O SABOR DAS LEMBRANÇAS.
Certo dia, sentado numa praça de alimentação de um shopping center, estava distraído, observando as pessoas. Sou fascinado em gente, principalmente aquelas que vivem vidas que para nós parecem inatingíveis, pois completamente destituídas de toda sorte de complicações que nós mesmos, via de regra, conduzimos pelas mãos ao nosso cotidiano. Por essa gente, sinto imensa admiração. E foi envolto por essa contemplação que vi chegarem e se instalarem numa mesa ao lado um senhor de tez já completamente prateada, com certeza já contava com uns setenta e lá vai pedrada, junto com sua netinha, uma garota linda, de olhos brilhantes e com um sorriso inocente e cativante.
Aquela cena captou minha atenção e, entre um chopp e outro — sim, de vez em quando deixo o boteco de lado e dou uma chance a esses lugares mais pasteurizados —, ouvi a garota perguntar: — Vovô, como um país se torna desenvolvido e rico?
— Menininha danada, aquela! Colocou o velho homem numa sinuca de bico: como responder à pergunta de modo que a neta entendesse? Deu uma bela mordida no sanduíche e, após mastigar lentamente, como a ganhar tempo para pensar, tomou um gole do suco de uva para ajudar a engolir aquela perguntinha difícil.
Enquanto isso, a menina iniciava a degustação do seu McDonald’s. Molhava a batatinha frita no catchup, levava-a à boca e, calmamente, mastigava... esperando pela resposta ao seu questionamento.
Vendo a menina se refestelando com aquele lanche moderno, olhei para dentro de mim e me dispus a visitar certas lembranças da minha infância, de quando tinha mais ou menos a mesma idade daquela garotinha; por volta de uns dez anos. Vi-me nas ruas da minha cidade natal — Pedreiras, torrão que me seduz e que permeia meus pensamentos diariamente — confabulando com alguns amigos sobre como faríamos para entrar em um sítio próximo ao nosso bairro para apanharmos algumas frutas. O dono era conhecido como extremamente bravo e que colocava a meninada para correr com seus cachorros. Também pudera, seu sítio tinha um pomar extremamente bem cuidado do qual ele comercializava as frutas que ali cultivava. O lanche dessa época era acompanhado de uma certa aventura, se assim podemos dizer.
E o vovô continuava lá, à frente de sua neta, remoendo de um lado para outro seus pensamentos em busca da resposta. E a neta, já iniciara seu sanduíche recheado com hamburguer, queijo cheddar e picles. Já, já daria um gole na coca-cola.
Lembro de uma das diversas cheias do rio Mearim, o rio que banha minha cidade, quando forçava milhares de pessoas a abandonarem suas casas, levando consigo os pertences que conseguissem carregar nas carroças de madeira puxadas a jegue. Elas eram abrigadas, principalmente, nas instalações das escolas municipais, sendo a alimentação, desde o café da manhã até o jantar, passando pelos lanches, distribuídos pela prefeitura. E fechando os olhos, chego a sentir o sabor do pão com margarina acompanhado de Qi-suco, distribuído às crianças desabrigadas. Isso mesmo, nós entrávamos na fila de distribuição junto aos novos amigos, após uma pelada no meio da rua com os chinelos a servirem de trave.
A menina, agora, arregalava os olhos em direção a um cookie, um biscoito doce metido a besta e caro feito a peste! Mais que depressa o avô correu para comprá-lo e entregar para o deleite de sua querida netinha. Sim, os avós são marionetes assumidos e dedicados dos netos. Já teve até presidente da República afirmando que os netos são filhos açucarados. Não duvido, e um dia vou experimentar.
(Imagem ilustrativa, retirada da Internet em 19.03.2021, às 06h19)Aos fins de semana, íamos jogar futebol — apostado! — em outros bairros e quando o jogo era para as bandas da tresidela, na volta tinha sempre uma parada para comer o famoso mocotó do Doquinha; um prato exótico feito de bucho e tripas de boi cozidos, acompanhado de farinha d’água e limão... uma delícia! Isso, para esperar pelo almoço. Valha-me Deus, era muito apetite! E, mesmo assim, a molecada toda mais parecia um cabide de pendurar roupas, de tão magra.
Levei caneca à boca e descobri que estava vazia. Levantei-me para buscar mais um chopp, a tarde estava agradável, o shopping não estava muito cheio e a conversa — conversa? — entre avô e neta estava interessante. Na ida, descobri que um quiosque estava comercializando cervejas artesanais e, como bom mestre cervejeiro, decidi degustar uma pale ale fabricada com lúpulo indiano contendo notas aromáticas cítricas. Provei. Outra delícia. Imaginei como seria juntar essa cerveja artesanal com o mocotó do Doquinha. Seria um verdadeiro desbunde!
Ah! e como ficou a resposta do avô para a neta? Provei de tantas cervejas artesanais no quiosque, me lembrando dos pratos típicos do meu Maranhão e com quais cervejas poderiam harmonizar que nem notei a hora em que eles foram embora. Vou ficar devendo.
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