lhe iluminar para que fosse capaz de amenizar a dor daqueles que a ele acorria! Mas também testemunharam indignação, quando até pegou em armas para defender o vigário da cidade. Não aceitava de maneira alguma qualquer tipo de injustiça. Talvez, por isso mesmo, certa vez, um amigo, assim escreveu: — Que os homens do futuro acrescentem à sua biografia aquele salmo: “eis um homem justo que passou pela vida plantando o bem”.

Gostava de falar: — Amigo na praça é melhor que dinheiro no bolso!

Concordo plenamente.

E falando de amigos, chega-me, agora, à memória a lembrança daquele a quem chamo de “O Mago das Palavras” e que um dia escreveu dizendo que seu herói usava capa, pois o pai era um juiz togado. Pois bem, peço licença para parodiá-lo: — Meu herói era baixinho, andava com as mãos postas atrás das costas, fungava quando não se agradava de algo e tinha um coração imenso e belo, onde abrigava a todos.






























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