terça-feira, 23 de junho de 2020

Coluna do Pastor Walberto Magalhães Sales

VIDA E MORTE SEVERINA 2020
Foto: Joaquim Filho


A inversão dos termos “morte” e “vida” no título, foi intencional, a fim de que, por impulso inicial, o leitor não esperasse uma nova versão literária da obra-prima do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Na verdade, da obra “Morte e Vida Severina, busca-se apenas a força da poética dramática do realismo como holofote para iluminar a condição do pobre brasileiro. Talvez, porque o autor deste texto creia que se o grande poeta sertanejo estivesse vivo nestes nossos “dias de cão”, daria ainda mais força a sua ode ao pessimismo, aos dramas humanos e à indiscutível capacidade de adaptação dos sobreviventes brasileiros. Contudo, muito provavelmente, este texto se encerre na frieza de números e dados, para conseguir o objetivo de mostrar que não mudou muita coisa entre morte e vida, e discrepâncias na condição social dos habitantes dos diferentes brasis, aglutinado na Nação.
A cruel pandemia de 2020 que ceifou muitas vidas começa a ser tratada, mesmo tardiamente, como uma questão de saúde, e de forma, mais responsável pelos agentes públicos. O que causa pesar é o fato de que muitas famílias foram mutiladas por mortes evitáveis, quando o vírus, surpreendentemente, era tratado como instrumento de politicagem, tempo em que um ex-presidente da República declarou: “ainda bem que a natureza criou o vírus”. Se vivesse nesses dias, Severino, o do poema, aquele que foi chamado de Severino de Maria, poque havia muitos outros severinos, e por haver ainda muitos severinos filhos de tantas outras marias, foi denominado: Severino da Maria do finado Zacarias. Se cumprisse hoje sua sina, teria escolhido algo mais eficaz para sua tentativa de suicídio, que pular de uma ponte no Capiberibe, pois já teria ampliada a sua lista de descobertas sobre a utilidade da morte. No século passado, de tanto ouvir sobre morte e assistir velórios e sepultamentos, Severino descobriu que era justamente a morte, a maior empregadora do Sertão. Ela já era, em sua conclusão, quem dava empregos, do médico ao coveiro, da rezadeira ao farmacêutico. Descanse em paz, Severino da Maria do finado Zacarias! Os severinos de hoje estão virando estatística, sem o “farmacêutico” poder vender o remédio, sem o médico ter um protocolo definido e nem a rezadeira poder chegar perto do caixão, os coveiros também foram ameaçados de serem substituídos por retroescavadeiras que são bem mais apropriadas ao novo “status” da morte. Esta se sofisticalizou e abandou questões de pequena monta, entrou para a política e já dar emprego até para juízes de cortes supremas, presidentes de nações e organismo internacionais.
Severino e severinos prestem atenção! Estão dizendo que o vírus é democrático e não faz acepção, dizem até que ele igualou ricos e pobres e deu mais tempo para as famílias. Declarações como aquelas de muitos velórios. Informações questionáveis, mas carregadas de emoção. Os ricos foram alcançados primeiros, mas os pobres morreram mais. Os mais ricos foram “de” Hospital Israelita e viajaram em avião UTI, os mais pobres foram a pé, bicicleta, carro de um amigo, para as triagens dos SUS. Outro suposto aspecto democrático da covid-19 é que ela internou muitas pessoas nas suas respectivas casas, não fez diferença entre quem quer que fosse, e o problema é exatamente este, não precisa explicar a diferença da casa do apresentador de televisão para a do operário da construção. Deve-se admitir, e não omitir a verdade, algumas poucas famílias tiveram mais tempo para ficar reunidas. Não foi o caso dos filhos dos médicos, enfermeiros e outros profissionais da área que tiveram que ficar separados
dos pais e longe dos avós. Outras tiveram problema de adaptação, o espaço era muito pequeno, em vez de ficarem reunidos, ficaram aglomerados em confinamento.
Ainda é muito cedo para se falar em aprendizado ou lição. Mas espere-se que de hoje em diante se dê mais atenção ao trato de doenças respiratórias e mais valor a recuperação de pacientes em atendimento hospitalar. Até 21 de junho de 2020 já morreram 549469 pessoas no Brasil, das quais 7,95% tendo causa direta ou associada a covid-19; somando a covid-19 as demais causa respiratória e septicemia temos: 255.335 mortes 46,46% de todos os mortos até agora. 
Todavia as recuperações foram celebradas com direito a cartazes, fotos e vídeos, entrega dos pacientes na porta de hospitais para seus familiares em meio a aplausos, o que merece a aprovação de todos, pois foram vidas salvas das garras de um inimigo desconhecido e outros nem tanto assim. O medo comum a todos os severino é que no ano que vem haja absoluto silêncio sobre as mortes por quaisquer motivos, afinal, são mortes do mesmo jeito e o discurso comum é que, “importante é a vida”. Só para constar 2019 não foi um ano muito bom, morreram 1.218.843 brasileiros e não houve por isso, atenção da grande mídia. Será que não morreu
ninguém por falta de respiradores? Não havia covid-19, porém 43,20% das mortes foram por problemas respiratórios e septicemia, ou seja, morreram 526.540 brasileiros por causas semelhantes em 2019, ainda assim, nada aconteceu senão a reflexão silenciosa de vários severinos nos velórios de seus mortos.
Lamento pelos 31 mortos constantes no boletim epidemiológico da secretaria de saúde da nossa cidade; pelos 24 constantes no mesmo documento da vizinha unida pelo Mearim; lamento mais ainda pelos anônimos severinos que morreram de outras causas e, por isso, não constam em nenhum serviço de transparência acessível, contudo a ausência de informação e a causa morte não diminuiu a dor de cada família. Só não lamento pelo Severino da Maria do Finado Zacarias, pois se hoje tivesse que viver sua “retirança” do Sertão ao Litoral, seria proibido, obrigado a ficar de quarentena, barrado por “lockdown”, teria que usar máscara e não assistiria nenhum velório e não ajudaria a sepultar nem um compadre e provavelmente morreria de desgosto da “#ficaemcasa”.


REFERÊNCIAS
Morte e vida severina. João Cabral de Melo Neto.

PORTAL DA TRANSPARÊNCIA DO REGISTO CIVIL. Consulta de 21/06/2020.

Boletins epidemiológicos das cidades de Pedreiras e Trizidela do Vale. Consulta de 21/06/2020



Pr. Walberto Magalhães Sales

Pastor Presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Pedreiras; Bacharel em Teologia, Mestrando em Ministério Cristão; Licenciado em Letras, Especialista em Tecnologias Aplicadas a Educação e Educação à Distância; Pós-graduando em Administração Pública e Gestão Estratégica.











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