INTELIGÊNCIA, TECNOLOGIA E PIAU FRITO
Hoje, acompanhando meus filhos em suas aulas on-line - essa tal da pandemia da Covid-19 deixou tudo de cabeça para baixo e acelerou processos que demorariam anos para se completarem — deparei-me com reflexões acerca das transformações ocorridas na vida das pessoas ao longo do tempo. Lembrei-me do Miguel, um grande amigo de infância lá da querida e sempre saudosa Pedreiras, um pedaço de chão maranhense, magnetizante, incrustado às margens do tão maltratado rio Mearim. Por algum tempo fomos vizinhos entre si e, também de São Benedito, o padroeiro da cidade.
Miguel, um garoto criado com rigor e um aluno que se destacou por sua inteligência vivaz. Fora um dos grandes destaques do Colégio São Francisco. Lá, tive a honra de sermos parceiros de turma e sentarmos juntos na mesma carteira. Sim, na mesma carteira! Eram cadeiras, como chamam hoje em dia, as quais tinham a configuração para ocupação por dois alunos. Assim, juntos, fomos desenvolvendo nosso intelecto, nossa formação ético-moral e, principalmente, uma sólida amizade.
Devido à proximidade de vizinhos, sempre estávamos juntos e, por consequência, estudávamos as tarefas de casa em grupo e, após, corríamos para brincar na rua em frente de casa. Coisa que, hoje, dificilmente, a molecada consegue fazer. A localização das moradias e o grande fluxo de automóveis não mais permitem os folguedos infantis pelas ruas das cidades. Até lá por Pedreiras isso está difícil. Os carros e as motos tomaram conta de tudo. Isso para não perder tempo falando do perigo de assalto a qualquer momento e hora — cá e, também, na Princesa do Mearim.
Nas tardes quentes do mês de outubro, quando ocorrem as queimadas para plantio das roças, nossas cuidadosas mães não permitiam a tradicional pelada no patamar da igreja e, então, apelávamos para o futebol de botão. Campeonato completo, com embates divididos em chaves e com os resultados devidamente anotados, até ser definido o jogo final. E tinha até troféu para o campeão. No mês de maio aproveitávamos os ventos pra soltarmos pipas coloridas. E quando ocorriam chuvas, o banho nas biqueiras das casas dava conta da diversão da molecada. Tudo isso sob os olhares atentos de nossas mães e avós.
A política corre solta em nossas veias. Sou neto, e ele filho, de prefeito. Crescemos nesse ambiente e, por muitas vezes, presenciamos, mesmo que ao longe, as reuniões para a tomada de decisões acerca de candidaturas e apoios políticos, por exemplo.
No interior, política é tão envolvente que atinge até criança. Lembro-me quando as cédulas de votação deveriam ser escritas com o nome e número dos candidatos, sabíamos votar de cabo a rabo. Era comum perguntar: — Miguel, vai votar em quem para vereador? No Genoíno, respondia ele. O detalhe é que não contávamos mais que nove ou dez anos de idade.
O tempo passou e chegamos à adolescência. Em uma dessas campanhas políticas a nossa amizade passou por uma grande provação. Nossos pais que sempre participaram do mesmo grupo, agora, estavam em lados opostos. Contudo, demonstrando maturidade incomum para a idade, soubemos separar os problemas políticos e solidificamos ainda mais a amizade de infância.
Chegamos à fase adulta e cada um seguiu seu caminho. Cada qual construiu a sua vida. Miguel continuou a morar em Pedreiras e eu acabei vindo me estabelecer aqui pelas terras construídas por JK. A distância tornou-se uma constante em nossas vidas e somente nos vemos quando das minhas idas à terrinha. Contudo, a tecnologia mostrou-nos que, hoje, as distâncias e, principalmente as ausências, são relativas, pois temos ao nosso dispor muitas opções para a manutenção dos nossos laços afetivos.
Nesse momento, a grande dificuldade que enfrento é a enorme distância do piau frito no azeite de coco babaçu lá do Zé Reis. Essa, não tem tecnologia que dê jeito.
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