sábado, 27 de março de 2021

PEDREIRENSES PELO MUNDO: Coluna do Carlos Augusto Martins Netto.

 PRESENTE DISTÓPICO

Por Carlos Augusto Martins Netto - Servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Farmacêutico, Escritor e Poeta.

De pé, frente à janela de vidro — embaçado por minha respiração quente — fechada e encoberta por uma cortina que já fora vermelha e que agora mais se assemelha a um trapo velho, posto que vítima dos raios solares e do tempo, observo a rua repleta de vazio. Vazios individualizados que se atraem pela ignorância e, até mesmo, pela preguiça e invadem todos os lugares, inclusive a minha rua.

Eu, daqui de dentro, cheio de receios que os vazios denominam exagero, assisto a uma enxurrada de sandices chegadas por meio das telas brilhantes dos dispositivos móveis e acolhidas, candidamente, sem a menor preocupação de confirmá-las. Confirmar? Para quê? O que realmente importa é seguir adiante com o polegar para cima e o indicador à frente... e sem nem desconfiar que o inimigo anda sorrateiro entre eles em busca de uma única oportunidade para atacar de maneira feroz.

A rua que outrora fora palco de inúmeras conquistas da humanidade, agora, lugar de zumbis. A rua que fervilhara vida, agora, zona de guerra. A rua que esbanjara contentamento, agora, tristeza.

Aliás, tristeza é um sentimento muito presente em mim. Fico triste em ver tantas pessoas abduzidas pelo inimigo e que foram obrigadas a deixar seus entes queridos para trás sem ao menos se despedirem. De presenciar famílias inteiras aqui da vizinhança sumirem de repente. Tristeza em perceber que os vazios estão repletos de falta de empatia. Tristeza, inclusive, por ser testemunha de que a recepção da nave da salvação fora totalmente manchada pelas piadas falsas e sem graça dos vazios.

Os vazios muito se assemelham a extraterrestres pois, em dado momento, percebi-os buscando em suas telas o alimento estéril dos dados deturpados e dos discursos subvertidos — que procuram sempre manipular as mentes dos vazios... e conseguem. 

Entretanto, entre eles, diviso alguns seres estranhos: mascarados solitários com uma garrafinha de água em uma mão e, na outra, um tubinho contendo um líquido viscoso. Seus comportamentos destoam dos demais e, por isso mesmo, são alvos de pilhérias por parte dos vazios.

 O caos reina.

Lembro de coisas simples do passado e que já não são possíveis hoje. Chegar no boteco, pedir uma cerveja gelada, abraçar os amigos que por lá se encontravam, apertar aos mãos daqueles que estava conhecendo naquele instante, provar um tira gosto levado por um dos convivas, conversar abertamente sem receios de ferir o pensamento do próximo, discutir sobre futebol e política sem receber qualquer rótulo. Ah, como isso tudo me faz falta!

Daqui da minha janela, consigo enxergar a nave salvadora se aproximando, apesar dos protestos e obstáculos dos vazios. Mas a nave não para, vem se aproximando, lentamente, amparada nos ombros daqueles que não se abateram e tudo fizeram para que ela por aqui aterrizasse.

Às vezes, me pergunto se algum dia seremos capazes de retornar com a liberdade do abraço, do conviver pacífico, da empatia, do olhar generoso, de só darmos palpites naquilo que não sabemos após a quarta cerveja gelada... Não sei, juro que não sei. Luto incessantemente para manter viva a esperança em todos, inclusive nos vazios porque acho que um dia ficarão repletos de vergonha ao perceberem que foram descaradamente usados em prol de projetos particulares.

A despeito de tudo isso, hoje, vejo cada vez mais próximo o dia em que trocarei a velha cortina, limparei o vidro e abrirei as janelas para voltar a sentir o toque prazeroso da brisa a soprar novos ares, a receber os amigos em casa para colocarmos os assuntos em dia, respirar fundo sem qualquer receio, pois o inimigo estará confinado nos calabouços da nave salvadora.

Nunca acreditei em futuros distópicos, a distopia está aqui, hoje, e estamos lutando arduamente para termos um futuro brilhante, apesar dos vazios.




























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