A polícia Civil
vem detectando uma maior movimentação de grupos de caráter neonazista em São
Paulo nos últimos meses. Entre as possíveis causas para essa tendência estão o
cenário político no Brasil, o fortalecimento de partidos conservadores e de
extrema direita no exterior e a situação de desemprego e instabilidade
econômica, segundo policiais e especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Policiais da
Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância da Polícia
Civil (Decradi) dizem ter constatado nos últimos seis meses uma movimentação
acima do normal de grupos neonazistas, cujos integrantes já tinham sido
identificados pelas autoridades.
O caso mais
recente ocorreu na semana passada. Policiais civis cumpriram mandados de busca
nas casas de quatro membros de um grupo neonazista autodenominado Kombat Rac.
Eles são suspeitos de colar cartazes de natureza antissemita na região central
da cidade.
A polícia
afirma que o Kombat Rac é um dos três principais grupos de caráter neonazista e
antissemita em atividade hoje em São Paulo. Os outros dois são o Front 88 e o
Impacto Hooligan. Juntos, os três teriam cerca de 110 membros ativos, parte
deles já identificados pelas autoridades.
Grupos que
ficaram conhecidos no Estado por se envolverem em conflitos nas décadas de 1980
e 1990, como os Carecas do ABC ou Carecas do Subúrbio ainda existem como
movimentos e juntos englobam até 250 membros. Mas atualmente não estariam mais
envolvidos em atividades violentas, se dedicando prioritariamente a eventos
musicais e ações sociais.
Uma das
atividades dos bandos Kombat Rac, Front 88 e Impacto Hooligan seria a promoção
de brigas contra grupos rivais, conhecidos como "antifascistas", que
também fazem uso da violência. Em geral, esses oponentes são seguidores de
ideologia anarquista, punks e os chamados black blocks - que ficaram conhecidos
a partir de 2013 por participarem com violência de protestos contra a Copa do
Mundo de 2014 e contra as tarifas do transporte público.
Porém, a
maioria dessas brigas quase nunca chega imediatamente ao conhecimento da
polícia, pois a maioria das gangues prefere arquitetar vinganças a procurar as
autoridades, segundo os policiais.
Ou seja,
ataques físicos a minorias como homossexuais, negros e judeus se tornaram menos
comuns do que as brigas entre os grupos rivais.
Propaganda antissemita
Segundo a
antropóloga Adriana Dias, doutoranda da Unicamp e especialista em estudos sobre
neonazismo, os grupos neonazistas brasileiros se reúnem para praticar três
tipos principais de atividades: propaganda e ciberativismo (produção de sites,
revistas, colagem de cartazes), atividades "de rua", que incluem
pichações e brigas contra grupos rivais e também reuniões (que vão de concertos
musicais a treinamentos paramilitares).
No caso mais
recente investigado pelo Decradi, um rabino de São Paulo descobriu cartazes de
caráter antissemita colados em locais públicos do centro da cidade. O religioso
publicou no Facebook um vídeo no qual retirava de um poste um cartaz onde era
possível ler: "Com judeus você perde". Ele em seguida desafiava os
autores a se mostrarem.
A resposta veio
dias depois: integrantes do grupo Kombat Rac fizeram outro vídeo, com mais
conteúdo antissemita.
"Em
resposta ao rabino que veio até a (rua) Augusta e disse pra gente vir às ruas e
fazer isso (...) nós estamos aqui e viva São Paulo", disse um dos
integrantes do grupo na gravação. O vídeo
neonazista foi divulgado inicialmente em grupos fechados de WhatsApp, mas
acabou se tornando viral na internet e chegou às mãos da polícia. Das oito
pessoas que apareciam no vídeo, quatro foram identificadas (um dos suspeitos
tinha menos de 18 anos).
A polícia
encontrou armas brancas e muito material de propaganda nas casas dos suspeitos
- como livros, DVDs e panfletos nazistas - , além de roupas e adereços característicos
da gangue. Três deles foram interrogados e em seguida libertados para responder
ao inquérito em liberdade, por decisão da Justiça. O rabino passou a ser
ameaçado.
Segundo a
delegada Kelly Andrade, chefe da Divisão de Proteção à Pessoa da Polícia Civil,
indivíduos suspeitos de pertencerem a gangues neonazistas com essas
características podem ser indiciados pelos crimes de preconceito (lei 7.716,
que prevê de um a três anos de prisão e multa) e associação criminosa (de
quatro a oito anos de reclusão).
Cenário político
Mas o que fez
os grupos neonazistas ficarem mais ativos recentemente?
Uma das causas
pode ter sido o cenário político no Brasil e no exterior.
Internamente, é
possível destacar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a ascensão de
políticos que adotam discurso radical de direita no Congresso.
No exterior,
eventos como a eleição do republicano Donald Trump para a Presidência dos
Estados Unidos e o fortalecimento de partidos populistas com visões de
extrema-direita na Europa poderiam encorajar adeptos do neonazismo a se
manifestar.
"O fato da
direita estar voltado ao poder faz os neonazistas se sentirem mais confiantes
para atacar os menos favorecidos", afirmou a antropóloga Adriana Dias.
"(Os
neonazistas dos) Estados Unidos se consideraram parte da vitória de Trump. No
Brasil, os neonazistas daqui comemoraram a derrota do PT, porque era a derrota
do comunismo'", disse ela.
Thiago de
Oliveira, presidente da organização SaferNet Brasil - que promove a utilização
da internet de forma segura e ética - afirmou à BBC Brasil que a elevação
recente da atividade de caráter neonazista também pôde ser sentida no ambiente
da rede mundial de computadores.
Segundo ele, a
tendência começou há cerca de dois anos com o fortalecimento de políticos
brasileiros que usaram discursos contra minorias com os quais os neonazistas se
identificaram. Nos últimos seis meses, parece ter ocorrido um recrudescimento
dessa atividade neonazista, segundo ele.
"Eles se
sentem legitimados quando veem um parlamentar com esse tipo de discurso. Estão
sendo criados mais perfis e mais fóruns (ligados ao neonazismo)", disse.
Segundo seu
levantamento mais recente, a SaferNet recebeu denúncias contra 23.093 páginas
de internet com conteúdo neonazista entre 2006 e 2015.
De acordo com
Dias, na internet os alvos preferidos dos neonazistas têm sido membros da
comunidade LGBT, ativistas de direitos humanos e do feminismo.
Instabilidade econômica
Já a professora
da Faculdade de História da Universidade de São Paulo, Maria Luiza Tucci
Carneiro, disse à BBC Brasil que a atividade de grupos neonazistas não está
relacionada diretamente ao cenário político e ao avanço da extrema direita.
Segundo ela,
esses grupos já operam no Brasil há muitos anos e seu desenvolvimento está mais
ligado a uma crise de valores normalmente provocada por situações de
desemprego, corrupção e instabilidade econômica - associadas a deficiências
educacionais da população.
"Esse
fenômeno não é específico da situação política de hoje", afirmou ela.
Carneiro
afirmou, por exemplo, que o desenvolvimento desses grupos foi comum na década
de 1980 devido à instabilidade econômica. Segundo ela, os grupos neonazistas
criam um discurso no qual culpam minorias e grupos específicos pelos problemas
da sociedade, como a falta de emprego.
Historicamente,
alguns desses alvos têm sido negros, judeus, homossexuais e nordestinos.
Isso explica o
fato de muitos integrantes dos grupos de intolerância serem eles próprios
jovens mulatos e mestiços que, uma vez cooptados, passam a se manifestar contra
negros, por exemplo.
Diversos Estados
Segundo a
antropóloga Adriana Dias, o florescimento de grupos neonazistas no Brasil seria
também favorecido por um ambiente social que combina fatores como o racismo, a
presença de uma elite segregacionista e uma alta concentração de renda nas mãos
de poucos.
E eles não
estão presentes somente em São Paulo. Segundo os especialistas ouvidos pela BBC
Brasil, há grupos ativos especialmente no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa
Catarina, Minas Gerais e no Distrito Federal.
Dias estuda há
14 anos o tema dos grupos neonazistas brasileiros. Segundo ela, a maioria deles
há muitos anos se inspira em grupos neonazistas dos Estados Unidos. Mais
recentemente, disse ela, eles também vêm sendo influenciados por movimentos
surgidos na Rússia e no leste europeu - devido à facilidade de tradução de
material em outras línguas por meio de softwares e ferramentas on line.
Segundo ela, há
dezenas de tipos de movimentos neonazistas. Alguns têm caráter xenófobo,
anti-LGBT, de identidade cristã, de negação do holocausto, entre outros.
No Brasil
predominariam três correntes: "White Power", de caráter nacionalista,
"Skinhead racista" - uma deturpação da cultura Skinhead (cabeça
raspada) de origem trabalhadora que se desenvolveu entre as décadas de 60 e 80
- e também "Música Racista ou Rock contra o Comunismo".
O grupo Kombat
Rac, alvo da operação da polícia na semana passada, pertence à corrente
"Rock contra o Comunismo", que surgiu de um movimento musical
originado na Grã-Bretanha para se opor ao "Rock contra o Racismo".
Segundo
policiais ouvidos pela BBC Brasil, grupos neonazistas como o Kombat Rac se
estruturam em torno da figura de um líder. Os integrantes em geral são de
classe média ou de camadas sociais menos favorecidas.
Diferente de
suas rivais dos movimentos antifascistas - que se reúnem em grandes grupos - os
neonazistas agem em pequenas células e podem ser reconhecidos visualmente por
tatuagens com símbolos associados ao nazismo ou à mitologia nórdica - como
cruzes suásticas e números que possuem determinada simbologia.
Na opinião de
Dias, o combate ao preconceito pregado pelos grupos neonazistas passa por uma
maior integração entre as polícias dos Estados e a Polícia Federal, mais
recursos materiais para os policiais e até leis específicas contra crimes de
ódio - adicionais à leis já existentes contra o racismo e o preconceito.
Fonte G1
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