segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Coluna do Pastor Walberto Magalhães Sales

 ABUSO DE PODER RELIGIOSO

O que é isso?

(Foto: Joaquim Filho)

Recentemente, o ministro do STF e vice-presidente do TSE, Edson Fachin, trouxe à discussão a possibilidade de perda de mandato de políticos eleitos pelo voto popular, por prática de abuso de poder religioso, mas o que é isso? Quais as previsões legais? E as consequências? 

O ministro não é insano, não parece razoável acreditar que ele esteja querendo liderar uma perseguição religiosa ou fomentar ainda mais o preconceito religioso existente. Se bem que ele resolveu correr esse risco. O fato é que há problemas que incomodam a ordem natural do funcionamento social. Existem pessoas que vivem tentando encontrar espaços e tirar proveito pessoal e espúrio do que é legal e socialmente estabelecido. Essas pessoas prejudicam não só o processo político, mas o religioso também.

Consideremos o seguinte: 

É conhecido no Brasil o caso de um político (vice-prefeito) que fundou uma igreja que acumula ações judiciais, a começar pelo nome da própria igreja (1). Uma disputa se dá por usar o nome completo e até símbolos de outra igreja, ambas utilizam inicialmente nas nomenclaturas “Assembleia de Deus” sem que nenhuma seja filiada a qualquer das Convenções Nacionais das Assembleia de Deus no Brasil. Uma delas sofre acusações de crimes, históricos de pastor preso,e claro, prejudica diretamente a outra com a qual se confunde. Neste caso, penso que há de forma específica, má fé política travestida de religião, e, de forma ampla, a construção de difamação que oportuniza preconceito contra a secular e maior denominação evangélica do país, mesmo que não configure crime, afinal qualquer um pode usar o nome de Assembleia de Deus desde que haja um complemento distintivo nos seus atos constitutivos.

O caso que gerou a manifestação temerária do ministro do STF foi publicado assim pela “gazeta do povo”: “O processo em questão no TSE, que pode ganhar repercussão geral, gira em torno da vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da Assembleia de Deus. Ela é acusada de usar a sua posição na igreja para promover a candidatura, influenciando o voto de fiéis. Valdirene foi reeleita em 2016.” (2). Assim também foi replicado em tantos outros veículos de comunicação. Mas, estaria se tratando de uma política tentando manipular pessoas pela religião ou uma religiosa tentando tirar proveito político da fé dos fiéis? Com base no caso, muitos caminham no sentido de separar a religião da campanha eleitoral, como se isso fosse possível, mas há algumas coisas que dá para separar, por exemplo: na citação e no noticiário em geral publicou-se: “vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da Assembleia de Deus” (grifo meu). De que grupo religioso? Seria uma “Assembleia” criada por ela? Pois a Denominação centenária Igreja Evangélica Assembleia de Deus, não tem pastora. Antes mesmo de aprofundar a discussão já fica evidente as tentativas da política se utilizar da religião, e não o contrário, gozando para isso da falta de escrúpulo motivada por preconceito religioso da maior parte dos que fazem a imprensa em todos as suas manifestações.

O que seria abuso de poder religioso? O que se está querendo evitar?

No antigo Egito, entre as dinastias dos Faraós Ramsés II e Amenófis I, ocorre uma situação que merece ser lembrada. Pois como diz Goethe (Apud GAARDER 1999, p. 7): “Quem de três milênio, / Não é capaz de se dar conta / Vive na ignorância, na sombra, / À mercê dos dias, do tempo.”. Ramsés II é mencionado na Bíblia como “o rei que não conhecia José” (Ex 1.8). Isso porque a relação do povo semita com os egípcios começa na decima segunda dinastia. Na décima terceira, um hebreu, filho de Jacó, chamado José, que havia chegado no Egito como escravo se torna governador (uma espécie de primeiro ministro) e havia salvado o Egito com todos os povos em redor de uma crise de sete anos de seca sem precedente. Faraó manda buscar toda a descendência de Jacó para viver no Egito, na Terra de Gósen. Egípicios e hebreus tornam-se uma mesma nação, com princípios religiosos diferentes, porém em harmonia. Mas, com a chegada ao trono de Ramsés II, uma nova mensagem foi passada aos egípcios pelo faraó: “Eis que o povo dos filhos de Israel é mais numeroso e mais forte que nós. Vinde, usemos de astúcia para com eles, para que não se multipliquem, e para que não aconteça que, havendo guerra, se unam com os nossos inimigos, pelejem contra nós e se retirem da terra.” (Ex 1.9,10). Assim, construiu-se uma cultura de ódio e perseguição entre as etnias e os hebreus foram escravizados, postos em trabalhos forçados e tiveram seus bebês assassinados por uma política de controle populacional. 

Uma outra ocorrência que deve ser lembrada neste momento de indagações sobre o que está ocorrendo, é o que aconteceu no Grande Império Persa, durante o reinado de Xerxes I (3). Seguindo o resumo da Wikipédia (4): Hamã era um ministro do rei Xerxes I da Pérsia. O rei ordenou que todos os funcionários do palácio se curvassem e se ajoelhassem diante de Hamã em sinal de respeito. E todos os funcionários começaram a fazer isso, menos Mordecai; ele não se curvava, nem se ajoelhava. Hamã ficou furioso quando descobriu que Mordecai primo e pai adotivo de Ester (a rainha de origem judia) não se ajoelhava em honra do Rei Xerxes I e dele. E, quando lhe disseram que Mordecai era judeu, Hamã achou que não bastava somente matar Mordecai; ele fez planos para matar também todos os judeus que havia no reino de Xerxes I. Hamã era amalequita, filho de um povo derrotado pelos judeus e queria vingança. Possuidor de um grande ego, menor apenas do que o do rei. Ele ganhava cada vez mais espaço no império criando situações que massageavam o ego de Xerxes. Voltando para a Wikipédia: “Hamã vai até a presença do rei para convencê-lo do massacre, alegando que existia um povo que seguia leis diferentes, os quais não obedeciam a suas ordens e lhe falou que não tolerasse que eles continuassem agindo daquela maneira. [...] A ordem era matar todos os judeus num só dia, o dia treze do décimo segundo mês, o mês de adar. Que todos os judeus fossem mortos, sem dó nem piedade: os moços e os velhos, as mulheres e as crianças. E a ordem mandava também que todos os bens dos judeus ficassem para o governo.” Nem precisa dizer que isso não deu certo.

Mas, há um terceiro e último evento histórico que esta reflexão invoca, o caso de Nero. Imperador romano do ano de 54 a 68 da era cristã. Até hoje é uma das figuras mais polêmicas de todos os tempos. Entre muitos atos estranhos, encontra-se o caso do incêndio que destruiu parte da cidade de Roma, no ano de 64. O historiador e senador do Império Romano, Tácito, denunciou que Nero ficou cantando e tocando lira enquanto a cidade queimava. E depois “culpou e ordenou perseguição aos cristãos, acusados por ele de serem os responsáveis pelo incêndio. Muitos foram capturados e jogados para serem devorados pelas feras” (5).

O que estes três eventos têm em comum e haver com o atual momento do Brasil? Todos envolvem perseguição religiosa a judeus e cristãos e pelos mesmos motivos: princípios e valores de judeus e cristãos divergentes dos defendidos por pessoas investidas de autoridades; crescimento numérico, e, principalmente, ascensão política. 

Este é o atual cenário brasileiro. Evangélicos crescendo numericamente e defendendo os princípios e valores judaico-cristãos que representam a base da formação da Cultura Ocidental; conseguindo adesão política de outros grupos cristãos que estavam se sentido massacrados pela destrutiva cultura midiática de massa; e elegendo cada vez mais representantes políticos. E há muita gente, com e sem poder, dispostos a destruir a democracia brasileira, para impedir as conquistas democráticas dos conservadores. Numericamente, em 2010 o censo do IBGE diagnosticou que os evangélicos eram um pouco mais de 22% da população, em 2020 o Data Folha (6) constata que eles são 31% e um estudo desenvolvido pela Veja (7) projeta que em 2032 o Brasil terá a mesma quantidade de católicos e evangélicos 40% cada. Politicamente, segundo a Agência Brasil (8) em 2010 a bancada evangélica tinha 73 deputados, em 2014 passou a 75 e em 2018 deu um salto para 84 deputados federais. 

Contudo, os evangélicos não estão tomando espaço ou vez de ninguém, estão reagindo a tentativas de imposições contra eles e tentando exercer legitimamente o papel democrático que é devido ao segmento na democracia brasileira. Considere o que segue: as mulheres estão recebendo instrumentalização legal para se fazerem representar na política, e isso não é um mal, pois a participação feminina está em desequilíbrio, são maioria na sociedade e minoria nos parlamentos e cargos executivos de gestão pública. Os negros estão entrando nas universidades por sistemas de cotas raciais, como uma espécie de reparação da falha nas oportunidades igualitária a todos os grupos representativos da sociedade. Então, consideremos: sendo os evangélicos 31% da população, se eles já tivessem alcançado o espaço representativo devido nos mesmos critérios, seriam 25 senadores e não apenas 7; seriam 159 deputados federais e não apenas 84. Deveria sentir-se representados pelo menos em 3 dos ministros do STF. 

Retomando a ideia inicial e principal do texto, o ministro trata com casos isolados e denúncias cujos fundamentos, o autor deste texto desconhece quanto a idoneidade ou não. E, os casos isolados, devem assim mesmo serem tratados, isoladamente. Denúncia de pressão psicológica praticada por candidato ligado a liderança religiosa é crime tanto quanto se a liderança for sindical, empresarial ou outra; transformar a ação social da igreja em cooptação de voto é criminoso tanto para o pastor, como para o padre, à semelhança do prefeito com a prefeitura e outros. Agora, tomar casos isolados e generalizar como se tem feito com os evangélicos, só consegue revelar uma entre duas coisas: desconhecimento ou preconceito, e quase sempre ocorre a segunda por causa da primeira. Não é muito mais lógico entender que a bancada evangélica que cresce se dá pelo próprio crescimento dos evangélicos? Por outro viés, dizer que o padre, o pastor, o bispo, apóstolo ou outro, não pode pedir voto por que “resta claro que um pedido de voto advindo do sacerdote, em sua conotação quase divina, [...] Em alguns casos, o pedido de voto configura verdadeiro assédio ao eleitor.”, como sugere Morais (9) é reduzir os religiosos a um bando de lunáticos alienados e os líderes religiosos a uma corja de manipuladores. 

É de conhecimento geral que “abuso de poder religioso” não tem previsão legal, contudo o tema é pautável, devendo acontecer no fórum apropriado, ouvindo todas as partes. O que não pode acontecer é utilizá-lo como tema impactante e de forma deturpada para ampliar o estado de convulsão social já existente na nação.


Walberto Magalhães Sales

Presidente da Assembleia de Deus em Pedreiras-MA


NOTAS E REFERÊNCIAS

(1) Veja https://www.jmnoticia.com.br/2016/04/13/igrejas-travam-batalha-judicial-por￾uso-da-marca-assembleia-de-deus/

(2) Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/reuniao￾evangelicos-fachin-abuso-poder-religioso/ Copyright © 2020, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

(3) Leia mais em: http://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2013/04/xerxes-o-rei-dos￾reis.html

(4) https://pt.wikipedia.org/wiki/Ham%C3%A3.

(5) "Nero" em Só História. Virtuous Tecnologia da Informação, 2009-2020. Consultado em 09/08/2020 às 14:09. Disponível na Internet em http://www.sohistoria.com.br/biografias/nero/

(6) https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao￾catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml

(7) https://veja.abril.com.br/brasil/evangelicos-devem-ultrapassar-catolicos-no-brasil-a￾partir-de-2032/

(8) https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/em-crescimento-bancada￾evangelica-tera-91-parlamentares-no-congresso

(9) https://ieadireito.jusbrasil.com.br/artigos/799058839/abuso-do-poder-religioso-como￾aferir?ref=feed

BIBLIA DO OBREIRO. Barueri - SP: SBB, 2007.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. 36. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

MORAIS, Marina Almeida. Abuso do poder religioso: como aferir? Disponivel em: https://ieadireito.jusbrasil.com.br/artigos/799058839/abuso-do-poder-religioso-como￾aferir?ref=feed Consultado em: 09/08/2020.

TENNEY, Merrill C. Enciclopédia da Bíblia: cultura cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. v. 2.


















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