sexta-feira, 11 de junho de 2021

PEDREIRENSES PELO MUNDO: Coluna do Carlos Augusto Martins Netto.

 FESTA DE ANIVERSÁRIO

Por Carlos Augusto Martins Netto - Servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Farmacêutico, Escritor e Poeta.

Seu Tonho desce a pequena ladeira que dá para a entrada de sua casa. Atravessa a rua e vai conversar com dois recrutas que estão de vigília no Tiro de Guerra da cidade. Lá chegando, explica-lhes que está dando uma festa em sua casa para comemorar o aniversário do seu primogênito e que eles estão convidados.

A princípio, eles agradecem o convite e o rejeitam, argumentando que estão de serviço. Mas Seu Tonho não se dá por vencido e insiste no convite dizendo que já era tarde da noite e que ninguém ficaria sabendo que eles deram uma passada na festinha.

— Beleza, Seu Tonho, nós vamos. Mas o sargento não pode ficar sabendo, de jeito nenhum, que largamos o serviço e fomos ao aniversário.

— Fiquem tranquilos.

Dono de um comportamento irrequieto, Seu Tonho fora uma criança de muitos amigos. Era caracterizado por grande facilidade de fazer amizades e de se relacionar com as demais crianças. Gostava de jogar futebol, fanático torcedor do Flamengo. Quando seu time vencia, ia para o meio da rua soltar foguetes e caçoar dos amigos que torciam para o time rival que acabara de ser derrotado. Era desses torcedores enjoados. Dono de uma presença de espírito invejável, conseguia fazer piadas e criar histórias engraçadas com grande rapidez e o fazia, sem qualquer freio, para fazer troça dos times alheios. Fato que lhe rendeu alguns cascudos, quando criança, dos moleques mais velhos. — Pode bater que o Mengão me vinga! — dizia ele.

Esse comportamento, na verdade, era fruto de uma aguçada inteligência que fora ser lapidada, quando adolescente, estudando em colégios do Rio de Janeiro. Por lá, também, iniciou a faculdade, que não conseguiu terminar, pois se envolvera com o movimento estudantil, em pleno período de ditadura militar, e tivera de voltar para sua terra natal para não ser preso ou coisa pior. Naquela época, as pessoas eram levadas de casa e nunca mais voltavam ou se tinha notícia. O sumiço era um dos instrumentos utilizados pelo governo para abafar os vários movimentos que surgiam à época contra o sistema.

Essa experiência em terras fluminenses, deixou fortes sequelas em Seu Tonho; tanto que qualquer assunto que se relacionasse com o governo militar, virava motivo de suas piadas, muitas vezes, sarcásticas e ácidas. Apesar dessa experiência desagradável, Seu Tonho mantivera sua personalidade brincalhona.

Não por acaso, a loja onde funcionava o seu comércio virou ponto de encontro dos amigos que, ao saírem de seus trabalhos para o almoço — sim, por lá, as pessoas vão almoçar, religiosamente, em casa — paravam e ficavam a empreender divertidas conversações. Falavam de política, pescaria, contavam piadas; enfim, comentava-se de tudo, até da vida alheia. E, também, ficavam de olho nas beldades que passavam pela calçada. Era um verdadeiro clube do bolinha. Os mais afoitos, chegavam até a soltar algumas pilhérias, que algumas vezes eram correspondidas por aquelas que se bandeavam para práticas pouco ortodoxas — se é que me entendem.

Devido ao intenso comércio de algodão e arroz, a cidade atingiu grande fama na região, fato que proporcionou forte e sólido comércio, trazendo desenvolvimento e preocupação do governo federal; tanto que foi instalado um Tiro de Guerra na cidade, o quê oportunizava aos jovens da cidade servirem à Pátria quando atingissem a maioridade.

— Bete, traz mais cerveja gelada aqui pra gente, pediu Seu Tonho.

Os copos foram servidos e a conversa continuou animada.

A essa altura do campeonato, os recrutas já estavam engajados na rodinha de conversa e se entretinham com os assuntos que surgiam.

— Mas me digam uma coisa, o sargento Diogo é mesmo muito bravo? — indagou o Chico.

— Seu Chico, o sargento é o cão-chupando-manga, o homem dá nó em pingo d’água — respondeu um dos recrutas.

Em meio a uma larga gargalhada, Seu Tonho acrescentou: — Diogão é partidário da lei de Chico de Brito, escreveu, não leu, pau comeu.

Todos riram animadamente.

Sargento Diogo chegou à cidade e começou a trabalhar logo no dia seguinte.

— Atenção soldados! A partir de hoje, a organização, a limpeza, a disciplina e o trabalho duro serão parte de suas vidas aqui no quartel. Quero as instalações sempre bem limpas, o quartel sempre com dois vigilantes à entrada, que trabalharão em rodízio, e o restante participará das instruções militares. Não quero saber de ociosidade.

Seu Tonho chega perto do Chico e com um sorriso irônico no rosto diz: — Vou oferecer mais uma cerveja pra eles.

— Rapaz, eles já estão bem alegres. Isso vai dar rolo.

— Vai nada!

— E aí, rapaziada, estão gostando da festa? — indagou Seu Tonho.

— Está muito boa e animada, Seu Tonho, parabéns.

Os aniversários na casa de Seu Tonho eram conhecidos na cidade pela animação e fartura. E, também, porque não tinha hora para acabar. Ninguém lembra de um só que tenha acabado antes do nascer do sol.

O dia amanhece. Os convidados se despedem e a casa de Seu Tonho, finalmente, fica em paz, com todos procurando seus quartos para o merecido descanso.

Do outro lado da rua, no Tiro de Guerra, Sargento Diogo desce do carro para saber por que nenhum dos recrutas abrira o portão do quartel para que ele entrasse com seu carro, como era de costume.

Quando chega à calçada, não consegue avistar nenhum dos recrutas na guarita situada à entrada. Fica preocupado. Deixa o passo mais lento, observa ao redor, verifica a rua... não vê nada de anormal. Chega perto do portão, para e apura o ouvido, no intuito de vislumbrar algum som suspeito.

Nada.

Nisso, alcança o portão, abre-o lentamente, entra. Decide subir na guarita para verificar o que ocorrera com os recrutas. Nem sinal deles.

Desce. Atravessa o pátio frontal do quartel e alcança a porta de entrada do prédio. Ao tocar a maçaneta para abri-la, descobre que a porta está aberta. Fica ainda mais ressabiado. Entra lentamente e...

— Soldados, sentido!

Sargento Diogo se depara com os dois recrutas deitados no chão dormindo e sujos de vômito. Os soldados acordam assustados.

— Que está acontecendo aqui? — pergunta Sargento Diogo.

Os soldados sonolentos e ainda bêbados, com suas línguas pesando uma tonelada só conseguiam balbuciar: — Seu Tonho, Seu Tonho.



























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