terça-feira, 17 de setembro de 2019

João do Vale: Um Estudo da Vida e Obra do Maranhense do Século XX

Um trabalho de pesquisa de conclusão do nosso curso de Letras pela Faculdade de Educação São Francisco - FAESF - 2011. 
(Capa de Silvio César)

Quando nós apresentamos a nossa monografia na conclusão do curso de Letras, após a divulgação da nota 10, o nosso professor de Teoria da Literatura, Nazeldo Cruz, nos aconselhou que essa pesquisa não ficasse arquivada na biblioteca da Faculdade, que não se perdesse no tempo, mas que fosse feita uma adaptação para livro e chegasse ao conhecimento dos leitores, do mundo acadêmico e dos amantes da literatura. 

E, assim, obedecendo ao conselho do Mestre, co-orientador da monografia, muito importante na elaboração desse trabalho, que teve a orientação da professora Débora Regina, nós fizemos. 

Ei-la, aí, pronta para uma publicação já há 8 (oito) anos aguardando uma oportunidade. Já tivemos promessas. Já esteve em gráfica, com "boneca" pronta para publicação, mas nada até agora. 

Por razões de sermos bastante procurados para contribuir com pesquisas e trabalhos de escolas sobre a pessoa e a obra literária e musical de João do Vale, tomamos a iniciativa de publicá-la aqui no blog do Joaquim e ter a certeza de que estamos contribuindo para a divulgação e a perpetuação da obra riquíssima desse grande imortal, filho de Pedreiras - João do Vale. 

(Foto: Raimundo)

JOAQUIM FERREIRA FILHO

JOÃO DO VALE: um estudo analítico-interpretativo da obra poética do maranhense do século

Monografia apresentada ao Departamento de Letras da Faculdade de Educação São Francisco, como parte do requisito para obtenção do grau de Licenciatura Plena em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e respectivas Literaturas.

Orientadora: Profª. Débora Regina Oliveira Cruz Sousa


Pedreiras-MA
2010

JOAQUIM FERREIRA FILHO

JOÃO DO VALE: um estudo analítico-interpretativo da obra poética do maranhense do século

Monografia apresentada ao Departamento de Letras da Faculdade de Educação São Francisco, como parte do requisito para obtenção do grau de Licenciatura Plena em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e respectivas Literaturas.



Aprovado em: _____  / _____ / _____
Nota: 10


BANCA EXAMINADORA



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Orientadora: Débora Regina Oliveira Cruz Sousa, Graduada em Letras, Especialista em Língua Portuguesa, Lingüística do texto.



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Examinador



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Examinador


 
A Deus, pela vida e por ter-me sido sempre fonte de saber e Guia intelectual.
Aos meus queridos pais: Angelita de Morais e Silva e Joaquim Ferreira da Silva, pelo amor, o carinho, o incentivo e os bons exemplos de sempre.
À Deusa Helena Ponte Lima, minha querida esposa e incansável companheira.
Aos meus filhos, Wellington e Thamiles, pelo respeito e carinho de todos os dias.
Às minhas filhas, Bárbara e Beatriz Ferreira, com a minha admiração.
À minha única irmã Joselita Ferreira, meu cunhado Antonio Sousa, meus sobrinhos, Milena, Eliakin e Joana.
Enfim, para todos que compõem a minha imensa família, em especial na pessoa de minha querida tia Gracinha.

AGRADECIMENTOS

À minha família que me incentivou e acreditou que eu chegaria até o fim dessa batalha que não foi nada fácil, que me exigiu muito sacrifício e força de vontade, depois de anos afastado da sala de aula.
Aos professores da Faculdade de Educação São Francisco, em especial minha orientadora, professora Débora Regina Oliveira Cruz Sousa e meu co-orientador, professor Nazeldo Pereira Cruz que foram muito importantes nessa caminhada, onde o fundamental foi a construção do saber, de cidadãos com visão crítica, respeito, amizade e a troca mútua no processo ensino-apredizagem no período de quatro anos na Academia.
À professora Dalva Queiroz, por ter jogado a semente da ideia, quando sugeriu um tema voltado para a obra de João do Vale.
Aos colegas de curso que foram parceiros de verdade nessa árdua caminhada.
Aos amigos que colaboraram com esse trabalho: Chico Viola, Edivaldo Santos, Emídio Filho, Filemon Krause, Geraldo Melo, Jânio Matos, Luiza Carlos, Moisés Abílio, Paulo Piratta, Paul Getty, Rogério Du Maranhão, Romildo Rios, Samuel Barrêto, “Seu” Zezinho e Zacarias Salomão.  
Àqueles que fazem parte do corpo docente da FAESF, que desempenham suas funções com amor, profissionalismo e respeito com os discentes, desde a Presidente Aldenora Veloso até o mais humilde servidor daquela Instituição do Saber.


                                                         
“Mas o negócio não é bem eu,
É Mané, Pedro e Romão,
Que também foi meus colegas
E continuam no sertão.
Não puderam estudar
E nem sabem fazer baião.”
(João do Vale)
RESUMO

Este trabalho monográfico cujo tema é: João do Vale: um estudo analítico-interpretativo da obra poética do maranhense do século, teve como proposta a realização de uma análise-interpretativa com fundamentação teórico-crítica literária sobre a obra musical e poética do compositor João do Vale. Seu objetivo foi mostrar o quanto a sua obra fora importante e o quanto contribuiu para engrandecer a Música Popular Brasileira e a Literatura Contemporânea Nacional. Demonstrou e comprovou, o presente estudo que, apesar de o poeta João do Vale ter sido um homem semi-analfabeto, de ter “sentido na pele” as dificuldades da vida, ser vítima de vários preconceitos, ser um “demitido da vida”, um “esfarrapado do mundo”, foi capaz de produzir uma literatura engajada com as causas sociais, essencialmente voltada ao homem e o seu contexto regional. Foi feito também um estudo dos elementos estéticos e literários presentes na poesia do compositor que confirmaram a função engajada das obras com as causas sociais da sua época. Também foram averiguadas, dentro do corpus de poesias, características que denotaram forte engajamento sociopolítico. Este estudo analítico-interpretativo, além de ter analisado a obra de João do Vale, tratou também de questões literárias de natureza teórica. A análise da obra comprovou sua forte tendência a tornar-se um instrumento de denúncia dos problemas brasileiros e conscientização sociopolítica, dentro dos seguintes aspectos sociais: desigualdades, migração, exploração, instrução, questão agrária, violência no campo, degradação ambiental, opressão, pedofilia, repressão política, falta de moradia, prostituição, êxodo rural, alteração da paisagem, trabalho informal. A metodologia que se adotou para realizar as análises das obras de João do Vale foi a mesma técnica orientada pelo crítico literário Antonio Candido e pelo professor Massaud Moisés: pegou-se o corpus da obra e divididiu-se em partes, ou seja, em fragmentos.

Palavras-Chave: Literatura maranhense. Música Popular Brasileira. Música maranhense, Poesia popular. João do Vale.

ABSTRACT

This monographic work whose subject is: João do Vale: An analytical-interpretative study of the poetical workmanship of the Maranhense of the century the accomplishment of an analysis-interpretative with literary theoretician-critical recital had as proposal on the musical and poetical workmanship of the composer João do Vale. Its objective was to show how much his workmanship has been important and how much it contributed to increase Brazilian Popular Music and Literature National Contemporary. It demonstrated and it proved the present study that, although the poet João do Vale to have been a man semi-illiterate, to have “felt in the skin” the difficulties of the life, to be victim of some preconceptions, to be a “dismissed one of the life”, a “ragged one of the world”, was capable to produce a literature engaged with the social causes, essentially come back to the man and its regional context. A study of the aesthetic elements was also made and literary gifts in the poetry of the composer that had confirmed the engaged function of the workmanships with the social causes of his time. Also it was inquired, inside of the corpus of poetries, characteristics that had denoted fort sociopolitical enrollment. This analytical-interpretative study, beyond having analyzed the workmanship of João do Vale, it also dealt with literary questions of theoretical nature. The analysis of the workmanship proved its strong trend to become an instrument of denunciation of the Brazilian problems and sociopolical awareness, inside of the following social aspects: inequalities, migration, exploration, instruction, agrarian question, violence in the field, ambient degradation, oppression, pedophilia, repression politics, lack of housing, prostitution, agricultural exodus, alteration of the landscape, informal work. The methodology that was adopted to accomplish the analyses of the workmanships of João do Vale was the same technique guided for the literary critic Antonio Candido and by professor Massaud Moisés.

Word-Key: Maranhense literature. Brazilian Popular Music. Maranhense music. Popular Poetry. João do Vale.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11
2 LITERATURA: Conceitos e funcões.................................................................................. 15
2.1 A função engajada da Literatura.................................................................................... 17
3 OS GÊNEROS LITERÁRIOS........................................................................................... 20
3.1 Conceito e classificação..................................................................................................... 20
3.2 A poesia e a prosa.............................................................................................................. 22
3.3 A poesia e a música........................................................................................................... 24
4 A ANÁLISE LITERÁRIA.................................................................................................. 29
4.1 O conceito e a prática da análise literária....................................................................... 29
4.2 A análise do texto poético.................................................................................................. 31
5 O HOMEM E O POETA JOÃO DO VALE....................................................................... 32
5.1 Dados biográficos............................................................................................................... 32
5.2 As tendências contemporâneas na Literatura e a obra de João do Vale....................... 37
5.3 João do Vale e a música popular brasileira...................................................................... 39
5.4 João do Vale e o Grupo de Opinião................................................................................... 45
5.5 A produção musical de João do Vale................................................................................. 48
5.6 João do Vale e sua relação com os artistas e o povo do Maranhão................................. 53
6 JOÃO DO VALE: um estudo analítico-interpretativo da obra poética do maranhense do século        66
6.1 A literatura e os aspectos sociais...................................................................................... 66
6.2 Análise-interpretativa da poesia de João do Vale........................................................... 67
7 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 102
   REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 104
   ANEXOS................................................................................................................;;............. 109


1 INTRODUÇÃO

Acredita-se que no Brasil possam existir pesquisas, com diversos temas sobre a produção de João do Vale; porém, parece que a obra musical e poética desse compositor ainda não tenha sido estudada e divulgada o suficiente pela crítica brasileira. Assim, é imprescíndivel que a obra desse autêntico representante da poesia popular, compositor de inúmeras letras que entraram para o cancioneiro da Música Popular Brasileira (MPB), nascido no Povoado Lago da Onça, conforme o próprio compositor afirmou numa de suas músicas: “Lago da Onça: eu nasci lá”, povoado pertencente a cidade de Pedreiras, Estado do Maranhão, seja revalorizada e ocupe um espaço de destaque nos estudos literários. 
Concernente ao tema, João do Vale: um estudo analítico-interpretativo da obra poética do maranhense do século, que ora se apresenta, depois da realização de uma vasta pesquisa, teve-se a consciência do grande desafio que fora projetado, no sentido de se fazer um estudo de análise comparativa com a poesia do autor, onde se destacou a sua preocupação com o social. Sobre a análise de trabalhos literários, Massaud Moisés, no seu livro “A análise literária”, afirma: “Entendo que não há, nem pode haver, modelos fixos de análise literária. Ao contrário, a meu ver cada estudante deve desenvolver suas próprias aptidões, a partir de um exemplo de comportamento diante do texto, não de uma análise já realizada.” (MOISÉS, 2008, p. 11).
Foi baseado e seguindo a orientação metodológica do autor Massaud Moisés, a de que o pesquisador e o analista são livres para desenvolver o seu trabalho científico da forma como bem entender, desde que essa análise traga algo de novo e de valor para a ciência, e que tudo que se tenha analisado esteja contido dentro da obra, é que esse trabalho monográfico foi realizado.  Dessa forma, usou-se para esse trabalho de análise a ideia de Moisés que, aliada à técnica metodológica de Candido, em que o todo da obra foi dividido, analisado em partes, ou seja, em fragmentos.
No decorrer dos estudos do curso de Letras, chegou-se a uma conclusão de muita verossimilidade que o mesmo é uma área das ciências sociais que tem permitido aos seus graduados, o desenvolvimento do seu lado humano, a profissionalização de pessoas pensantes, de visão crítica, capacitadas e conscientes do seu papel em sociedade: na escola, nas academias e nas relações com o próximo. Diante do exposto, tem-se uma ideia que o graduado em Letras deva ser um guardião, um incansável defensor da língua vernácula e um culto em literaturas; e mais ainda, um profundo conhecedor dessa ciência, capaz de ser um autocrítico das linguagens, em especial a verbal, nos contextos oral e escrito, permitindo a fomentação e o aprofundamento teórico e metodológico, oportunizando o desenvolvimento da capacidade analítica e da autonomia intelectual.
Em se tratando da obra poética de João do Vale, soube-se da existência de mais trabalhos monográficos, os quais realizaram uma análise crítica a respeito de suas obras. Para tanto, foi com o pensamento de se fazer um estudo analítico-interpretativo e teórico-crítico que se suscitou para o grande desafio de poder analisar e investigar de forma científica, as letras das músicas de um artista simples que soube representar com altivez e espírito crítico a poesia contemporânea e popular.
Portanto, traz-se na essência deste trabalho, o desafio e a dedicação que foram a de se enveredar nos caminhos da sua poesia, na qual se descobriu temas muito profundos, relevantes e de valor incomparável, como instrumento de conscientização sociopolítica, e livre possiblidade de leitura de conhecimentos filosóficos, religiosos, culturais, educacionais, empíricos e sociológicos que só um olhar científico é capaz de detectar e trazer à luz do conhecer.
João do Vale, embora tenha conquistado o seu espaço no mundo da música e ter registrado o seu nome como um dos grandes autores de composições de protesto e cunho social, onde se percebeu a presença de denúncia, a exploração do homem pelo homem, a fome, a miséria, levando este a uma forma subumana, o compositor viveu no esquecimento, na ignorância e no preconceito dos “letrados” que não permitiram um homem simples, analfabeto, pobre e negro ter tido a competência e a habilidade para as artes das letras, que foi o fazer poético.

Há gente que pensa que culto é apenas quem leu muitos livros. No entanto, se tivesse tido, como eu, a oportunidade de ouvir João cantar as músicas sertanejas que ele sabe, veria que ele é a expressão viva de uma cultura que não está nos livros, mas na memória e no coração dos artistas do povo”. (GULLAR apud PASCHOAL, 2000, p.67).

No livro “João do Vale mais coragem do que homem”, da jornalista Andréa Oliveira se encontrou a letra da música “Na Asa do Vento” que demonstrou claro e evidente que o poeta teve consciência dessa triste realidade, a de ter passado pela vida: despercebido e marginalizado por muitos, quando diz nos trechos da música “Na asa do vento”, que se transcreveu um trecho a seguir:

A aranha tece
Puxando o fio da teia
A ciência da abeia
Da aranha e a minha
Muita gente desconhece. (VALE, 1981 apud OLIVEIRA, 1998, p.20).

Muitas das obras musicais de João do Vale são carregadas de ironia, humor e malícia (polissemia, ambiguidade); mas o compositor demonstrou não só ter feito músicas para momentos de lazer e descontração dos seus fãs. Mais do que o simples fato de possibilitar o entretenimento das pessoas, a música de João do Vale tem em suas letras uma mensagem carregada de denúncia que aborda questões sociais, fazendo com que as pessoas reflitam sobre a sua condição social e econômica, ou seja, de muita pobreza e miséria, no contexto maranhense e nordestino onde o poeta se inspirou.
Músicas como “Minha história”, “Na asa do vento”, “O Sertanejo do norte” e “Sina de caboclo” trazem na sua essência uma preocupação que o poeta-compositor tinha com as causas sociais, embora não defendesse nenhuma ideologia político-partidária, como narra Márcio Paschoal, em seu livro “Pisa na fulô, mas não maltrata o carcará”.

Eu sou um pobre caboclo que leva a vida na enxada
O que eu colho é dividido com quem não plantou nada
Se assim continuar vou deixar o meu sertão
Mesmo os olhos cheios d’água e com dor no coração
Vou pro Rio carregar massa pros pedreiros em construção.
(VALE, 1981 apud PASCHOA, 2000, p.28).

Dessa forma, foram discutidos neste trabalho monográfico os seguintes aspectos: inicialmente foi apresentado o conceito de literatura, destacando-se a sua função; no capítulo seguinte foram mostrados os gêneros literários, conceito e classificação, a poesia e a prosa, e poesia e a música, nas quais se fez uma relação entre si; depois foi feita uma abordagem da análise literária, na qual se falou do conceito e a prática da análise literária e a análise do texto poético; a literatura brasileira também se abordou nesse trabalho, falando-se das escolas literárias brasileiras, das tendências contemporâneas e a obra de João do Vale.
Ainda se falou do homem e do poeta João do Vale, através de dados biográficos, sua relação com a Música Popular Brasileira, Grupo Opinião, sua produção musical e a relação com os artistas maranhenses e o povo de Pedreiras, sua terra natal. Por fim, falou-se da obra de João do Vale como instrumento de conscientização sociopolítica, e se fez uma análise-interpretativa, na qual foram abordados aspectos como: a literatura e os aspectos sociais, a análise da poesia de João do Vale numa visão sociopolítica.
Para a realização desse trabalho, adotou-se a metodologia de estudo; leitura bibliográfica; utilizou-se a rede de Internet; áudio; vídeo; entrevistas com artistas e amigos, que conviveram com a personagem aqui estudada e analisada; realizaram-se viagens a São Luís do Maranhão e ao povoado Lago da Onça, local em que nasceu o compositor, neste, foram visitados os moradores e realizadas entrevistas com os parentes de João do Vale. Acredita-se que, seguindo toda essa metodologia, tanto na teoria como na prática, se tenha feito um trabalho de campo com a finalidade de se buscar além do que estava escrito nos livros: a experiência de vida que muitos artistas e intelectuais tiveram com João do Vale.
Destarte, acredita-se que esse trabalho de estudo de análise-interpretativa poderá ser dentro de suas limitações, um dos referenciais sobre João do Vale e sua obra para os estudantes e professores de Literatura e Língua Portuguesa; para acadêmicos do curso de Letras; membros da Academia Pedreirense de Letras; Associação dos Poetas e Escritores de Pedreiras; sociedade de modo geral e, em especial, aos admiradores, estudiosos e amantes da poesia de João.
Com a conclusão desse trabalho monográfico de análise e interpretação da obra de João do Vale, pensou-se ainda na contribuição, embora modesta, que se deu aos estudiosos de literatura e música maranhense e na preservação do valor artístico do autor, no sentido de se ter revelado um novo olhar e de reiterar protestos e anseios de novos valores literários da obra musical e poética do imortal e maranhense do século João do Vale.

2 LITERATURA: conceitos e funções

Muitos são os conceitos de literatura, e os mesmos variam de acordo com a visão de cada autor, dependendo do contexto histórico e social em que os mesmos estiveram inseridos dentro da história literária. Se o conceito de literatura “jamais foi matéria pacífica entre os teóricos e os estudiosos do assunto”, como afirma Proença Filho (2004, p. 08), passa por longe a ideia de esse estudo abrir uma discussão no sentido de apresentar uma verdade acerca do assunto, mas, sobretudo, o de ter abordado com responsabilidade e clareza, propostas que estiveram concernentes com o momento histórico em que se vive.
Sendo o conceito de literatura algo subjetivo como afirmaram os teóricos, foi de suma importância essa tese, porque vai sempre oportunizar aos artistas da arte não verbal, como também aos observadores literários, a possibilidade de poderem ser capazes de criar os seus próprios conceitos. Como já foi dito que o conceito de literatura já vem de muito longe, doravante entra-se no primeiro conceito. Encontrou-se a informação que é na Grécia Antiga que se vai beber essa fonte límpida de informação.
O filósofo Aristóteles, na Poética, escrevera e a conceituou, afirmando que a “arte é imitação”. O filósofo diz ainda que “o imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois de todos, é ele o mais imitador e, por imitação, aprende as primeiras lições), e os homens se comprazem no imitado”. (ARISTÓTELES apud SÉRGIO 2010).
Antônio Cândido cita uma formulação conceitual de Madame de Stael onde a autora diz que “a literatura é também um produto social, exprimindo condições de cada civilização em que ocorre”. (2000, p. 19). Tal conceito citado por Candido reforçou o pensamento que se tem, o de que sendo a literatura um produto que é extraído pelo artista do seu convívio social, esse produto (a literatura) nada mais é do que o reflexo real de um momento social-histórico onde a sua função será trazer a essência dessa realidade, utilizando símbolos de linguagem que denotem a presença existente de significados literários.
Pode-se ainda ilustrar esse assunto com a exposição de alguns conceitos de Literatura feitos por grandes conhecedores e teóricos do assunto: August Wilhelm Von Schlegel, poeta alemão, tradutor e crítico diz que “Literatura é a imortalidade da fala”. (SCHLEGEL apud CANDIDO, 2000, p.19).  
Sendo a literatura a imortalidade da fala como conceitua o autor Schlegel, seu conceito faz sentido porque é na Literatura que o artista das letras tem a liberdade e a autonomia de usá-las, dando-lhes um novo sentido, ou ainda reinventando-as e criando novas palavras. E quando o autor diz que a fala se imortaliza na Literatura, está afirmando justamente que o poeta-escritor tem esse poder de perpetuá-la através de suas obras. Hypolite Taine, historiador e filósofo francês do Século XIX, fez uma menção acerca da Literatura, dizendo que a mesma obedece a leis inflexíveis como a da herança, a do meio e a do momento.
A compreensão que se teve desse conceito, justifica com as informações encontradas no livro “Manual de Teoria Literária”, de Samuel (1985) que fala da crítica literária, e é justamente a crítica determinista que vai ajudar a compreensão do conceito de Taine – precursor da sociologia da literatura, por associar o estudo da obra, entre o homem e o meio.
O que se tem a dizer sobre as funções da Literatura, é que são várias, e estas apresentam as suas várias faces e características de acordo com o momento histórico em que foi produzida pelos seus escritores. Existe uma visão bem simplória nos livros didáticos de que a literatura serve para entretenimento, conceito simples e objetivo que não deixa de ser uma verdade diante de inúmeras funções que tem a Literatura. Mas seria muito pobre e falta de pretensão intelectual, de senso crítico, se pensar e comungar com a ideia de que a função da Literatura tivesse como proposta somente entreter os leitores que a ela recorrem para os seus momentos de deleite.
A Literatura carrega na sua trajetória histórica marcas indeléveis de um compromisso maior e mais profundo com a sua função que, aos olhos do mundo, precisa ser repensado e compreendido pelos que a produzem. Reportando-se somente a história da Literatura nacional para se chegar aos tempos contemporâneos, é que se encontra lá no período de 1500 a 1601, o início da Literatura em terras brasileiras, quando da colonização pelos portugueses.
Nesse período, a função da Literatura era somente informativa, e os intelectuais que a produziam eram os jesuítas, provenientes de Portugal, das Companhias de Jesus. Destaca-se como exemplo de um escrito marcante dessa época, a Carta de Pero Vaz de Caminha, enviada ao rei de Portugal Dom Manuel onde o conteúdo literário eram informações das notícias da nova terra “descoberta”. Saindo dessa visão pequena e bem primitiva para se dar um salto bem mais alto na função da Literatura, baseando-se num olhar mais científico, carregado de teorias literárias, descobriu-se que a função da Literatura está muito além do simples fato de informar.

De modo similar, a natureza de um objeto decorre do seu uso: ele é o que faz. Um artefato tem a estrutura adequada ao desempenho da sua função, juntamente com quaisquer acessórios que o tempo e os materiais possibilitam e o gosto julgue desejáveis. Pode haver muita coisa na obra literária que seja desnecessária para a sua função literária, embora interessante ou defensável por outras razões. (WELLEK; WARREN, 2003, p. 23).           

Segundo a visão dos autores Wellek e Warren, o que se entendeu é que a Literatura é como um processo que tem suas funções dentro da sociedade, essas funções só terão finalidade e importância de acordo com a forma ou o compromisso social a que esse objeto (a obra literária) esteja comprometido. Os autores citam como exemplo um piano que, se ficar no canto abandonado e não tiver a função de ser um instrumento musical, servirá apenas de uma escrivaninha, fazendo uma metáfora para explicar que a Literatura passa a ter uma função secundária quando deixar de ser e fizer a partir da sua essência.
Além de a Literatura ter a função de provocar nos humanos a emoção, de retratar na sua essência uma função estética, que é a busca da retratação do belo através das artes e da transmissão de informação e conhecimento, entre as várias funções, acredita-se ser de fundamental importância, a capacidade de despertar no cidadão a criação de um senso crítico, fazendo com que esse tenha a oportunidade de se tornar um formador de opiniões, levando-o a um estágio de um ser totalmente desenvolvido, evoluído, ao ponto de revelar em si o seu lado político-social.
Tem-se observado também que a Literatura por ser uma arte que lida com a palavra, ao ponto de expressar os sentimentos e as experiências dos seres humanos, passa a exercer uma função ideológica, que é a manifestação desse ser, de suas ideias e de seus valores na sociedade. Chega-se a uma conclusão acerca da função da Literatura: é que ela está para uma dimensão muito mais além do que se possa imaginar ou do que imaginam os críticos literários e os meros estudantes da mesma.

2.1 A função engajada da Literatura

Quando se pensou em falar em Literatura, a primeira ideia que se fez foi a de formular logo de início dois questionamentos importantes para a compreensão da mesma: o que é Literatura? Para que serve a Literatura?
A busca da verdade, o encontro com a compreensão e o entendimento da ciência, dar-se-á com a curiosidade que se tem acerca de determinado problema que se formula. O conceito e funções da Literatura, baseado no pensamento de alguns autores, já foi bem explorado no item anterior, e com certeza, com isso se terá elementos para uma compreensão da função engajada da Literatura. Sabe-se que “a literatura é a arte da palavra” (MOISÉS, 2001, p. 15); e por se utilizar da língua, passou a ser um instrumento de interação social onde se cumpre uma função muito importante que é a de transmitir todos os conhecimentos culturais de um povo.
Portanto, torna-se compreensível o papel que a Literatura deve ter: um vínculo com o social, ao ponto da mesma se assumir como uma peça de extrema importância para a sociedade. Daí nasceu a necessidade de o escritor fazer com que esse instrumento tivesse o poder de se assumir como crítico, denunciador, transformador de uma realidade, para se tornar de verdade uma Literatura engajada, envolvendo-se totalmente com as causas sociais político-ideológicas.
Por outro lado, acredita-se que a Literatura na sua essência não tenha nenhum compromisso ou obrigação de ser ou deixar de ser algo, de fazer ou deixar de fazer determinada coisa, porém, quem faz com que isso ocorra dessa forma é o pensamento ideológico que o escritor tenha em sua formação de produtor literário.
Segundo Rogel Samuel, no livro Manual de Teoria Literária, é necessário que se tenha muito cuidado quando se usar a expressão “engajada” quando se referir à arte, pois na sua visão, não pode existir arte verdadeira que não seja de algum modo engajada. Afirma ainda o autor que, “a arte tem seu próprio mundo e ilumina o mundo da realidade a partir de uma desrealização, pretendendo ser mais real do que a própria realidade.” (SAMUEL, 1998, p.15).
Ainda sobre esse mesmo assunto, no tocante à função engajada da Literatura, destacou-se aqui um trecho de um livro de Franklin Leopoldo e Silva, Literatura e experiência histórica em Sartre: O engajamento no qual o Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo – USP, baseado na teoria do Filósofo francês, diz que a função social da Literatura deriva de que ela é sempre uma produção histórica, e de que os escritores não detêm o privilégio de uma subjetividade supra-histórica, sendo também eles, histórias individuais, processos existenciais de subjetivação inscritos na contingência. O engajamento é, na sua acepção mais geral, se assim podemos dizer, consequência de que o homem é uma questão para si mesmo, e uma questão, ao mesmo tempo, pessoal, social, metafísica e histórica, que se constrói no entremeio de uma relação em que a subjetividade somente se revela ao objetivar-se revelação que supõe; portanto, um processo em que a subjetividade não se dissolva nas determinações objetivas. Um conhecimento que saiba manter essa tensão dialética é aquele que Sartre designa como o do homem total, que não é uma representação totalizada do homem, mas das múltiplas significações que o totalizariam. “Totalmente engajado e totalmente livre”, por mais difícil que seja essa elaboração de uma representação totalizante feita de oposições e contradições, que devemos considerar sinteticamente, embora sem a pretensão de chegar a uma síntese acabada. E, por isso mesmo, a Literatura não pode ser doutrina, não pode ser exposição de totalidades, sobrevoo universal, tese definitiva sobre a “natureza” humana, nem pode ter qualquer critério-diretor que não seja a responsabilidade do escritor. Este é, na verdade, responsável pelo engajamento e pela Literatura, e cada um deve resolver, como puder, os eventuais conflitos que venham a nascer dessa indissociabilidade.

3 OS GÊNEROS LITERÁRIOS  

3.1 Conceito e classificação

Segundo os autores Wellek e Warren, o gênero literário é uma “instituição”, da mesma forma que a Igreja, a Universidade ou o Estado também o são. Defendem ainda a ideia de que os gêneros literários não existem como os animais, um edifício, uma capela ou uma biblioteca, mas como existe uma instituição de verdade. Afirmar que o gênero literário é uma instituição, deixou subentendido que a Literatura como uma disciplina ou parte integrante das ciências sociais é algo que deve ser tratado com muita seriedade, pois se trata de uma teoria com um princípio de ordem, onde classifica a Literatura e história literária por meio de uma organização ou estrutura especificamente literária.
No Dicionário Aurélio, encontram-se diversos conceitos da palavra gênero de forma mais abrangente e que permitiu se fazer uma associação mais convincente no tocante a “gênero literário” com a visão de outros estudiosos acerca do assunto:

1.Classe cuja expressão se divide em outras classes, as quais, em relação à primeira, são chamadas espécies. 2. Conjunto de espécies que apresentam certo número de caracteres comuns convencionalmente estabelecidos. 3. Qualquer agrupamento de indivíduos, objetos, fatos, ideias, que tenham caracteres comuns; espécie; classe; casta; variedade; ordem; qualidade; tipo. 4. Maneira, modo, estilo. 5. Nas obras de um artista, de uma escola, cada uma das categorias que, por tradição, se definem e classificam segundo o estilo, a natureza ou a técnica...” (HOLANDA,1995, p. 321).

O conceito de gênero literário, segundo Massaud Moisés, deve-se “examinar este aspecto em suas principais minúcias, a começar pela etimologia da palavra gênero: vem do Latim Vulgar: generu, acusativo de generus pelo Latim Clássico genus. E significa “família”, “raça”, agrupamento de indivíduos ou seres portadores de características comuns”. (MOISÉS, 1967, p. 57).
A ideia de Moisés, pelo que se tem percebido, é que, por motivo dos gêneros terem sofrido mudanças através dos tempos, os mesmos não existem e nem têm obrigação de serem leis ou regras pré-estabelecidas para se seguir à risca, mas categorias relativas, onde a sua intenção é funcionar como fonte de orientação, dentro das quais cada escritor se guiará livre, ou seja, à vontade. E ainda acrescenta que os gêneros é que estão a serviço do escritor, não o escritor a serviço deles.
O autor, ainda referindo seu estudo sobre gêneros, faz uma citação dizendo que Herbet Spencer, à luz das teorias evolucionistas, postulava que “os gêneros, como autênticos seres humanos vivos, nascem, crescem e morrem sujeitos às mesmas leis da evolução que regem a existência de todo ser biológico”. (SPENCER apud MOISÉS, 1967, p. 53).
Notou-se que os dois autores citados acima fizeram um confronto de ideias semelhantes, e foram unânimes quando afirmaram seus pensamentos sobre os gêneros: o primeiro fez uma menção dizendo que a questão dos gêneros literários passa por um longo caminho de mudanças históricas e ideológicas, enquanto que o segundo falou dessa mesma transformação; porém, com um detalhe, uma mudança biológica. Na verdade, o que se percebeu é que os autores quiseram passar uma ideia, um pensamento fixo de que os gêneros têm uma grande importância no momento que passam a servir de base para que a expressão do pensamento e de várias formas de ver a realidade ao redor.
Embora Massaud Moisés considere que só existam dois gêneros poéticos: Poesia e Prosa, alguns autores foram muito mais além, e pelo que se observou, os gêneros literários são bastante vastos, e se apresentam, alguns deles, na visão de Macêdo (1979) da seguinte forma:
Satírico – é o gênero que representa a sátira, que é a poesia que tem como finalidade ridicularizar uma pessoa, apontando-lhe os defeitos físicos ou espirituais e podem ser pessoal (quando focaliza uma pessoa), ou impessoal (quando se refere a usos e hábitos de uma época ou de um povo). A sátira é de origem romana e recorre à ironia, à injúria, ao humorismo e à mordacidade. Existe ainda o Epigrama, que é a pequena composição em verso que termina por uma nota mordaz. É uma poesia curta, maliciosa e agressiva.
Didático – consta de versos cujo objetivo é educar. Destina-se ao ensino das Artes e da Ciência. Procura ensinar verdades úteis, coisas aproveitáveis. A Fábula é um exemplo desse gênero, que é a exposição de uma verdade, sob forma alegórica onde o seu objetivo é moralizar costumes, educar, salientar pontos de moralidade. O poema didático é a expressão de uma tese filosófica, moral ou científica, em versos. Há também a epístola, uma carta em verso sobre assuntos literários, filosóficos ou científicos.
Lírico – é a tradução de um sentimento subjetivo, sincero e pessoal. É a linguagem do coração, do amor. O lirismo é assim denominado, porque, em outros tempos, os versos sentimentais eram declamados ao som da lira. O Elegíaco é o que trata de assuntos tristes, ligados à morte de uma pessoa querida. Erótico é o poema versado sobre o amor. Bucólico, quando versa sobre assuntos ligados à natureza do campo.
O Lirismo Elegíaco compreende: a alegria, a nênia, a endecha, o epitáfio, o epicédio.
O Lirismo Erótico compreende: a ode, a lira, a cantata, a canção, o madrigal, a trova, o ditirambo, o epitalâmio, o hino, a balada, o poemeto.
Ode é a poesia sentimental caracterizada pela elevação de pensamento e pelo entusiasmo. Pode ser: Filosófica, quando trata de assuntos de filosofia. Pindárica, quando exalta os feitos de homens notáveis. Anacrônica, quando, sob forma leve, trata de assuntos graciosos.
Lirismo Bucólico compreende o idílio e a égloga.
Idílio é a poesia que versa sobre assuntos campestres sem haver diálogos; vem do Grego e significa: quadrinho.
Égloga é a poesia pastoril dialogada.
Gênero Épico compreende a epopeia, que é um poema longo que exalta os feitos de uma individualidade ou de um povo. É uma narração em que lenda e mito, heróis e deuses se unem em maravilhoso poético.
Gênero Ligeiro consta de pequenas poesias que, sob forma rápida, põem em relevo um pensamento elevado, satírico ou humorístico, e compreende o acróstico, o triolé, a glosa, o soneto.
                       
3.2 Poesia e prosa

Segundo Massaud Moisés (2001), não é de hoje que os críticos e historiadores literários vêm procurando estabelecer distinção entre poesia e a prosa, sem, contudo, alcançar resultados universalmente convincentes. O autor, discorrendo sobre o assunto, esclareceu que na sua visão de crítico literário essa questão de diferenciar poesia e prosa ainda irá se estender por muito tempo em virtude do próprio caráter subjetivo da Arte e, portanto, da crítica de Arte.

A distinção entre poesia e prosa é algo exterior, isto é, formal, e, quem a toma externamente e, obedecendo livremente à impressão de seu ouvido ou de sua vista, qualifica de poesia as turmas de falar de aparência simétrica, e de prosa as de aparência assimétrica, certamente não anda muito desencaminhado. Eu não saberia recomendar hoje em dia um procedimento mais conveniente que este, empregado há milênios. (VOSSLER apud MOISÉS, 2001, p. 76).

Então, o que será poesia e o que será prosa? Acredita-se que depois de bastante leitura e estudo, com acesso a uma exposição de conceitos de renomados críticos literários, conseguiu-se ter elementos não só para o conhecimento da diferença entre poesia e prosa, como também da relação que ambas têm entre si.
Ainda no livro de Massaud Moisés “A criação literária”, ao referir-se sobre Poesia, o mesmo diz que a palavra “poesia vem do Grego: poiesis, de poiein: criar, no sentido de imaginar”. Moisés acrescenta que “Os Latinos chamavam a poesia de oratio vincta: linguagem travada, ligada por regras de versificação, em oposição a oratio prorsa: linguagem direta e livre. Prorsa tornou-se, por metátese, prosa”. (MOISÉS, 2001, p. 16)
Para melhor compreensão acerca do assunto, foi necessário que se fizesse uma distinção entre poesia e poema, embora se tenha que concordar com os teóricos sobre a existência de uma grande dificuldade de se encontrar uma definição por se tratar de algo subjetivo, mas que se busquem conceitos no sentido de melhorar ou facilitar a compreensão das pessoas.

As teses antagônicas chegam a suas versões mais sutis, talvez, nas visões de que a arte é “brincadeira” e de que é “trabalho” (o “ofício” da ficção, a “obra” de arte). Nenhuma visão, isoladamente, pode parecer aceitável. Quando nos dizem que a poesia é “brincadeira”, divertimento espontâneo, sentimos que não se fez justiça nem ao cuidado, à perícia e planejamento do artista nem a seriedade e importância do poema; quando nos dizem, porém, que a poesia é “trabalho” ou “ofício”, sentimos violência feita à sua alegria e ao que Kant chamou de sua “falta de propósito”. Devemos descrever a função da arte de uma maneira que faça justiça simultaneamente ao Dulce a ao utile. (VOSSLER apud MOISÉS, 2001, p. 24).

Percebeu-se que a visão, o conceito e forma de olhar para a poesia foram diversos, e variam de acordo com o pensamento que os teóricos tiveram sobre a mesma. A poesia, portanto, consiste na arte de expressar-se por meio de uma linguagem carregada de significados, enquanto o poema é uma obra escrita em versos.
A poesia seria uma abstração ideal, tendo no poema a sua forma concreta. Para se situar no ramo da Lírica, uma obra utiliza temas relativos ao amor, saudade, morte, solidão, sofrimento etc, uma composição poética onde se nota a exaltação do “eu”. Até então onde se estudou a Teoria da Literatura se percebeu que alguns teóricos ainda não conseguiram determinar os limites que separam a poesia e a prosa, justamente pela dificuldade de identificação dos conceitos entre cadência e ritmo.
Sobre a prosa, encontrou-se uma definição que está relacionada com a expressão artística que se contempla na realização através da mimese aristotélica, geralmente desprovida de associatividade.  O que se percebeu no estudo desse assunto, é que se trata de dois temas polêmicos onde o que vai prevalecer mesmo serão sempre a curiosidade e o estudo aprofundado no sentido de se buscar respostas, com elementos que possam dar sentido e veracidade aos fatos.

3.3 Poesia e a música

Sobre poesia, em capítulo anterior, muito já se explorou no sentido de conceito e função, mas como a proposta aqui é se construir um relato da sua relação com a música, acreditou-se que a forma de analisar uma em detrimento da outra, o foco possa ser bem diferente e, sobretudo, interessante para se chegar às informações que comprovem a relação de ambas.
Portanto, não se pretendeu falar de poesia e música de forma isolada, mas traçou-se um paralelo e se encontrou a relação que ambas têm desde a sua origem. “Pode se pintar uma ideia por meio de sons, todos sabem que isto é praticável na música, e a poesia, sem ser música, é [...] em certa medida uma música; as vogais são espécies de notas”. (GRAMMONT apud CANDIDO, 1996, p.31).
Sabe-se da relação que se dá entre poesia e música não ser novidade do mundo moderno, pois segundo a História já vem desde a Antiguidade. Historiadores narram que na cultura da Grécia Antiga, poesia e música eram praticamente inseparáveis. Nota-se que quando se estuda Literatura tem-se a informação que houve uma época, ou seja, no princípio, a poesia era feita para ser cantada. Se a poesia, segundo a informação acima, era feita para ser cantada, então, percebe-se que a poesia e a música nasceram juntas.  “A música, assim como a entendemos, é um fenômeno específico da civilização ocidental.” (SPENGLER; TOYNBEE, apud WISNIK, 1989, p. 10).
Não foi por acaso que existiram e ainda existem os “poemas líricos”, assim chamados por causa da origem que vem da lira, um instrumento de corda que era tocado para acompanhar os poetas que cantavam os seus versos para a mulher (musa) amada. Encontraram-se ainda relatos que na Idade Média, “trovador” e “menestrel” eram sinônimos de poeta. Porém, com o advento da Idade Moderna, o surgimento da imprensa que triunfou a escrita, surge a idéia de distinção entre poesia e música.
Mas o que se percebeu, mesmo com esses fatores impulsionados pela Idade Moderna, é que a poesia e a música tiveram por muito tempo, caminhado lado a lado, vivendo uma lua de mel de um casamento eterno, até os dias de hoje. O que se falou foi somente uma introdução para se demonstrar como se deu a relação de poesia e música, para que se possa encontrar elementos que justifiquem a união de ambas, presentes na contemporaneidade.
Na história da literatura brasileira, é muito comum e tem sido marcante a relação dos grandes poetas com a Música Popular Brasileira, dos quais se destacaram: Ferreira Gullar, Patativa do Assaré, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Catulo da Paixão Cearense, Vinícius de Moraes e muitos outros de renome que tiveram suas poesias transformadas em músicas que marcaram e ainda hoje enchem a alma do povo brasileiro de encanto, beleza e nostalgia.

A relação mais direta entre poesia e música diz respeito ao caráter rítmico da palavra. São duas artes do tempo, e que têm em comum a dimensão da pulsação. Muitas vezes, a palavra procura ritmos recorrentes, que são musicais. A potencialidade musical da palavra, que está no ritmo, vem à tona com a poesia. Por outro lado, a fala possui melodia sugerida. Na verdade, há uma zona comum, misteriosa, onde as coisas se dizem verbalmente, e, ao mesmo tempo, de maneira não verbal. Tal confluência entre o verbal e o não verbal, entre a música e a poesia, dá-se, justamente, na canção. A poesia possui fundamento musical. É a palavra em estado de música. No Brasil, a canção é muito forte culturalmente. Existe vocação, no país, para a palavra cantada. (WISNIK, 2005, p 47).

A terra do poeta e compositor João do Vale, a cidade de Pedreiras, localizada no Estado do Maranhão, a 272 quiilômetros da Capital São Luís, berço de grandes poetas, pode ser uma prova da relação que existe entre a Poesia e a Música; pois é bastante notória a presença de poetas que tiveram as suas poesias transformadas em músicas, e cujos nomes e obras se podem citar:

Paul Getty Sousa Nascimento, empresário, poeta, escritor, compositor, produtor cultural, membro da Academia Pedreirense de Letras, cujo patrono é o seu tio Josenil Bezerra Nascimento, cadeira nº. 36.
Paul Getty é autor de várias músicas que foram gravadas por grandes cantores do Maranhão é um dos poetas de Pedreiras que já teve suas poesias transformadas em música.
Destacou-se a letra de uma marchinha de carnaval que o poeta fez para homenagear uma personalidade ilustre da sua cidade, a saudosa Nair Maranhão. O título é “Um bloco que é só meu”, letra de Paul Getty, música de Zé Lopes, que foi tão bem interpretada por Manoel Baião de Dois, cantor e que reside em São Luís do Maranhão:

Um bloco que é só meu
(Paul Getty e Zé Lopes)

Nair Maranhão, Nair Maranhão
Tua folia, tua alegria
Levo guardadas no meu coração.

Oh Durval, oh Durval
Quanta saudade do teu carnaval.

Dos Bailes de fantasias
Do Rotary e da União
No Lítero na Noite no Havaí
Eu conquistei teu coração.

Pierrôs e columbinas
Sassaricavam no salão
Entre confetes e serpentinas
Uma menina
Relevou a paixão.

Treme no Treme-Treme
Estava Solibrante
Meu coração fez Tric-Tric
Fui preso por Corsários
Cabrante me envolveu
Fiz de nós dois um bloco
Que é só meu.

Pedreiras, minha terra,
Minha casa, meu chão
O improviso do meu canto é assim
Pra enfeitar o teu coração. (NASCIMENTO, 2009)

A marchinha acima, do poeta Paul Getty foi um grande sucesso do carnaval de 2009 e 2010; foi gravada num CD produzido pelo próprio poeta, com o nome de “Marchinhas do PêGê”, muito bem divulgado em todo o Estado do Maranhão, com destaque às cidades de Pedreiras, sua terra natal, e São Luís do Maranhão, onde reside hoje.

Samuel de Barrêto, acadêmico do curso de Letras da Faculdade de Educação São Francisco, poeta, cronista, radialista, compositor, produtor cultural, membro da Academia Pedreirense de Letras, cadeira nº. 08, cujo patrono é o poeta Corrêa de Araújo, também é um dos poetas de Pedreiras que têm se destacado com as suas poesias transformadas em músicas, graças a vários parceiros que já musicaram os seus trabalhos literários. O poema “O Rio” de Samuel Barrêto que se tornou uma bela música na parceria do cantor Neto Kawako’s e que fora gravada com um show de interpretação na voz de Sabrina Jansen, que também pode ser citada como um exemplo dessa relação que a poesia tem com a música.
A música de Samuel Barrêto “O Rio” se encontra gravada no CD “É Diouro a terra de João, um trabalho que teve a sua luta como batalhador incansável e que teve sua contribuição como um dos produtores do CD. A música “O Rio” pode ser conferida na 6ª faixa.

O Rio
(Samuel Barrêto e Neto Kawako’s)

Na minha saudade passa um rio
Que vai descendo no seu trecho
Com barrancas e barcaças.
E vai indo fio a fio,
Na minha saudade passa um rio
E em cada curva uma paisagem

Uma imagem, um desafio
E a cada dia uma lenda,
Na minha tenda.
Na minha saudade passa um rio.
E vai tão longe, diferente,
Sempre ardente.
Na minha meiga-saudade nasce um rio. (BARRÊTO, 1998).

Edivaldo Sousa dos Santos é outro poeta de Pedreiras que também tem-se destacado nessa questão. Integrante da Associção dos Poetas e Escritores de Pedreiras, membro-fundador da Academia Pedreirense de Letras. Advogado, formado pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Atualmente, além de um exímio profissional do Direito há bastante tempo, também tem sido destaque no mundo literário como um dos grandes poetas, declamadores e escritores do Estado do Maranhão.
Edivaldo Santos, que tem como patrono Antenor Amaral, na cadeira nº 01 da Academia Pedreirense de Letras, é daqueles poetas que conservam e primam pela estética, a forma e o conteúdo no seu jeito de fazer poesia. Quando faz poema, dá-lhe a roupagem da poesia, maestria, atributos que já o consagraram como um poeta autêntico e verdadeiro nessa terra de João.
Destacou-se aqui uma das composições do poeta Edivaldo Santos, “Do coração do poeta”, que foi musicada pelo cantor pedreirense, Josivan Pereira, gravada em CD voz e violão do próprio cantor, com o título de “Sedutora majestade”, no ano de 2006.

Do coração do poeta
(Edivaldo Santos e Josivan Pereira)

Sedutora majestade
De uma beleza completa,
Tu és a outra metade
Do coração do poeta!
Mãe gentil, de amor tão puro,
De trajetória discreta.
Ancoradouro seguro
Da embarcação do poeta!
De lendas e cantilenas
Guardiã firme e dileta.
És vida, luz e Mecenas
Da inspiração do poeta!
Incansável protetora
Dos que buscam sua meta,
És a musa inspiradora
Das emoções do poeta! (SANTOS, 2008, p.11).
                         
Muito se poderia explorar sobre essa questão, da relação que existe entre Poesia e Música, porém a demonstração que se fez, colocando como exemplo a produção literária dos poetas e músicos de Pedreiras, foi somente para mostrar que uma relação que já vem desde os primórdios ainda é bastante forte e presente nos nossos dias, e inclusive na terra de João do Vale.

4 A ANÁLISE LITERÁRIA

4.1 O conceito e a prática da análise literária

Sobre esse assunto em que se abordou na visão de teóricos que tratam sobre tal tema, o conceito e a prática da análise literária, pretendeu-se deixar bem claro que aqui se fez uma abordagem geral e se deu enfoque à poesia e à prosa.
A escritora Cândida Vilares Gancho (2006, p. 45) tem um conceito bem simples sobre análise literária, no qual ela diz que: “analisar é separar as partes, compará-las e tirar conclusões lógicas, coerentes com o texto”.
Os vários dias que se teve de estudo e dedicação nesse tratado, permitiram que se descobrisse que atualmente a prática da análise literária tem sido uma disciplina auxiliadora da Teoria da Literatura no curso de Letras onde o seu objetivo é mostrar ao acadêmico como se deve proceder diante de uma análise, interpretação ou avaliação de um texto literário, observando-se os vários aspectos que envolvem o assunto como: social, cultural, psicológico, biográfico, político, religioso e filosófico.

Interpretar significa reproduzir e determinar com penetração compreensiva e linguagem adequada a matéria, a estrutura íntima, as normas estruturais peculiares, segundo as quais uma obra literária se processa, se divide e se constitui de novo como unidade. (STAIGER apud CANDIDO, 1996, p.17).

Quando Candido (1996) cita Staiger sobre essa questão da interpretação, percebe-se que realmente, quando se analisa um texto, um poema ou uma obra se faz uma reprodução, ou seja, extrai-se daí elementos, fatos novos que no momento estão somente contidos na visão e na análise do crítico literário e que depois se revelam aos leitores.
Mas para se ter a capacidade de uma ação analítica de um determinado texto, faz-se mais que necessário, em primeiro lugar, a forma como se lê, como se aborda e penetra no mundo da leitura; pois de nada vai adiantar se debruçar sobre montanhas de livros sem que se tenha uma reflexão crítica acerca do que se está lendo.
Constatou-se que a visão que os críticos têm sobre a análise literária e da forma que a conceituam são diversas. Para o Professor Massaud Moisés (2008), o núcleo da atenção do analista sempre reside no texto. Em suma: o texto é ponto de partida e ponto de chegada da análise literária.
Herbert Palhano (1961) diz que a análise literária não deve ser feita com a redução do texto, pois dessa forma não se poderá ir até a essência e nem se conseguirá uma explicação, embora essa análise seja apenas um estudo sobre a biografia do autor. O escritor pensa que se deve ir mais além, abrindo caminho para a crítica, para a história, que investigará sobre o autor e os antecedentes da obra, e para a Teoria da Literatura, que extrairá da obra os princípios suscetíveis de formulação estética.
Compreendeu-se que Palhano pensa que uma análise literária jamais deverá ficar somente no campo da biografia do autor, pois o fator mais importante na análise será sempre a de mergulhar na obra do escritor e descobrir os mínimos detalhes que até então só o crítico será capaz de trazer à luz da compreensão e do entendimento.
Sobre os aspectos que podem ser analisados numa obra literária, Candido (1996) e Gancho (2006) deram suas contribuições nas publicações de livros, sendo o primeiro no tocante à poesia e a segunda sobre a prosa, e que muito contribuíram para se fazer uma pesquisa sobre a análise literária, um tema muito vasto e complexo de ser abordado.
Candido (1996) diz que todo estudo real da poesia pressupõe a interpretação, que pode inclusive ser feita diretamente, sem recurso ao comentário, que forma a maior parte da análise. A análise como comentário é um preâmbulo, e para o professor de Literatura e de Língua se torna parte indispensável.
O que se compreendeu sobre essa afirmação de Candido é que analisar é comentar, e que o comentário é indispensável para o esclarecimento, objetivo dos elementos prioritários à compreensão adequada da poesia.
Quem se propõe a comentar um texto, deve experimentar previamente todo o contexto, ou seja, tudo que está em volta da obra comentada, para depois partir para o trabalho de análise.
Sobre os aspectos de comentário e interpretação literária, o autor ainda cita a tradução de sentido e outro que é a tradução do seu conteúdo humano, da mensagem através da qual um escritor se expressa, exprimindo uma visão do mundo e do homem. E conclui dizendo que a expressão é o aspecto fundamental da Arte e, portanto da literatura.
Por ser a poesia uma produção de texto carregada de significação e subjetividade, a análise literária dar-se-á no campo da extração de essência de conteúdo.
No campo da prosa, a análise literária, na visão da autora Gancho (2006), para quem quer ter uma noção de tal ofício, deve conhecer os aspectos que são importantes para a compreensão na hora de uma análise como os elementos da narrativa: enredo, personagens, tempo, espaço e narrador.
Ao se fazer análise literária, é importante que o analisador tenha o conhecimento do gênero narrativo, que segundo a definição clássica de Aristóteles, filósofo da Grécia Antiga, os gêneros literários podem ser identificados segundo a forma e o conteúdo.
Portanto, a análise literária é de fundamental importância, pois é uma grande contribuição que os críticos dão à Literatura pela razão de dar às obras dos escritores uma nova roupagem literária, outro olhar e a descoberta de fatores que não estão implícitos no texto. Tanto para a obra como para o autor, a prática da análise terá a função de redescobrir o valor literário e cultural através das letras.
A prática da análise literária será sempre algo que estará em evidência, pois se sabe que o exercício da análise é algo que jamais se esgotará dentro da Literatura e no mundo da Crítica.

4.2 A análise do texto poético

Pretendeu-se nesse item, no qual a temática é a análise do texto poético, fazer uma referência mais específica sobre a questão da poética no campo da poesia, por se tratar de uma área da Literatura onde há a presença da subjetividade, da emoção e de vários fatores significativos que fazem desse texto poético ser motivo de estudo e análise de muitos críticos e teóricos.
Por esse trabalho de análise se tratar de obras de um poeta-compositor, em capítulos anteriores já se falou e se deu destaque à poesia, onde se fez relação da mesma com a prosa e a música para que uma vez que se fosse falar da importância da sua análise se compreendesse o porquê e para que se deva analisar a poesia.
Portanto, ficou bem claro que nesse item, de forma específica se deu mais ênfase à poesia onde se mostrou as questões no campo da subjetividade e conteúdo, embora a forma também seja uma das características que nela exista, pois não há poesia sem forma.
Antonio Candido diz que num trabalho de análise não se deve limitar somente a fazer uma análise-comentário. É preciso deixar bem claro que isto é só uma etapa, e dependendo do tipo de poesia, isso já basta. Mas de qualquer modo, o comentário, quando feito, deve ser coroado pela interpretação. (CANDIDO, 1996, p. 14).
O que o autor se referiu acima foi justamente o que se procurou realizar com esse trabalho, nas composições de João do Vale aqui analisadas, teve-se a preocupação de destacar as questões sociais, psicológicas, biográficas, políticas, culturais, religiosas e filosóficas, com enfoque, sobretudo, no conteúdo.

5 O HOMEM E O POETA JOÃO DO VALE

5.1 Dados biográficos

Pedreiras, denominada pelos poetas, artistas e saudositas como a “Princesa do Mearim”, que no passado foi uma das maiores produtoras de arroz do Brasil, cidade cujo povo é bastante religioso, ordeiro e hospitaleiro, que tem como santo padroeiro, São Benedito. Terra de poetas mil, no dia 11 de outubro de 1933 viu nascer no povoado Lago da Onça, distante a seis quilômetros da cidade de Pedreiras, o seu filho mais ilustre, João Batista Vale, que depois veio a se consagrar e ficar eternizado na memória do povo, simplesmente como João do Vale.

O Brasil viu teus compositores,
E cantou com o humilde João,
Que lançou, deste Vale pro mundo
Mais respeito pelo Maranhão. (LOBATO apud  KRAUSE, 2010).

Segundo o poeta e historiador pedreirense Filemon Krause, o povoado Lago da Onça é o local exato do nascimento de João do Vale, e está fixado em férteis terras da Saudade, onde se localizavam as extintas fazendas de escravos de propriedade do Coronel Raymundo Ferreira Vale e do Alferes Ricardo Ferreira Vale. (KRAUSE, 2008, p.9).
João do Vale é o quinto filho do casal de camponeses Cirilo e Leovegilda. Sempre viveram com dificuldades, realizando trabalhos duros, braçais e na arte da colheita dos produtos que cultivavam na roça, de costumes, em terrenos alheios. Foi uma época muito difícil para o casal e toda a sua família.
Viviam de favores nas fazendas de coronéis. Ninguém se importava com eles ou falava a seu favor. Cabia-lhes somente a única responsabilidade de criar e educar os cinco filhos – Aurélio, Antonio, Cleide, Miguel e João. Nesse período, um déspota representava o sistema coronelista a serviço do Governo que, com mão-de-ferro existia para reprimir, manipular e escravizar o homem do campo. Sobre coronelismo, o historiador João Paulo Mestieri escreveu:

O coronelismo é a manifestação do poder privado - dos senhores de terra - que coexiste com um regime político de extensa base representativa. Refere-se basicamente a estrutura agrária que fornecia as bases de sustentação do poder privado no interior do Brasil, um país essencialmente agrícola. Definido como um compromisso, uma troca de proveitos entre o Poder Público, progressivamente fortalecido, e a decadente influencia social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras. A força dos coronéis provinha dos serviços que prestavam ao chefe do Executivo, para preparar seu sucessor nas eleições, e aos membros do Legislativo, fornecendo-lhes votos e assim ensejando sua permanecia em novos pleitos, o que tornava fictícia a representação popular, em virtude do voto "manipulado”. Esses grandes fazendeiros eram chamados de coronéis e seu sistema de dominação, o coronelismo, cujo papel principal cabia aos coronéis. Os coronéis acabaram assumindo um grande poder. O coronel era, sobretudo, uma figura local, exercendo influencia nas cidades menores, mais afastadas e suas imediações. (MESTIERI, 2009).

O casal Cirilo e Leovegilda, na esperança de encontrar dias melhores na vida, para si e seus filhos, resolve abandonar a vida do interior e se mudar para Pedreiras, e ao chegar à cidade vai morar na Rua da Golada, situada à margem direita do Rio Mearim, com vista para a Tresidela que nessa época ainda era um bairro de Pedreiras.
Enquanto isso, o menino João crescia livre, solto, correndo, brincando e dando os seus mergulhos com o seu corpo franzino nas águas barrentas do Rio Mearim. Muito cedo, ainda menino, João começou a perceber que a vida não era tão fácil assim: carregava água do rio para o consumo e as necessidades de higiene da família, pois naquela época ainda não existia uma política de sistema de abastecimento de água para os pedreirenses.
Contam os mais antigos, em rodas de conversas, que João do Vale quando menino tinha as pernas cambotas, e por isso recebeu o apelido de “Pé de Xote”; também era gago. Por um bom período, o menino João foi morar com uma senhora, amiga de sua mãe Leovegilda, de nome Maria da Conceição Pereira, após o falecimento desta, a família o recebeu de volta. A história narra que o contato de João do Vale com a escola não foi muito feliz para o pobre e negro menino.
Quando estava cursando o terceiro ano primário em uma das Unidades de Ensino de Pedreiras, foi obrigado por atitudes racistas a dar a sua vaga para um filho de um coletor que tinha acabado de chegar à cidade de Pedreiras.        A história de João do Vale tem o seu percurso mudado no instante em que acontece esse maldito e maléfico acontecimento vergonhoso, o de ser tirado à força de sala de aula, sem respeito ao ser humano e sem nenhuma justificativa, uma criança carente e indefesa, pelo simples direito de estudar.
Compara-se tal tragédia com a mesma truculência e maldade que os políticos de Pedreiras, anos atrás, cometeram ao mudarem por conta própria o percurso do Rio Mearim. Se ao rio, esses senhores “poderosos” causaram um crime ambiental a ponto de calejarem em parte a nossa fonte de vida, em João do Vale, as consequências foram maiores: moral e psicológica que o traumatizaram até o seu último dia de vida.
A Constituição Federal de 1934 que foi promulgada um ano depois do nascimento de João do Vale, no capítulo I que fala dos direitos e deveres individuais e coletivos já rezava que todos deveriam ser tratados de forma igual, pois ninguém deveria receber tratamento diferenciado, ter privilégios ou sofrer perseguição devido a sua classe social, conforme se transcreve a seguir: “Todos são iguais perante a Lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas.” (BRASIL, 2007, p. 15).
Sobre esse acontecimento, o próprio João dá o seu depoimento de desabafo, que se encontra no livro “Pisa na fulô, mas não maltrata o carcará”, de autoria de Márcio Paschoal:

Na época em que eu cursava o primário, foi nomeado um coletor novo para Pedreiras. Ele levou um filho em idade escolar. Na escola tinha uns trezentos meninos alunos, mas escolheram logo eu para dar lugar ao filho do homem. E eu senti, é claro! Resolvi nunca mais ir estudar. Não tinha porquê. Então, de manhã, eu pegava o meu saco de merenda e enchia de pedras, ia para cima do muro do colégio e na hora do recreio mandava pedra em todo mundo, por estar com inveja, por não concordar com aquela injustiça. Tinha dia que botavam um inspetor lá, mas eu dava a volta e na hora do recreio mandava pedra. Daí, todo mundo comentava: ‘Esse menino não dá pra nada na vida.’ Hoje eles botam rua com meu nome, me homenageiam, só para desmanchar o que fizeram... Mas nem Deus querendo eu esqueço. (VALE apud PASCHOAL, 2000, p. 20-21).

João tinha um irmão de nome Aurélio que já vivia bastante tempo em São Luís, era o mais velho da família, e na época era terceiro sargento da polícia militar. Aurélio resolveu então levar para a Capital seus pais e seus irmãos, e lá vai João do Vale morar em São Luís onde foi vendedor de frutas na feira da Praia Grande, sem esquecer-se de relatar a experiência anterior que o mesmo já tinha como vendedor de pirulito, arroz doce e mugunzá na cidade de Pedreiras. O talento e o gosto pela música já haviam se manifestado no menino, influência que tivera, ouvindo o pai cantar cantigas religiosas e africanas quando estavam na roça cuidando do plantio. Quando percebeu que tinha queda para a música, o menino largou tudo e resolveu fugir de casa e se lançar no mundo em busca do seu sonho; e foi com a ajuda de uma companhia de circo que fugiu de São Luís para Teresina. Em Teresina foi ser ajudante de caminhão, rodando para Fortaleza, conforme se lê no livro de Marcio Paschoal: “Aí, de Fortaleza, eu escrevi uma carta para meu pai. Perdão, pai, por ter fugido de casa. Não tinha outro jeito, pai. Pedreiras não dá pra gente viver feliz. Não quero mais ficar vendendo banana, vendendo pirulito em São Luís. (VALE apud PASCHOAL, 2000, p. 23).
Depois de Fortaleza, o seu próximo passo foi Salvador onde foi ser ajudante de pedreiro por uma temporada. Dizia que seu avô certa vez leu a sua mão e lhe disse que um dia iria ser muito rico, e acreditando nesse sonho utópico rumou para Minas Gerais; foi ser garimpeiro na cidade de Teófilo Otoni onde só teve desilusão de encontrar ouro ou diamante. “O que eu encontrei foi só formigueiro”, (VALE apud SILVA, 1980).
Planeja sair do garimpo, mas teria que sair escondido para não passar a ideia aos companheiros que pudesse estar levando dinheiro e ser morto por bandidos, pois é só o que ocorre em garimpo. Então, pensa numa estratégia genial: sair do garimpo escondido na boléia de um caminhão rumo ao Rio de Janeiro. Em dezembro de 1950 realiza o seu sonho: pisa pela primeira vez no Rio de Janeiro e consegue emprego de ajudante de pedreiro, onde trabalha e dorme no canteiro de obras. Mas é nas andanças noturnas, nas farras de bares, botecos, casas de show, espetáculos e rádios que João do Vale começa a fazer contato com os artistas de nome daquela época e aproveita para mostrar as suas letras.
Numa dessas andanças noturnas encontra Tom Jobim, com quem toma porres e depois se torna amigo. Segundo Paschoal (2000), Tom Jobim declarou em entrevista que “João do vale foi um dos compositores mais fortes e autênticos que nós já tivemos”. Nesse tempo não havia praticamente a televisão. Só existia o rádio como o maior meio de comunicação de massa. Ter uma música tocada num programa de rádio naquela época era a consagração para qualquer compositor. E era justamente isso que João do Vale queria. Nada mais.
Quando a sua primeira música foi gravada e reconhecida como composição de qualidade, João do Vale passa a receber direitos autorais, e com isso, começa a demarcar o seu espaço no mundo da música. Aos poucos vai conhecendo grandes figurões da MPB (destaque para Luiz Vieira, Luiz Gonzaga, Tom Jobim, Chico Buarque de Holanda, Elba Ramalho e outros), fazendo parte do dia-a-dia e da vida desses artistas.

Camarada João, poeta e cantador, mestre da simplicidade e pureza, alma generosa que hoje voa em sagrados planos astrais, livre na imensidão. Um dos maiores compositores nordestinos de todos os tempos. Um amigo querido e cúmplice desde todo o tempo que nasci na música popular. A bênção.” (RAMALHO apud PASCHOAL, 2000, p. 219).                                        

Também teve uma experiência no cinema, atuando como figurante, assistente de direção e até compondo músicas para diversos filmes. No ano de 1959, João do Vale se casa com Dona Domingas Rodrigues, uma mulher bonita, viúva e que tinha três filhos: Raimundo Nonato Rodrigues Chagas, Fernando Castelo Rodrigues Chagas e Iara Alexandrina Rodrigues Chagas. Além desses três filhos, Dona Domingas Rodrigues ainda teve com João do Vale mais quatro: Paulo Roberto Riva Rodrigues do Vale, Luiz Neiva Rodrigues do Vale, Lúcia Cleide Rodrigues do Vale e João Aurélio Rodrigues do Vale.
João do Vale teve uma vida marcada de sofrimento e glória. Quando menino, ainda na cidade de Pedreiras, sofreu e sentiu na pele o peso da discriminação por ser negro e pobre; na fama e na glória não fugiu às suas origens e provou com as suas obras voltadas para a poesia engajada com as causas sociais. Rodou o mundo cantando suas músicas, mas sempre que tinha um tempinho vinha a Pedreiras visitar seus familiares e amigos.
A sua música “Carcará”, quando foi apresentada no Show Opinião, fez tanto sucesso que passou a ser o hino dos estudantes, sendo motivo para João do Vale receber da Universidade de São Paulo, o título de Poeta do Povo. Foi reconhecido e condecorado no Governo Federal do amigo José Sarney; gravou discos; participou de festivais, sendo que o que marcou foi o “Show Opinião” onde sua música Carcará surgiu para o mundo; ganhou prêmios e mais prêmios; fez composições inesquecíveis; cantou para São Benedito, seu Padroeiro e também para sua cidade Pedreiras.

Pisa na fulô, pisa na fulô
Pisa na fulô
Não maltrata o meu amor
                                           Um dia desses
                                           Fui dançar lá em Pedreiras
Na rua da Golada
Eu gostei da brincadeira
Zé Cachangá era o tocador
Mas só tocava
Pisa na fulô
Pisa na fulô, pisa na fulô...
Seu Serafim cochichava com Dió
Sou capaz de jurar
Que nunca vi forró mió
Inté vovó
Garrou na mão do vovô
vamos embora meu veinho
Pisa na fulô
Pisa na fulô, pisa na fulô...
Eu vi menina que tinha doze anos
Agarrar seu par
E também sair dançando
Satisfeita, dizendo
"Meu amor, ai como
É gostoso pisa na fulô"
Pisa na fulô, pisa na fulô...
De magrugada Zeca Cachangá
Disse ao dono da casa
"Não precisa me pagar
Mas por favor
Arranja outro tocador
Que eu também quero
Pisa na fulô"
Pisa na fulô, pisa na fulô...
Eu vi menina que tinha doze anos... (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 37-38).

Depois de ter sofrido vários AVCs e ficar com sequelas, João do Vale falece em São Luís do Maranhão, em 06 de dezembro de 1996. O corpo de João do Vale foi trazido para Pedreiras, velado no Auditório que tem o seu nome, e no dia 08 de dezembro de 1996 foi sepultado no cemitério Alto São José, atendendo a um pedido e um grande desejo: “Quando eu morrer, nem que seja na China, mas quero ser enterrado em Pedreiras”.
Em abril de 2001, através de um plebiscito realizado em todo Estado do Maranhão, o compositor João do Vale foi eleito o Maranhense do Século XX.  Segundo o jornal O Estado do Maranhão, numa reportagem especial de retrospectiva, de 31 de dezembro de 2001, João do Vale recebeu 61 mil (40,3%) do total de votos dados aos 10 concorrentes.
João do Vale se foi, mas o seu perfume ficou boiando no ar.

5.2 As tendências contemporâneas na Literatura e a obra de João do Vale

O compositor João do Vale nasceu no ano de 1933, conforme informações fidedignas de familiares e amigos, embora alguns historiadores tenham escrito no ano de 1934, ou seja, uma década após a Semana de Arte Moderna que aconteceu no Brasil, em 1922, fato que se tornou um grande marco da história da literatura no Brasil, e delimitou um ponto para o início de uma nova forma de se fazer, questionar e sugerir literatura em terras brasileiras.
E João do Vale vem ao mundo no momento em que se vivia na literatura brasileira a segunda fase do modernismo que compreende o período de 1930 a 1945, onde se encontra o registro de alguns dos nomes mais significativos como Murilo Mendes, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Vinícius de Moraes.
Segundo alguns autores e estudiosos da literatura brasileira, a poesia só ganhou o seu espaço a partir de 1945 com o surgimento de uma geração de poetas que se posicionaram contra às conquistas e inovações dos modernistas de 1922.  Essa geração de escritores não concordou com a liberdade formal, as ironias, as sátiras e outras características que os poetas modernistas utilizavam em suas poesias.
A Geração de 45 era formada, entre outros poetas, por Lêdo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Geir Campos e Darcy Damasceno. Embora tenha surgido no final dos anos 40, o poeta João Cabral de Melo Neto, um dos mais importantes poetas da nossa Literatura, foi um escritor não igualado esteticamente a nenhum grupo. Ainda se destacam contemporâneos a esse período Ferreira Gullar e Mauro Mota
Muitos nomes da poesia nacional se destacaram entre o período de nascimento de João do Vale até os seus dias de glória como um dos grandes compositores da Música Popular Brasileira, tais fatos foram mostrados somente para se ter uma idéia do que aconteceu um pouco antes do nascimento de João do Vale para se poder fazer uma viagem até os seus dias, ou seja, até chegar às obras e aos nomes dos autores contemporâneos do poeta.
Portanto, o que se pode perceber de acordo com os fatos históricos e as grandes mudanças que tinham acontecido e que ainda estavam por acontecer na Literatura, é que tudo isso iria traçar um estilo e um caminho que o poeta João do Vale teria que seguir, ou seja, uma música revolucionária com a presença de fatores marcantes que pudessem ter todas as características da poesia de uma arte moderna. Não é por acaso que se encontra na poesia de João do Vale a presença de uma literatura de denúncia das condições humanas, verso livre, nacionalismo crítico, ironia, letras com a presença da piada e da ambiguidade, liberdade de criação, irreverência, linguagem coloquial, regionalismo e muitas outras características que marcaram a obra desse compositor.
Para se traçar um perfil de uma tendência contemporânea da obra de João do Vale, acredita-se que seja de suma importância o acompanhamento desde a sua manifestação como compositor, as suas influências, até se chegar ao período em que a sua obra tivera um reconhecimento por parte do seu público e da crítica. Sabe-se que o compositor marcou a sua história na Música Popular Brasileira no ano de 1964 quando da realização do Show Opinião, fato esse que o fez ser conhecido em todo Brasil graças à música Carcará, interpretada pela cantora baiana Maria Bethânia. Já se falou que esse período fora marcado pela tomada do Poder pelos militares, implantando no país uma ditadura de perseguição, tortura, exílio e morte a todos que contrariassem o regime ditatorial que cerceava a liberdade de expressão do povo brasileiro.
É justamente a partir dos anos 60 e 70 que se pode compreender a literatura brasileira como uma produção contemporânea, pois foram as produções dessas duas décadas que incitaram a reflexão de um momento histórico, caracterizado inicialmente pelo autoritarismo, sendo o seu momento mais crítico os anos de 1968 a 1978, quando foi instalado o Ato Institucional nº 5 (AI-5). Quem na época pensou que com isso o país deixaria de fazer as suas manifestações culturais através da poesia e de diversas formas de artes, enganou-se, pois foi a época em que mais se viu uma produção cultural muito intensa em todos os setores da sociedade. Com isso, percebe-se o grande bem que esse momento trouxe para a Literatura, surgiram a preocupação e o grande interesse dos poetas em criarem uma nova temática voltada para o social, com uma poesia engajada e voltada para os problemas que afligiam o povo brasileiro. E mais uma vez os destaques ficam para os poetas consagrados como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar.
O que se percebeu é que para se debruçar sobre esse assunto em que se pretende falar e contextualizar a obra de João do Vale numa visão contemporânea ou pós-modernista, no sentido de qual tempo da Literatura enquadrá-la, faz-se necessário um estudo para se ter informações do que foi produzido e quais obras e autores do seu tempo, principalmente no período em que o compositor mais se destacou no cenário nacional.
A questão da conceituação de pós-modernismo, já em si, é bastante problemática, uma vez que se trata de um fenômeno fundamentalmente heterogêneo, que não pode jamais definir-se como algo coeso ou unânime. (COUTINHO, 1997, p. 236).
Segundo Coutinho (1997), não há apenas um pós-modernismo, mas vários, e cada uma dessas construções foi cunhada num contexto distinto para servir a fins diferentes. Percebeu-se que essa afirmação de Coutinho é muito importante, pois é através dela que se pode ter uma grande preocupação, um alerta de não se fazer um estudo ou análise com o risco de se rotular os autores dentro de uma mesma visão de pensamento e literária.
Para tanto, foi com essa preocupação que no seu livro o autor destacou duas décadas, as de 80 e 90, onde mostra os escritores de maior atividade nesse período: poetas veteranos pós-modernistas, poetas novos com ligação com as vanguardas e ainda cita a poesia alternativa dos anos 80. Preocupou-se em fazer um lembrete: o detalhe de algum desses poetas já terem falecido, pois o autor publicou o seu livro “A literatura no Brasil”, no ano de 1997, não é o propósito aqui, de se fazer um estudo biográfico da vida particular de cada um desses poetas, mas compará-los dentro do contexto histórico como contemporâneos do compositor João do Vale.
Percebe-se que sobre a literatura desse período, houve a preocupação apenas em dar destaque à poesia, e não às outras literaturas, justamente pelo fato que a obra em estudo e análise nesse trabalho ser a poesia de João do Vale, o poeta do povo. Em se tratando dos poetas que marcaram esse período, ou seja, a nova literatura como conceitua Coutinho, aparecem os vanguardistas com as suas respectivas obras publicadas: Augusto de Campos (Poesia, 1979), Haroldo de Campos (Xadrez de estrelas, 1976), Décio Pignatari (Poesia pois é poesia, 1977), Vlademir Dias Pino (Catálogo, 1982), Mário Chamié (Objeto selvagem, 1977), José Alcides Pinto (Antologia poética, 1984) e Ferreira Gullar (Toda poesia, 1980).

5.3 João do Vale e a música popular brasileira

João do Vale nasceu e trouxe consigo, encravado na alma, o dom da poesia. Quando chegou ao mundo, já veio poeta pronto. Sabe-se que alguns escritores defendem a ideia do teórico que escreveu a teoria de que nenhum homem nasce pronto, o meio social é quem o prepara, lapida-o e determina seu caráter e sua personalidade.
 “O indivíduo não nasce pronto nem é cópia do ambiente externo. Em sua evolução intelectual há uma interação constante e ininterrupta entre processos internos e influências do mundo social”. (VYGOSKY apud TESSARI, 2010).      
Pensa-se que, levando em consideração à figura de João, houve uma exceção que contrariou o pensamento desses teóricos. Porém, acredita-se que o meio e os diversos fatores sociais que permearam a vida do poeta muito contribuíram para o direcionamento que o compositor deu para suas canções.
“O ser humano ainda não sabe a que veio; o rato sabe; a barata sabe; o leão sabe; o veado sabe; o ser humano não sabe ainda. Mas existem algumas pessoas que sabem; João do Vale foi uma das que souberam”... (MARAVILHA apud PASCHOAL, 2000, p. 175).
Tem-se a informação do seu primeiro contato com a música quando ainda criança, no povoado Lago da Onça, ao ouvir o seu pai e seu avô nos trabalhos de roça a cantarolar cantigas religiosas, africanas e outras modinhas que eram conhecidas naquele tempo. Indubitavelmente, esse fato foi à premissa para que o menino João despertasse em si o talento que trazia desde o seu nascimento, que era o de um dia se tornar um eminente compositor da nossa música popular brasileira.
Quando morava em São Luís e resolveu fugir de casa, não foi à toa que agiu dessa forma. Nada houve de desentendimento com a família ou com alguém da sua cidade, mas o intuito era de realizar em terras longínquas o grande sonho da sua vida: tornar-se um renomado compositor. Via no Rio de Janeiro o lugar ideal para a realização do seu grande desejo, pois aquela cidade, palco de grandes estrelas da música, representava o centro de referência da efervescência cultural do país.
A relação de João do Vale com a música foi manifestada também quando vendia doces e pirulitos, pois criava seus versos para anunciar aos seus clientes o seu produto: “Pirulito, pirulito / enrolado no palito./ Papai, eu choro, / Mamãe, eu grito / me dê um tostão / pra comprar pirulito”. Ainda menino foi “amo de boi”, compôs toada e brincou nos bois Estrela Miúda, Estrela d’Alva e muitos outros da época.
Outro fator social que fez João do Vale ter contato com a Música Popular Brasileira e ter aprendido muito, foram as inúmeras viagens que realizou de caminhão e trem por diversas cidades do Brasil, onde teve a oportunidade de presenciar os costumes, os lugares, a pobreza, a vida difícil das pessoas e a diversidade de cultura que existe nessa nação.
Essas viagens foram uma escola, uma oficina de aprendizagem de sons e costumes dos lugares por onde passou e teve contato com o povo e sua realidade. E foi justamente nessas andanças que descobriu a música de Luiz Gonzaga, seu ídolo maior da música nordestina. Em 1951, João já estava no Rio de Janeiro, e o contato marcante dele com a música popular brasileira vai se iniciar agora, pois depois de muita insistência e de suas andanças noturnas; passando por diversas vezes nas rádios do Rio de Janeiro, tem a sua primeira oportunidade como compositor: a música “Madalena”, gravada por Zé Gonzaga, a qual estoura em todo o Nordeste.
João jamais se acomodou: era insistente, tinha um objetivo na vida a ser alcançado e continua indo às rádios, visitando casas de show, bares, gravadoras, conhecendo artistas, e num desses passeios conhece Luiz Vieira e mostra-lhe os seus versos. Dessa aproximação ganha um amigo e parceiro e juntos compõem a música “Estrela Miúda”, gravada por Marlene. A música “Estrela Miúda” foi um sucesso e ficou conhecida nos quatro cantos do país. “João do Vale era um cantador pela vontade de um povo, e um poeta pela graça de Deus.” (VIEIRA apud PASCHOAL, 2000, p. 33).  
Logo que gravara as duas músicas e começa fazer sucesso, é convocado para comparecer à sua gravadora e recebe os seus primeiros direitos autorais. Depois disso ficou bastante conhecido. O nome de João do Vale começou ventilar não do Vento Leste, mas no meio dos grandes nomes da MPB. Nomes bastante conhecidos pelo público naquele tempo como: Marlene, Luiz Vieira, Dolores Duran, Marinês, Luiz Gonzaga e muitos outros passaram a gravar as músicas de João do Vale. Ganhou tanta notoriedade que foi convidado para compor trilha sonora de filmes.
Tomou-se conhecimento de que certa vez, numa roda de amigos compositores, foi cobrado por nunca ter feito uma música para homenagear a sua terra, o Maranhão. Ficou pensativo, calou-se por alguns minutos e pensou: “Todo mundo canta a sua terra, eu também vou cantar a minha”. Minutos depois mostrou aos amigos os rabiscos que tinha feito: uma linda composição que falava das belezas do Maranhão, num poema genial que foi depois musicado por Julinho e gravado por Alcione. Destaca-se que essa música foi analisada nesse trabalho monográfico, conforme se vê mais adiante. “Todo mundo canta sua terra/ Eu também vou cantar a minha/ Modéstia parte seu moço/ Minha terra é uma belezinha./ A praia de olho d’Água/ Lençois e Araçagi/ Praias bonitas assim/ Eu juro que nunca vi./ Minha terra tem beleza/ Que em versos não sei dizer/ Mesmo porque não tem graça/ Só se vendo pode crer./ Acho bonito até/ O jornaleiro a gritar Imparcial, Diário, olha o Globo/ Jornal do Povo descobriu outro roubo/ E os meninos que vendem derrê sol a cantar/ Derrê sol derrê ê ê ê ê ê ê sol/ E fruta lá tem:/ juçara, abricó e buriti/ Tem tanja, mangaba e manga/ E a gostosa sapoti/ E o caboclo da Maioba/ Vendendo bacuri./ Tinha tanta coisa pra falar/ Quando estava fazendo esse baião/ Que quase me esqueço de dizer/ Que essa terra tão linda é o Maranhão/ Ô Maranhão, ô Maranhão”.
João do Vale era um compositor nato, embora não tocasse nenhum instrumento musical e nem conhecesse teoria de música, trazia no sangue os ritmos de todas as tribos. Sua música tinha coco, baião, forró forrado, canções de lamento e protesto, samba-de-roda, xaxado e batuques sertanejos. “João do Vale não faz parte dessa tropa ideológica da esquerda festiva. Com a sensibilidade de seus versos, ele fala do que viveu e conheceu na pele grossa de trabalhador braçal.” (LACERDA, apud PASCHOAL, 2000, p. 99).
Depois da primeira música gravada e reconhecida em todo Brasil, muitas outras vieram naturalmente e foram motivo para o seu grande sucesso como um exímio compositor: “Coroné Antonio Bento”, música feita em parceria com Luiz Wanderley, foi um grande sucesso com Tim Maia; “Pé do Lageiro”, em parceria com José Cândido, gravada por Tom Jobim; “Bom Vaqueiro”, parceria com Luiz Magalhães, na interpretação de Raimundo Fagner; “O Canto da Ema”, com Alventino Cavalcante, Ayres Vianna, cantada na voz de  Jackson do Pandeiro; “Carcará”, com José Cândido, na voz de Chico Buarque; “Morceguinho”, em parceria com José Cândido, na voz de Zé Ramalho; “Uricuri”, com José Cândido, cantada por Clara Nunes; “Fogo no Paraná”, com Helena Gonzaga, cantada por Gonzaguinha; “Pipira”, com José Cândido, intérprete Nara Leão; “Pisa na Fulô”, com Ernesto Pires e Silveira Júnior, cantada por Alceu Valença; “Minha História”, com Raymundo Evangelista, o próprio João interpreta; “Morena do Grotão”, com José Cãndido, João Bosco interpretando; “De Teresina a São Luís”, com Helena Gonzaga, cantada por Alceu Valença; “Forró do Beliscão”, com Ary Monteiro e Leoncio, gravada por Ivon Cury; “A Voz do Povo”, com Luiz Vieira, catada por Paulinho da Viola; “Peba na Pimenta”, com José Batista e Adelino Rivera, cantada por Marinês; “Matuto Transviado”, com Luiz Vanderley, gravada por Geraldo Azevedo; “O Bom Filho a Casa Torna”, com Eraldo Monteiro, intérprete Ednardo, “Orós II”, parceria com Oseas Lopes.
Desde o dia que João do Vale gravou a sua primeira música, nascia ali para sempre a sua relação com a Música Popular Brasileira, coisa que nem a morte foi capaz de cortar, o cordão umbilical desse grande gênio com a arte da música. O ano de 1964 foi realmente o ano em que João do Vale se firmou como um grande compositor da MPB, pela importante participação que teve no Show Opinião com a música “Carcará” que fora muito bem interpretada pela cantora baiana Maria Bethania.
No ano de 1965 participa da gravação ao vivo do disco do Show Opinião, as músicas de sua autoria que participaram do disco foram “Peba na Pimenta”, Trecho do “Pisa na Fulô”, “Carcará” e “Sina de Caboclo”. O ano de 1974 também foi marcante para a vida artística de João do Vale: o compositor de forma magistral volta ao palco Opinião e apresenta um brilhante show com o amigo Zé Keti, show que foi dirigido por Bibi Ferreira. “João do Vale, além de cantor e compositor único, é um comediante fabuloso, inclusive com recursos imprevisíveis.” (FERREIRA apud PASCHOAL, 2000, p. 117).   
Teve a oportunidade de levar a sua música para além fronteiras. Certa vez recebeu um convite do amigo e parceiro Chico Buarque, pegou uma carona na asa do Carcará e foi realizar show em Angola. A vida artística de João do Vale tem momentos marcantes que confirmam de forma autêntica e com muita veracidade a sua relação estreita com a Música Popular Brasileira. Um dos momentos também marcantes que comprovam a relação de João do Vale com a Música Popular Brasileira foi a realização por 10 anos do projeto “Forró Forrado”, que era realizado nos fins dos anos 70, num dia de terça-feira, no Bairro Catete, no Rio de Janeiro e que tinha como público operários nordestinos e uma boa parte da elite carioca. No “Forró Forrado”, o compositor João do Vale era o artista principal, e os demais que participavam davam uma canja.
O próprio João do Vale afirmou que o “Forró Forrado” foi uma passagem muito importante na sua vida, um momento marcante da Música Popular Brasileira em sua carreira de cantor e compositor, pois depois de ter brilhado no “Show Opinião” andou um pouco esquecido do público e da mídia. O “Forró Forrado” foi um momento brilhante da MPB e consequentemente na vida artística de João do Vale, pois foi uma oportunidade que teve para se apresentar ao lado de grandes nomes como Nara Leão, Chico Buarque, Raimundo Fagner, Djavan, Geraldo Vandré, Zé Kéti, Luiz Gonzaga, Zé Gonzaga, Gonzaguinha, Clara Nunes, Nelson Cavaquinho, Beth Carvalho, Clementina de Jesus, Jamelão, Moreira da Silva, João Nogueira, Carmen Costa, Dona Ivone Lara, Jorge Veiga, Carmélia Alves, Miúcha, Cristina Buarque, João Bosco, Martinho da Vila, Alceu Valença, Geraldo Azevêdo, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Amelinha, Elza Soares, Marinês, Jackson do Pandeiro e muitos outros que marcaram e ainda são presenças marcantes na MPB.
Foi através do “Forró Forrado” que João do Vale foi convidado para gravar um LP pela Editora Abril, na coleção Histórias da Música Popular Brasileira – Série Grandes Compositores. Com tanto sucesso assim, tornou-se fácil: logo teve como privilégio, coisa muito rara na vida de um compositor: tornar-se parceiro e amigo do seu ídolo, o Rei do Baião, Luiz Gonzaga e ainda fazer amizade com os cantores Jackson do Pandeiro, Dolores Duran, Elis Regina, Clara Nunes, Tom Jobim, Chico Buarque, Fagner, Alceu Valença, Geraldo Azevêdo, Zé Ramalho, Ari Lobo, Ataulfo Alves, Nelson Gonçalves, Ivon Cury, Gonzaguinha, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethania, Tim Maia, Miúcha, Nara Leão e muitos outros com quem se relacionou muito bem e gravaram as suas músicas. “A poesia de João do Vale representa o sertão puro e brincalhão, e definitivamente faz parte da história da Música Popular Brasileira. Um dos grandes gênios da música nordestina.” (FAGNER apud PASCHOAL, 2000, p. 163).
Com o dinheiro que começou a ganhar como compositor, comprou um caminhão, que só lhe trouxe aborrecimentos, e foi trabalhar na construção de Brasília. Esse fato e essa experiência lhe inspiraram a música “Rojão de Brasília”, gravada na voz de Jackson do Pandeiro, um grande sucesso. A letra dessa música falava da construção de Brasília, que era o sonho do Presidente Juscelino Kubistchek, a fundação de uma nova cidade onde seria a Capital do Brasil.
A música de qualidade e de conteúdo voltado para as causas sociais e a poesia engajada fizeram com que fosse reconhecido pelo Excelentíssimo Presidente da República, José Sarney que lhe conferiu o título de Comendador. Segundo depoimento do próprio compositor, para diversos autores que estudaram a sua vida e obra, João do Vale afirmou ter feito 430 músicas e gravado dois discos, afirmou ainda que as músicas que fez, foram todas dedicadas para as pessoas que viviam injustiçadas.
“Ninguém sabe de onde vem a inspiração. Eu não sei e nenhum compositor sabe; ela simplesmente surge. Pra fazer verso, não é preciso tocar nada. Você bate numa mesa, numa caixa de fósforos e a música vai aparecendo, sem nenhum problema.” (VALE, 1980 apud PASCHOAL, 2000, p. 67).
Há relatos que no carnaval de 1983, o compositor foi homenageado com música “De Teresina a São Luís”, de sua autoria, numa versão em samba-enredo feita pela Turma do Quinto, uma escola de samba de São Luís do Maranhão, que naquele ano ganhou o título do carnaval maranhense. Um acontecimento triste iria marcar a vida do autor de Carcará até os últimos dias de sua vida: em 1986 um acidente vascular cerebral deixou o poeta do povo muito doente, ao ponto de ficar por vários dias na UTI e depois em cadeira de rodas, isso uma semana antes de completar 25 anos de carreira no forró forrado.
O aniversário de 62 anos do nascimento de João do Vale foi marcado por várias homenagens que pessoas ligadas à música prestaram para o compositor: No ano que fez 62 anos os artistas maranhenses realizaram um show para homenagear João do Vale, no Teatro Artur Azevedo; Em Teresina-PI, o Instituto Dom Barreto prestou uma homenagem a João quando realizou a 11ª Semana Cultural: os artistas locais cantaram e encenaram as suas músicas mais conhecidas; Em Pedreiras, sua terra natal, o poeta não foi esquecido: a sua amiga Luiza organizou, no seu restaurante que leva o nome do artista, uma seresta que contou com a participação de vários artistas locais e com os amantes da sua música.
O grande amigo e companheiro Chico Buarque, nesse mesmo ano, dá ao compositor um grande presente, o CD João Batista do Vale, uma obra que reuniu vários nomes da MPB; Com o CD “João Batista do Vale” ganha o prêmio Sharp na categoria regional. Certa vez João do Vale recebeu em Pedreiras, a então estudante na época Andréa Oliveira, a quem confessou numa entrevista que a música que mais gosta é “Na Asa do Vento”.

5.4 João do Vale e o grupo opinião

Ainda continuam bem vivas na memória de uma parte do povo brasileiro as tristes lembranças de que esse gigantesco país, por um longo período da política brasileira (1964–1985), fora governado pelos militares, que de forma truculenta implantaram um sistema de governo ditatorial onde a democracia foi extinta, a falta dos direitos constitucionais, censura, perseguição política e a repressão àqueles que não aceitavam o regime militar.
Daí nasce a necessidade de todas as classes se organizarem e lutarem contra o novo regime implantado que não seria interessante para os que sonhavam com uma nação livre e democrática: estudantes, organizações populares, sindicatos, partidos políticos de esquerda, jornalistas, escritores, poetas, professores, intelectuais e a classe artística se mobilizaram para dizer que não concordavam com o regime de opressão implantado no país pelos militares.
Encontra-se em alguns livros de História e Sociologia o pensamento unânime de diversos autores que dizem que “tudo isso só fez com que se estimulasse mais ainda a produção cultural engajada e a militância de esquerda no país”. Com isso, compreende-se a razão da criação de histórias, músicas e os textos literários de forma indireta. E a música “Carcará” de João do Vale já seria fruto desse pensamento de quem não concordava com o que se passava naquele momento de repressão e a forma autoritária que sofria o povo brasileiro.

A maior força de João do Vale é quando ele coloca para fora por inteiro a poesia simples e os ensinamentos sábios do povo. É quando ele se distancia do convencional e ganha alturas de compositor extremamente original. Que coisa mais bonita é Asa do vento, dele e do Luiz Vieira.” (BRANT apud PASCHOAL, 2000, p.44).

O ano de 1962 foi marcado com a febre da Bossa Nova, comandada pela cantora Elis Regina, um estilo de música que nesse período estava em voga no Rio de Janeiro e nos grandes centros culturais do país; e traz uma nova proposta de ritmo musical, até então era uma coisa como se fosse impossível. No ano de 1963, encontram-se registros de que uma cantora carioca, da alta sociedade, também marcou presença na Bossa Nova: Nara Leão, que depois dava seu depoimento após romper com a Bossa Nova, diz que não tinha mais sentido “cantar para dois ou três intelectuais uma musiquinha de apartamento”.
Foi justamente o segundo LP de Nara Leão com o título “Opinião de Nara”, de 1964, que dera origem ao Show Opinião, um espetáculo que nasceu com o propósito de unir teatro e música que retratavam os problemas do nosso país, como as injustiças sociais e a repressão política. Assim nasceu o Show Opinião, há exatamente quarenta e seis anos, em data de 10 de dezembro do ano de 1964, num teatro do Super Shopping Center de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro. Esse que foi um grande acontecimento da história da Música Popular Brasileira, responsável cem por cento pela reviravolta na vida artística do compositor maranhense, nascido na cidade de Pedreiras, o poeta-cantador João do Vale; o primeiro espetáculo do Show Opinião estreava exatamente nessa data.

Mas, sem sombra de dúvidas, o elemento inspirador desses musicais ocorreu em 1964, com a realização do Show Opinião, na cidade do Rio de Janeiro. O espetáculo, que mobilizou diferentes setores da sociedade, foi considerado o primeiro ato de resistência contra o Regime Militar, além de colocar pela primeira vez nos palcos do teatro brasileiro a “canção de protesto” aliada ao “teatro engajado”.            (OLIVEIRA, 2008).

Show Opinião, assim foi batizado. Um espetáculo que tinha seus textos escritos por Armando Costa, Oduvaldo Viana Filho e Paulo Pontes; direção musical de Dorival Caymmi Filho e direção de teatro de Augusto Boal. Um projeto musical tipicamente de samba de morro e favela que tinha no seu elenco três nomes: Zé Kéti, um dos grandes compositores da MPB, que foi diretor artístico da casa de show Zi Cartola; Nara Leão, que até então representava a elite da sociedade carioca, por ser uma moça muito “fina” e de classe social elevada; e um homem simples, humilde, negro, aquele mesmo que fora expulso da escola para dar vaga a um filho de um rico, quando ainda menino na sua cidade natal, o maranhense João do Vale.
O nome do show era Opinião, mas também poderia ser chamado de show Audacioso, pois o ano de estréia não seria nada agradável para o que viria pela frente, devido a mensagem de cunho crítico social e político que o mesmo trazia em sua essência, e isso, com certeza não foi bem aceito e visto pelos militares que naquela época já estavam sentados na cadeira do poder, cometendo atrocidades e cerceando a liberdade do povo. Na verdade, o show Opinião veio para incomodar, e incomodou.
Primeiro, incomodou a turma da Bossa Nova que na época fazia música para uma pequena elite dominante do Rio de Janeiro, uma produção cultural que não chegava ao povo; depois contrariou e desafiou o governo ditatorial dos militares, por trazer em suas músicas letras de protestos. Indubitavelmente, segundo alguns críticos de música, o Show Opinião foi o maior acontecimento da Música Popular Brasileira, um grande sucesso do teatro brasileiro na época. O espetáculo correu várias Capitais do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e outras) e aproximadamente mais de 100 mil pessoas tiveram o prazer de assisti-lo.
A história da cantora Maria Bethania no mundo da música surge no Show Opinião, pois em determinado espetáculo que a cantora Nara Leão não pôde se apresentar por problemas de saúde, a cantora baiana é convidada e aceita o desafio de interpretar a música “Carcará”, de autoria de João do Vale. Foi um sucesso.

Assim eu topei. Estou aqui – em nome da Bahia, em nome do grupo –
Prá dizer que Opinião na Bahia (fala com sotaque) se diz Opinião, mas
Não é a mesma. Nosso grupo já fazia samba, cantava e ia ouvir samba
De roda – mas depois Zicartola, do Zé Kéti, do João do Vale, da Bossa
Nova – nós resolvemos também cantar da Bahia para o mundo.
(BETHANIA apud SILVA, 1980, p.30)

A música “Carcará” de João do Vale em parceria com Zé Cândido que Maria Bethania interpretou muito bem, substituindo a Nara Leão, depois de ser mostrada no Show Opinião passou a ser conhecida em todo Brasil, passou a ser o hino dos estudantes, e por causa disso a Universidade de São Paulo lhe conferiu o título de “Poeta do Povo”, título que até então só tinha sido conferido ao poeta Castro Alves. “Carcará” também marcou e afirmou o início da carreira da cantora Bethania, fazendo-a conhecida por todo o povo brasileiro.

(Glória a Deus Senhor nas altura
E viva eu de amargura
Nas terras do meu senhor)
Carcará
Pega, mata e come
Carcará
Num vai morrer de fome
Carcará
Mais coragem do que homem
Carcará
Pega, mata e come
Carcará
Lá no sertão
É um bicho que avoa que nem avião
É um pássaro malvado
Tem o bico volteado que nem gavião
Carcará
Quando vê roça queimada
Sai voando, cantando,
Carcará
Vai fazer sua caçada
Carcará come inté cobra queimada
Mas quando chega o tempo da invernada       
No sertão não tem mais roça queimada
Carcará mesmo assim num passa fome
Os burrego que nasce na baixada
Estribilho
Carcará é malvado, é valentão
É a águia de lá do meu sertão
Os burrego novinho num pode andá
Ele puxa no bico inté matá
Carcará
Pega, mata e come! (VALE, 1964 apud SILVA,1980, p. 30 - 31).

A música “Carcará” por ter uma mensagem muito forte e carregada de protesto, fez tanto sucesso que foi motivo de muitos críticos da época passarem a ter um novo olhar e observar com mais atenção e respeito a poesia do compositor João do Vale.

Carcará é poema de verso denso e música de ritmo quase marcial, direto, mas poético, ilustra e ensina sem epílogo didático. A música, além de fundir-se completamente com a letra – é impossível melodiar sem lembrar as palavras, dizer os versos sem fazê-lo na pauta – tem o som e a melodia da ave feroz que não vai morrer de fome e por isso pega, mata e come. (FEBROT apud PASCHOAL, 2000, p. 96)                            

Em 1965, foi gravado um LP ao vivo de um dos espetáculos do Show Opinião, na intenção de preservar e guardar na memória da MPB um momento tão sublime e histórico da Música Popular Brasileira.

5.5 A produção musical de João do Vale

Segundo o próprio João do Vale, em declarações para diversos meios de comunicação, e ainda alguns autores que escreveram sobre sua vida e obra, durante toda a sua trajetória de compositor foram gravadas aproximadamente 433 músicas. Isso sem citar aquelas que foram vendidas pelo próprio autor, fato que por razões de ética e preservação dos nomes das pessoas que as compraram, João nunca quis se aprofundar nesse assunto ou revelar os compradores.
“Para que este número seja determinado com precisão seria necessária uma pesquisa profunda desde a primeira música gravada, Madalena, por Zé Gonzaga, em 1951 (Odeon). O funcionário Clayton, do Setor de Arrecadação de Direitos Autorais do Rio de Janeiro, diz que é impossível listar um total de composições de João do Vale. (OLIVEIRA, 1998, p. 75)
Portanto, baseado nas pesquisas feitas, apresenta-se uma parte da produção musical, e como já se disse anteriormente, foi impossível fazer neste trabalho uma relação precisa de todas as composições de João do Vale.
Dentre as principais produções destacam-se:
01   Aruera (com Zé Cândido)
02   Assim não dá (com Antonio Euzébio)
03   A lavadeira e o lavrador (com Ary Monteiro)
04   A Voz do povo (com Luis Vieira)
05   Amar quem já amei (com Anatalício de Freitas Libório)
06   Aniversário de Pedreiras (com Adélio de Souza)
07   Aniversário de São Benedito (João do Vale)
08   Arraiá do Tibiri (com Silveira Jr.)
09   As Morenas do Grotão (com Zé Cândido)
10   Baião da Beira-Mar (com Luiz Vieira)
11   Baião de Brasília (com Ernesto Pires)
12   Baião de pêlo novo (João do Vale)
13   Baião de Viola (com Flora Matos)
14   Baile na Pedreira
15   Balanceiro da Usina (João do Vale)
16   Beliscar não é pecado (João do Vale)
17   Bom Vaqueiro (com Luiz Guimarães)
18   Coisas do Norte (com Rosil Cavalcanti)
19   Coroné Antonio Bento (com Luis Vanderlei)
20   Crochê (João do Vale)
21   Cabelo de boneca (com José Cândido e Rossini Pacheco)
22   Caboclo inxirido (com Luiz Vieira)
23   Cada um sabe de si (com José Ferreira e Silveira Jr.)
24   Canela fina (com Silvio Fragoso)
25   Canto suave (com Djair de Barros Silva)
26   Capital da ilha (com Luís Guimarães)
27   Carcará (com Zé Cândido)
28   Carolina (João do Vale)
29   Cesário Pinto (João do Vale)
30   Chofer de Caminhão (João do Vale)
31   Coco do F (com Luiz Vieira)
32   Companheiro (com Ary Monteiro)
33   Dinheiro – comprador de consciência (João do Vale)
34   De Teresina a São Luis (com Luiz Gonzaga)
35   Despedida de amargar (João do Vale)
36   Deixei minha terra (com Sebastião Rodrigues)
37   Dor de amor (com João Aguiar Sampaio)
38   É de dois, dois (com Jesus Santana Chediack)
39   Escorregar não é cair (João do Vale)
40   Eu sou que nem mineiro (com José Cavalcanti de Albuquerque)
41   Estrela miúda (com Luiz Vieira)
42   Eu chego lá (com Abel Silva)
43   Eu vim praí (com Manuel Euzébio)
44   Eu vou pro campo eu vou pro mar (com Adolfo Carvalho)
45   Filho de peixe, peixinho é (com Ernesto Pires)
46   Fim de verão (com José Leventhal)
47   Forró do cafundó (com Luis Bandeira)
48   Forró do Furtuoso (com Luiz Vieira)
49   Forró do velho (c/ Adolfo Carvalho)
50   Forró do Tianguá (João do Vale)
51   Fogo no Paraná (com Luiz Gonzaga)
52   Forró do beliscão (com Ary Monteiro e Leoncio Tavares)
53   Gavião (com Oscar Moss)
54   Gavião não cai em arapuca (com Jocastro Bezerra de Aquino)
55   Jardim pra quem gosta de flor (João do Vale)
56   Jangadeiro (com Dulce Nunes)
57   Macaco veio (com J. B. de Aquino)
58   Maria Filó (com Luiz Vieira)
59   Madalena (João do Vale)
60   Mandacaru (João do Vale)
61   Magoada (João do Vale)
62   Maria coisa (com Sebastião Rodrigues)
63   Machucado (com José Cândido e Rossini Pacheco)
64   Malaquias (com Luiz Vieira)
65   Maria Aurora (com Silveira Jr.)
66   Menina de Bracanã (com Luiz Vieira)
67   Minha história (com Raimundo Evangelista)
68   Morceguinho (O rei da Natureza) (com José Cândido)
69   Medo de soltar (João do Vale)
70   Menina do crochê (com José Ferreira)
71   Menino do pirulito (João do Vale)
72   Meu carro novo (João do Vale)
73   Meu sentido era na bela (com Ari Monteiro)
74   Minha candeia (com Luiz Vieira)
75   Muçambê (com João Aguiar Sampaio)        
76   Mutirão de Pedreiras (com João Aguiar Sampaio)
77   Matuto transviado (com Luiz Wanderley)
78   Não deixo de pensar (com Luiz Vieira)
79   Não é só falar na seca (João do Vale)
80   Não foi surpresa (com João Leocádio da Silva)
81   Não gosto de começar (João do Vale)
82   Não tenho culpa de nascer assim (com João Batista Lopes)
83   Não vou chorar (com Lauar e José Batista)
84   Não vou mais pedir rezando (João do Vale)
85   Na asa do vento (com Luis Vieira)
86   O bom filho a casa torna (com Eraldo Monteiro)
87   O canto da Ema (D. Aires Viana e Alventino Cavalcante)
88   O destino me chamou ((com Raymundo Evangelista)
89   O jangadeiro (com Dulce Nunes)
90   O lenço da moça (com Luiz Vieira)
91   O Rei dos animais (João do Vale)
92   Orós II (com Ozéas Lopes)
93   Os óio de Anabela (com João Aguiar Sampaio)
94   Pára sanfoneiro (com Jocastro Bezerra de Aquino e Sebastião Rodrigues)
95   Peguei na pena (com Cícero Calindo Machado e João Bastos Filho)
96   Percorrendo o Nordeste (com Jaime Santos)
97   Pior pior (João do Vale)
98   Pisa a morena (com José Rodrigues Oliveira)
99   Pisa, mulata (com Ernesto Pires e José Cândido)
100 Povo de Pedreiras (João do Vale)
101 Pra mim, não (com Marília Bernardes)
102 Pra multiplicar o bem (com Arthur Poerner)
103 Pra onde tu vai, baião (com Helena Gonzaga)
104 Princesa do Mearim (com Ozeas Lopes)
105 Princesa Isabel (João do Vale)
106 Pronde tu vai baião? (com Sebastião Rodrigues)
107 Protetor do povo (João do Vale)
108 Passarinho (com José Lunguinho)
109 Pé do lageiro (com José Cândido e Paulo Bangu)
110 Pipira (com José Batista)
111 Pisa na fulô (com Ernesto Pires e Silveira Júnior)
112 Peba na pimenta (com J. Batista e Rivera)
113 Pra mim, não (com Marília Bernardes)
114 Quando o nosso amor acabou (João do Vale)
115 Quatro fia fême (com Ary Monteiro)
116 Que chamego bom (com José Batista)
117 Quem encosta em Deus não cai (com José Ferreira e Ary Monteiro)
118 Quem foi vaqueiro (com Luís Guimarães)
119 Rio Guará (com Luiz Vieira)
120 Rojão de Brasília (com José Gomes Filho)
121 Rua do namoro (com Ary Monteiro)
122 Se o passarinho bem soubesse (com Manoel Euzébio)
123 Sem amor (com Monsueto)
124 Seu delegado (Dê a César o que é de César) (com Pedro Vieira de Melo)
125 Sá Dona (com Luiz Guimarães)
126 Sabiá (com Luiz de França e José Cândido)
127 Sina de caboclo (com J. B. de Aquino)
128 Sertanejo do Norte (com Luiz Gonzaga)
129 Sanharó (com Luis Guimarães)
130 Só quero o que é meu (com Arnaldo Barbosa Silva)
131 Tira o coco, Bené (c/ José Cândido)
132 Trezentos e cincoenta anos
133 Todos cantam a sua terra (com Julinho)
134 Uricuri (com Zé Cândido)
135 Vai ou não vai (com Raul Moreno)
136 Voz geral (com Ary Monteiro)
137 Vou pra Caxias (com Ari Rangel de Sales)
138 Vou sem ir (com Valdemar Oliveira)
139 Viva meu baião (com Vezo Filho)
140 Vida de Vaqueiro (João do Vale)
141 Xote do melo o bico (com J. B. de Aquino)
142 Zé da onça (João do Vale)
143 Zé vai ver (João do Vale)

5.6 João do Vale e sua relação com os artistas e o povo do Maranhão

Já se falou da relação de João do Vale com a Música Popular Brasileira, com o Show Opinião, e agora se pretende abordar a relação de amizade que o compositor teve com o povo e os artistas do seu Estado. Não foi por acaso que o compositor recebeu da Universidade de São Paulo – USP, o título de poeta do povo, justamente pelo fato de ter vindo do povo e ter se mantido sempre fiel às suas origens e às suas antigas amizades e tradições.
Para quem vive um momento de poder e fama, é muito fácil ter muitos amigos, viver rodeado de pessoas que no intuito de se aproveitarem, se aproximam somente com o interesse de tirar vantagens. A relação de amizade de João do Vale com o povo e os artistas do Maranhão se deu da forma mais natural e sem nenhum interesse que viesse a explorar ou prejudicar a sua vida pessoal ou a sua carreira artística.
Em Pedreiras e São Luís do Maranhão ainda se tem o prazer de poder encontrar várias pessoas: poetas, compositores, cantores, políticos, amigos de infância e demais pessoas que tiveram a satisfação de ter convivido e conhecido João do Vale mais de perto, as quais, algumas dentre elas, foram destacadas nesse trabalho monográfico.

Uma paixão à primeira vista

No dia 28 de setembro de 2010, por volta das quatro horas da tarde, entrevistou-se Luiza Carlos de Sousa Loiola, 67 anos, conhecida como Luiza, residente e domiciliada na Rua Beira Rio, nº 58, às margens da Praia do Major Lucena, proprietária do restaurante “João do Vale”, que funciona no mesmo endereço, conhecido como o mais famoso e popular de Pedreiras e Trizidela do Vale.
Contou Luiza que em 1982, na primeira campanha política do ex-prefeito de Pedreiras, Dr. Pedro Barroso, tinha um bar-restaurante chamado de Sobradinho, localizado na Rua São Joaquim, época em que a Tresidela era ainda um bairro de Pedreiras, e que por volta das quatro horas da tarde recebeu a visita de dois senhores, perguntando-lhe se tinha algo para comer. Em seguida, disseram que gostariam de comer peixe. Os dois comeram e beberam até entrar pela noite daquele mesmo dia. As duas personalidades eram o oficial de justiça, poeta e compositor Diouro e João do Vale que, pela primeira vez visitava o restaurante e bar Sobradinho de Luiza.
Em dado momento Diouro apresentou João do Vale à Luiza.
- Tu tem marido, mulher?
- Tenho não.
- Pois acabou de encontrar um.

A relação de João do Vale com Luiza teria sido paixão à primeira vista! Desse dia em diante, conta Luiza que o João ficou viciado no restaurante e no tempero da comida que ela oferecia para ele.
Luiza sabia que existia João do Vale, que era um compositor famoso e que fazia muito sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo com as suas composições que tocavam em todas as rádios do país. Luiza conheceu João do Vale no período da realização do festejo de São Benedito; ele tinha vindo a Pedreiras fazer o lançamento da música que havia feito em homenagem ao padroeiro, canção essa solicitada pelo pároco da época, o então Pe. Jacinto Brito, atualmente Bispo de Cratéus-CE.
Para o lançamento da música em Pedreiras, João do Vale trouxe consigo o amigo e intérprete Ary Lobo que ficou na terra de João por uma semana. “Era direto na casa do Milfon, dono de uma voz que existia em Pedreiras, e no meu restaurante”. (ENTREVISTA COM LOIOLA, 2010). Muitos foram os momentos que Luiza viveu ao lado de João do Vale: conta que no ano de 1995 foi com ele para São Luís, no carro do taxista Renê; ficou com ele o fim de semana, hospedaram-se no Hotel São Francisco. Na segunda-feira, João foi para o Rio de Janeiro e Luiza retornou para Pedreiras, acompanhada de sua filha Sandra.
No ano de 1992, os artistas de São Luís fizeram uma homenagem a João pela passagem do seu aniversário, no teatro que tem o seu nome, e mais uma vez Luiza esteve ao lado de João naquela grande festa oferecida ao poeta. Luiza falou que o nome do restaurante é uma homenagem a ele, que foi uma ideia de Lourenço Pinheiro. Ao colocar o nome no restaurante, ligou para João e lhe disse: - João, sabe como é o nome do meu restaurante? João do Vale, é em tua homenagem. João adorou e lhe disse que em três dias chegaria para a inauguração. Nessa época o restaurante funcionava próximo a ponte, bem em frente a farmácia de Lourenço Pinheiro, um ser humano extraordinário, filho do saudoso Joaquim Pinheiro, que hoje mora em São Luís do Maranhão.
Luiza emocionada falou da maior surpresa que João do Vale lhe fez:

Todas as noites quando eu ia dormir, gostava de ouvir a Rádio Nacional de Brasília. Naquela época existiam os programas de auditório, ainda não existia a televisão. Só sei que o telefone tocou; fui atender era o Luiz Guide, empresário de João do Vale, me avisando que estava com o João no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, assistindo a uma orquestra sinfônica, e que ele iria falar na rádio e que iria mandar um alô para mim. Antes que João falasse, o locutor toda hora falava meu nome ‘Luiza lá de Pedreiras no Maranhão, um abraço’. Em seguida, o João entra falando e diz: ‘Alô, Luiza, meu amor, prepara uns mandis que eu estou chegando. Uma semana depois ele chegou a Pedreiras e eu fiz um churrasco para ele no Sobradinho, em 1991, que contou com a presença de amigos, artistas, inclusive o Chico Viola. (ENTREVISTA COM LOIOLA, 2010).

Perguntou-se como era o João do Vale:

João do Vale era uma pessoa boa de se “lutar” com ele. Tinha momento que ele era muito malcriado. Educado quando queria ser. Era farto, não tinha pena de nada, não reclamava da vida e de nada. Gostava de contar piadas e era muito horrível entender o que ele falava. Ficava muito feliz quando estava ao lado dos amigos de Pedreiras: Diouro, Josélio, Salvador, Zé Pequeno, Kleber, Pedro Barroso, João Piston, Melico e Zezinho. (ENTREVISTA COM LOIOLA, 2010).

Um patrono ilustre para um escritor de renome

No dia 29 de setembro de 2010, às 9 horas da manhã, procurou-se e entrevistou-se no seu local de trabalho, no Cartório Lucimary Braúna, na Rua Maneco Rêgo, o poeta e historiador Filemon de Carvalho Krause Filho, 60 anos de idade, residente e domiciliado há anos, na Avenida Marly Boueres, nº. 1644, no Bairro Mutirão, na cidade de Pedreiras, Maranhão.
Filemon Krause é autor de inúmeros livros de poesia e de pesquisa sobre diversos assuntos da cidade de Pedreiras. Membro-fundador da Academia Pedreirense de Letras, cadeira nº. 17, cujo patrono é o ilustre imortal João do Vale. A Academia foi fundada em 30 de maio de 2006, graças aos esforços, organização e competência de Filemon Krause, o primeiro presidente da Entidade, eleito por unanimidade.
Segundo o poeta Filemon Krause, quando teve o seu primeiro contato com o compositor João do Vale, ele já era bastante famoso, muito comentado em todo o Brasil. Filemon Krause contou que certa vez, estando João do Vale em Pedreiras, no dia 7 de setembro, na primeira administração do prefeito Dr. Pedro Barroso, fora convidado para participar do palanque que foi armado para os desfiles das escolas. João fora anunciado pelo locutor que fazia a apresentação da festa cívica. As autoridades em cima do palanque esperavam pelo convidado famoso que não aparecia e que nem apareceu. O prefeito Dr. Pedro Barroso, juntamente com as autoridades e todo o público presente, cansados de esperar, autorizou que fosse realizado o desfile.
Terminado o desfile, Filemon Krause procurou um bar para matar a sede e o calor que tinha suportado com a espera de João e a realização do desfile. Foi para a Tresidela, que nessa época ainda era bairro de Pedreiras, e eis que num bar que havia na Rua Nova, hoje Padaria Amazonas, lá estava o João do Vale, tranquilo, tomando cachaça na companhia do “seu” Zezinho, um grande amigo de infância. Convidado a sentar-se na mesa, teve o prazer e a oportunidade de fazer companhia para João do Vale e “seu” Zezinho.
Em 1996, os artistas de Pedreiras fizeram uma confraternização na Associação Atlética Banco do Brasil e João do Vale esteve nessa festa.
Filemon Krause conta que quando chegou à AABB, João do Vale estava sentado, tomando refrigerante, um pouco isolado dos demais artistas; mas Zezinho como sempre estava em sua companhia. Filemon fez questão de ficar em sua mesa, e nesse dia aproveitou para tirar uma foto com o compositor, foto essa que foi tirada pelo saudoso fotógrafo José Moreno. Após essa confraternização, três dias depois João do Vale teve o seu AVC fatal que o levou a óbito.
“Se Pedreiras pudesse ter outro João do Vale daqui a cem anos, seria a continuidade da lembrança e da permanência de Pedreiras no cenário da cultura nacional. Só que será muito difícil.” Palavras de Filemon Krause. (ENTREVISTA COM KRAUSE, 2010).
O poeta ainda se referiu ao compositor da seguinte forma:

Para mim, todas as músicas de João do Vale são interessantes, mas “Pisa na Fulô” é a mais marcante. Outra que eu acho bonita é “Baião de Viola”, uma música cheia de sabedoria de quem era gênio. Penso que para perpetuar a memória de João seria a criação de um museu ou um memorial. Os parentes dele logo podem desaparecer, e quem vai contar essa história? (ENTREVISTA COM KRAUSE, 2010).

Destaca-se como ponto culminante da entrevista, a percepção ideológica e social que numa leitura de muita perspicácia o poeta Filemon Krause tem da vida de João:

João do Vale não era um desprezado, um coitado como muitos pensam. A forma como ele vivia era uma opção, uma filosofia de vida: andar descalço, desarrumado, calças arregaçadas, camisa enrolada no ombro, beber cachaça em boteco, feiras, mercado, estar no meio do povo pobre, tudo isso era que dava sentido a sua vida. (ENTREVISTA COM KRAUSE, 2010).

Filemon Krause homenageou o seu Patrono com os louvores que estão publicados no livro “Uma pataca da vida e obra de João do Vale”, que foi muito útil em citações, para a pesquisa e a realização desse trabalho.

De Pedreiras no Maranhão ao Rio de Janeiro

Zacarias Salomão Neto, conhecido popularmente em Pedreiras como Carioca, alcunha que recebeu por razão dos longos anos em que viveu no Rio de Janeiro (de 1964 a 2006), mas Carioca é mesmo Maranhense, nascido em Pedreiras.
Está em Pedreiras desde 2006, reside na Rua Oscar Galvão, nº 84, residência oficial e tradicional da família Salomão; é sobrinho da saudosa Nair Maranhão, grande carnavalesca de Pedreiras. Sabendo-se da convivência que Zacarias tivera com João do Vale no Rio de Janeiro, no dia 30 de setembro de 2010, às 4 horas da tarde, fez-se uma entrevista em sua residência, onde tem uma lanchonete, cujo nome é “Espetinho Carioca”.
Zacarias disse que conheceu João do Vale em Pedreiras, e que o primeiro encontro com o compositor no Rio de Janeiro se deu em Marechal Hermes, na casa de Lupicínio, um pedreirense que mora no Rio. Depois desse encontro primeiro, passaram a se encontrar nos fins de semana para tomar umas cervejas e comer uma feijoada e conversar sobre a vida, trabalho e as lembranças boas da família e dos amigos que tinham ficado em Pedreiras.
Zacarias contou que era motorista de táxi, fazia praça em um posto em Copacabana, e por várias vezes fez corrida para João do Vale; constantemente o via em companhia da cantora Nara Leão; certa vez foi assistir a um show dele no teatro João Caetano. “Quem andava muito em nossa companhia era o estivador Oziel Carneiro que também é de Pedreiras e mora lá no Rio de Janeiro há bastante tempo”. (ENTREVISTA COM NETO, 2010).

Tinha vez que ele aparecia só para ferrar um trocado. Era impressionante como João do Vale era querido e famoso naquela época no Rio de Janeiro; todo mundo conhecia ele; João era um ídolo da nossa música, ele inventou o seu próprio estilo e deu de presente para o Brasil.” (ENTREVISTA COM NETO, 2010)

A última vez que Zacarias viu João do Vale foi em 1995, no aniversário de 80 anos de sua tia Nair Maranhão; ele já estava doente, em cadeira de rodas. Carioca voltou ao Rio de Janeiro, e em 1996 ficou sabendo que João do Vale havia falecido.

Um vendia pirulito; o outro, banana frita

Quando foi procurado em sua residência para uma entrevista sobre João do Vale, tinha-se a consciência do quanto as suas informações seriam importantes para a contribuição desse trabalho monográfico.
José Ribamar Sousa, 81 anos de idade, nasceu no povoado Bom Jesus (quando ainda era Município de Pedreiras), em 14 de fevereiro de 1929, residente e domiciliado na Rua Júlio Martins, nº. 516, no Bairro Goiabal.
As características acima se referem ao “seu” Zezinho, o ex-vendedor de banana frita que depois passou a exercer a profissão de arrumador; se tornou popular na cidade de Pedreiras pelo grande caráter de homem honesto e trabalhador e por ter tido o privilégio ímpar de se tornar o maior e melhor amigo de João do Vale, uma amizade que começou na infância e que nem mesmo a morte foi capaz de apagar, pois quem conversa com “seu” Zezinho”, sente na alma que essa veneração pelo amigo ainda é viva e contagiante.
A maior prova de que “seu” Zezinho e João do Vale tinham uma grande ligação de amizade e respeito de um para com o outro, é a canção Minha História onde numa passagem da música, o compositor cita o amigo, num momento de profunda nostalgia ele diz:

Vige, como eu tinha inveja
De ver o Zezinho contar:
“O professor ralhou comigo
Porque eu não quis estudar”. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 42)

“Seu” Zezinho contou que conheceu João do Vale trabalhando de vendedor ambulante, época que criança tinha que trabalhar para ajudar no sustento em casa, pois a vida sempre foi difícil para quem é pobre.
“João vendia pirulito, e eu vendia banana frita”. (ENTREVISTA COM SOUSA, 2010).

O trabalho infantil no Brasil ainda é um grande problema social. Milhares de crianças ainda deixam de ir à escola e ter seus direitos preservados, e trabalham desde a mais tenra idade na lavoura, campo, fábrica ou casas de família; muitos deles sem receber remuneração alguma. Hoje em dia, em torno de 4,8 milhões de crianças e de adolescentes entre 5 e 17 anos estão trabalhando no Brasil, segundo PNAD 2007. Desse total, 1,2 milhão estão na faixa entre 5 e 13 anos. (ZEVALLOS, 2010).

Ainda nas palavras do amigo de infância de João do Vale, ele nos falou como o conheceu:

Certa vez eu estava num bar que tinha ali naquele local onde hoje é a Praça Corrêa de Araújo, tinha uns homens jogando sinuca e bebendo; e eu lá, só olhando quando de repente passa um menino com uma tábua de pirulito no ombro e cantando uma música bem engraçada:

Eu vou embora
Vou na carreira
Eu vou embora
Vou lá pra Pedreiras.

Papai eu choro
Mamãe eu grito
Me dé um tostão
Prá comprar pirulito.      

Pirulito
Pirulito
Enrolado no papel
Enfiado no palito. (ENTREVISTA COM SOUSA, 2010).

Sobre a música ele ainda nos relata:

Eu achei aquela música muito interessante e fui até onde aquele menino. Quando cheguei perto dele perguntei como ele estava. Ele me respondeu que estava tudo bem. Começamos a conversar e daquele dia a nossa amizade tinha iniciado para sempre. Passamos a nos encontrar todos os dias após as vendas. Tinha dia que a gente ia jogar bola no campo da Carazada que ficava no bairro do Matadouro. Eu me lembro que quando a gente estava jogando que chovia, a gente ficava nu, jogando bola. Um dia João ficou aperreado porque os meninos gostavam de dar biscoito que era dar nó na camisa que ninguém desatava. Deram um nó na camisa de João que foi muita luta para desatar, e se ele chegasse em casa com a camisa dado nó, a mãe dele batia nele, dona Leovegilda era uma “fera”, qualquer coisa a taca comia. (ENTREVISTA SOUSA, 2010).

Segundo “seu” Zezinho a vida dos dois amigos não era só de brincadeira; os meninos trabalhavam como gente grande: tiravam lenha no povoado Conceição, pois naquela época não havia gás, quando não iam de jumento, iam de canoa. “Seu” Zezinho falou que quando João do Vale foi para São Luís já era homem, um ajudante de pedreiro. Disse que veio passear em Pedreiras e o visitou. João chegou para o amigo e disse: “Zé, eu vou dar uma volta no mundo, tu quer ir comigo?”. “Seu” Zezinho respondeu que não era doido, que não tinha essa coragem. João respondeu-lhe: “A vida só é dura para quem é mole, eu vou de carona, fico uns dias num lugar, pego outra carona até chegar ao Rio de Janeiro. Quero ser um cantor, Zezinho, e vou batalhar para isso”. (ENTREVISTA COM SOUSA, 2010)
“Seu” Zezinho disse que quando João do Vale lhe falava dos seus sonhos, ele pensava e criticava em silêncio o amigo: “Esse aí não vai para lugar nenhum”. (ENTREVISTA COM SOUSA, 2010).
Nesse período, o sonho de todo nordestino era sair de casa e ir para a cidade grande. As duas cidades do Brasil até então que oferecia essa oportunidade de realizar sonhos, ou mesmo ter uma grande ilusão eram Rio de Janeiro e São Paulo, como se vê num texto de Marcial Salaverry sobre a migração nordestina:

Ainda sob o impacto da crise gerada pela Guerra Mundial, São Paulo começou uma fase de grande desenvolvimento, principalmente no campo da construção civil, gerando uma necessidade de mão de obra não especializada para levantar os edifícios que estavam sendo planejados. Devido à seca que assolava o Nordeste, dizimando rebanhos e plantações, houve o casamento de necessidades. São Paulo precisava de mão de obra operária, e os nordestinos precisavam de meios de subsistência. Começou assim a migração nordestina. E São Paulo, começou a crescer rapidamente, ao mesmo tempo em que começava a se acostumar com os usos e costumes que os migrantes trouxeram para cá, seja com sua alimentação bem peculiar, que logo foi aceita, seja com seu sotaque característico, que também começou a ser absorvido. Ó xente, essa minina...  Logo já fazia parte do dia a dia paulistano. Isso sem falar no que foi uma das maiores colaborações da migração nordestina, que foi para nossa música, trazendo os ritmos envolventes que logo tomaram conta de nossas paradas musicais. A migração começou timidamente. Primeiro vinha o chefe da família para tentar a sorte. Percebendo as possibilidades que a cidade grande oferecia, logo tratava de trazer toda a família. Esses foram os primeiros anos. (SALAVERRY, 2004).

Passaram-se uns dias, Zezinho foi à casa de D. Leovegilda e perguntou por João. A mãe dele respondeu que ele havia fugido. Zezinho tomou um susto e começou a pensar no que ele havia-lhe falado. A primeira notícia de João que ficou sabendo era que estava no Piauí, e assim, toda vez que visitava a mãe de João, ela dizia um lugar diferente em que ele estava. Finalmente ficou sabendo por um pedreirense que o grande amigo estava no Rio de Janeiro. Passaram-se os anos e num certo dia Zezinho estava em casa quando um sujeito bate na porta e ele conta: “Quando eu voltei a ver o João do Vale, ele já estava com o nome na história. Certo dia parou um táxi na minha porta, vinha de São Luís, a pessoa desceu e gritou pelo meu nome. Eu perguntei de quem se tratava e o camarada respondeu que era João do Vale. Entrou na minha casa, me abraçou e me chamou para acompanhá-lo, pois ia passar na casa dos parentes e dos amigos, depois andar pelo mercado, pelas ruas, feira e tomar uma cachacinha nos botecos. João quando chegava aqui ficava só de calça, tirava a camisa, o sapato e andava descalço com as calças arregaçadas no meio da canela. Ele me contou muita história das andanças dele, me disse que comeu o pão que o diabo amassou.
Muito se conversou com “seu” Zezinho a respeito de João. Percebeu-se que realmente foram grandes amigos e quando se perguntou o que João do Vale representou para ele, respondeu: “João do Vale foi para mim tudo na vida. Quando vinha do Rio de Janeiro a primeira pessoa que procurava era eu. Quando ele adoeceu fiz a minha parte: estive sempre ao lado dele”. (ENTREVISTA COM SOUSA, 2010)

É Diouro a terra de João

Samuel de Sá Barrêto, 42 anos de idade, poeta, escritor, compositor, radialista, acadêmico do 4º período do curso de Letras da Faculdade de Educação São Francisco, Diretor Geral do Instituto da Seguridade Social dos Servidores de Pedreiras, sócio-fundador da Associação dos Poetas e Escritores de Pedreiras, membro-fundador da Academia Pedreirense de Letras, também foi de suma importância na colaboração desse trabalho monográfico, por se tratar de uma personalidade que carrega bastante informação da cultura do Maranhão e, sobretudo, do compositor João do Vale.
Entrevistou-se o poeta Samuel Barrêto numa manhã do dia 18 de outubro de 2010, na sala onde funciona o Instituto da Seguridade Social dos Servidores de Pedreiras - ISSSP, na Prefeitura Municipal de Pedreiras.
Perguntou-se ao entrevistado qual o projeto que fora desenvolvido pelos artistas de Pedreiras que homenageou a pessoa do compositor e poeta João do Vale. Samuel Barrêto falou do CD “É Diouro a terra de João”, da satisfação de ter sido um dos diretores desse projeto e da luta que travou para que esse sonho se tornasse realidade. Rebuscando as reminiscências da história da arte local, Samuel começou a contar sobre o projeto do CD que homenageou João do Vale.

“No ano de 1997, após um festival de música que aconteceu em Pedreiras, o acerto que se fez com a Fundação de Cultura do Município era que fosse gravado um CD, coisa que não aconteceu. Os artistas se reuniram e fizeram um show de protesto pela não gravação do CD, que foi realizado na Praça Zinô Caldeira, conhecida como praça do jardim. Depois desse show, com muita luta, os artistas conseguiram gravar e colocar o nome do CD em homenagem ao poeta Diouro e o compositor João do Vale, ficando assim o nome de “É Diouro a terra de João”, com as seguintes músicas: 01. Pout-pourri “Tributo a Diouro e João do Vale, Na outra encarnação (Diouro); Gavião (João do Vale); Chá de Vista (Santiago), Pisa na fulo (João do Vale) (incidental); O Brasil está virado (Diouro); 2. Sem abstração (Nonato Matos, Brandinho e Daniel Lisbôa); 3. Nos olhos de um sonhador (Brandinho, Samuel Barrêto e Daniel Lisbôa); 4. Ponto de partida (Dilza Siqueira); 5. Deixe (Itamar Lima); 6. O rio (Samuel Barrêto); 7. Odisséia (Nonato Matos e Neto do Kawako’s); 8. Sonho migrante (Daniel Lisbôa); 9.Estrela (João Carlos); 10. Situação (Itamar Lima); 11. Momentos (Carlos Magno e Willame de Jesus); 12. Mosaico (Herbeth Luis e Itamar Lima); 13. É (Chico Viola, Santiago e Paulo Pirata); 14. Dizem por aí (Lucy Fabris); 15. Vou chorar (Darck). (ENTREVISTA COM BARRÊTO, 2010).

Depois se perguntou qual o momento marcante que o poeta Samuel Barrêto viveu com João do Vale, e ele narrou:

Na década de 80 havia um bar em frente à Prefeitura de Pedreiras, que era da Maria do Hélio; eu estava lá com o meu pai João Barrêto quando João do Vale chegou e pediu para meu pai cantar para ele uma música de nome Modinha, de autoria de Ségio Bittencourt, que teve a interpretação de Altemar Dutra e Nelson Gonçalves. Meu pai cantou para o João do Vale e em seguida perguntou se ele sabia cantar as músicas dele. Meu pai disse-lhe que sim e cantou várias músicas. Depois João do Vale começou a contar piadas. O engraçado era que João do Vale contava as piadas e ele mesmo sorria, aí todos que estavam com ele sorriam da piada e do sorriso dele que era muito engraçado. Nas várias conversas que presenciei dele com o meu pai, uma eu lembro dele dizer que a cantora Marinês tinha gravado uma música dele que logo iria ser um grande sucesso no Nordeste. E meu pai perguntou para ele qual seria a música. E João respondeu que era o Mutirão de Pedreiras que tinha feito com Julinho do Acordeom. E João do Vale estava certo, ele sabia o que estava dizendo: a música foi um grande sucesso no Nordeste. (ENTREVISTA COM BARRÊTO, 2010).

É de um Piratta o Canto da Ema no Maiobão

Dia 13 de outubro de 2010, fez-se uma viagem a São Luís do Maranhão, com o objetivo de se fazer uma pesquisa de campo, junto a cantores que pudessem falar da obra e da pessoa de João do Vale. Nesse mesmo dia, numa tarde de quarta-feira, entrevistou-se o cantor e compositor pedreirense Paulo César Felizardo da Silva, 41 anos de idade, conhecido popularmente pelo nome artístico de Paulo Piratta; proprietário da casa de show Canto da Ema, um espaço cultural que tem sido ponto de cultura e de encontro dos cantores de São Luís onde o compromisso maior é a divulgação da música do Maranhão.
Perguntou-se ao cantor Paulo Piratta o que ele tinha a dizer de João do Vale, e o mesmo falou:

Conheci João do Vale na década de 90, mas antes de conhecê-lo pessoalmente já ouvia muito falar dele e o via pelas ruas e nos bares de Pedreiras. Fui apresentado oficialmente para João em um dia que eu estava no bar da Luiza, numa roda de artistas. João chegou e foi apresentado a todos. Lembro-me muito bem que Luiz Guide, seu empresário, estava presente e eles estavam em Pedreiras para a festa da inauguração da Rádio FM Cidade de Pedreiras juntamente com Rogério Du Maranhão, Milena, Julinho do Acordeom e Chico Viola. Luiz Guide pediu que fizéssemos uma música para homenagear o João, e fizemos a canção que foi tocada no dia da inauguração da Rádio. A música se chamava João, você nunca morrerá. Essa relação com João do Vale foi muito marcante para mim porque foi através dessa música que eu apareci pela primeira vez em público e dava início a minha carreira. Para provar o que eu estou dizendo, guardo comigo fotos desse momento. Depois passei a estar nos lugares onde João estava e freqüentava, cantando e tocando violão para ele e seus amigos. Certo dia tive um momento de decepção com João. Pensava que pelo fato de ter feito uma música para ele, o mesmo iria ser grato comigo e ser gentil quando me visse. Estava havendo um Especial João do Vale na Churrascaria Brisa, que ficava localizada na Rua das Laranjeiras, no Bairro do Goiabal, em Pedreiras. Quando João entrou no recinto comecei a cantar a música “Pisa na Fulô”. Quando terminei de cantar, fui até João e me aproximei dele e ele de forma brusca me empurrou. Fiquei morrendo de vergonha, chateado, mas depois fui analisar que aquela atitude dele poderia ser reflexos da sua doença. Confesso que aquela atitude dele não fez morrer a minha admiração que eu tinha e ainda tenho por ele. (ENTREVISTA COM SILVA, 2010).

Uma pausa, Paulo Chama sua esposa Maria Vita e lhe pede para servir um café, uma água ou mesmo um lanche ao entrevistador. Brincadeiras e piadas à parte, risos... A conversa que se teve sobre João do Vale com o cantor Paulo Piratta viu a tarde se despedir e a noite chegar muito bela na Ilha do Amor. Em seguida, para a alegria e a grande satisfação desse momento histórico, eis que chega ao recinto, o empresário, poeta e compositor Paul Getty que presenciou uma parte da conversa que se teve com Paulo Piratta.
Paulo Pirata abraçado ao seu violão, bandana na cabeça, garrafa de café sobre a mesa e uma enorme xícara com a sua foto, prosseguiu falando de João do Vale:

Lembro-me que o ano era 1994, João ganhou o Prêmio Sharp de melhor CD, e passava pela Rede Globo de Televisão, numa quinta-feira à noite, no mesmo dia em que o Armazém Paraíba festejava um dos seus aniversários na Brisa, com fogos e muita animação. João do Vale estava presente, sentado num canto, sozinho, jogado. Cantei uma música de João e depois perguntei se alguém ali sabia se João do Vale havia recebido o Prêmio Sharp. Convidei a todos os presentes a cantar parabéns para João. Percebi que muita gente não gostou da minha atitude, pois sei que ofusquei um pouco a festa do Armazém Paraíba. Depois fui para a casa do empresário David Oliveira que ao saber que João estava na Brisa, imediatamente mandou buscá-lo. Quando João já estava na casa de David Oliveira, cantei uma música para ele de Chico Buarque; ao ouvir, chorou como uma criança. Foi a última vez que vi João do Vale. Para a minha felicidade de artista aquele momento foi importante para a retirada da má impressão que eu tinha por ele. (ENTREVISTA COM SILVA, 2010).

Uma amizade de 25 anos

                        As informações do endereço que se tinha era esse: Ferro de Engomar, no Beco Escuro, no Studio Via Brasil, ao lado da Fundação Dilu Melo. Assim, saiu-se pelas ruas de São Luís do Maranhão à procura de um dos maiores compositores e cantores do Maranhão. A data era dia 15 de outubro de 2010, uma sexta-feira, no período da manhã.
                        Quando se foi à procura de Rogério já se tinha a informação de que o compositor sabia e sabe muito sobre João do Vale. Finalmente se encontra Rogério Du Maranhão, jornalista, cantor, compositor, poeta, membro da Academia Vianense de Letras e produtor cultural. Um homem simpático, fino, inteligente e de uma educação fora do comum. No seu Studio Via Brasil, no Beco Escuro já se percebeu a relação de amizade com João do Vale, onde se veem fotos e recortes de jornais dos dois por todos os lados, expostas nas paredes.
                        Ao tomar conhecimento que se pretendia falar de João do Vale, o cantor Rogério Du Maranhão ficou muito satisfeito e se prontificou a colaborar com esse trabalho monográfico. Falou-se a Rogério que não se tratava de entrevista, mas que o cantor pudesse ficar à vontade para falar de João e depois seriam transcritas para a pesquisa monográfica as informações que se achassem mais necessárias e cabíveis ao trabalho.
Sentado numa cadeira preguiçosa, o cantor e compositor narrou:

A minha convivência com João do Vale foi de 25 anos ininterruptos. João não fazia amizade fácil com ninguém; ele era arredio, desconfiado, e sabia que muitas das pessoas que se aproximavam dele era para tirar proveito. Ele era muito inteligente, não tinha nada de besta como muita gente pensa. Todos os detalhes da vida de João, eu sei. Os filhos dele só sabem a metade da sua vida. Tornamo-nos amigos no ano de 1979, em São Paulo. Eu já o conhecia, e o via muito aqui em São Luis, na verdade ele era amigo mesmo era do meu pai José Pereira Gomes que era promotor e atualmente procurador da justiça. Certo dia em São Paulo, pela manhã, bem cedo, eu descia a Rua da Consolação e vejo um sujeito sentado num banco de uma praça, lendo um jornal de cabeça para baixo, era João do Vale. Falei com ele e o mesmo perguntou quem eu era, e quando lhe disse, ele logo gostou de mim, foi amor à primeira vista. Em seguida, ele me convidou para ir a um bar tomar uma, eu lhe respondi que àquela hora não, mas que ele ficasse à vontade. Eu tomei um café e João pediu um leite 51, que era cachaça. Lembro-me de um caso que ele teve com uma israelense chamada Viviane, a mesma que estava com ele quando teve o derrame pela primeira vez. Uma vez ele me chamou para ir numa festa na casa de um jornalista, no Morumbi. João mesmo bêbado foi capaz de perceber que a mulher do jornalista estava dando em cima de mim. Ele me chamou num canto e me disse: “Não aceite a provocação dessa mulher, você está vendo que o esposo dela está nos recebendo muito bem; e tem mais: amizade é coisa sagrada. Essa atitude de João eu nunca esqueci, ele era um gênio, inteligente e sabia das coisas. (ENTREVISTA COM MARANHÃO, 2010).


Por alguns instantes se interrompeu a conversa com Rogério Du Maranhão, pois a todo instante chegava uma pessoa, um artista à sua procura, e todas as vezes que isso aconteceu, o cantor de forma educada pedia licença e ia atender aos seus amigos. Em seguida, voltava, prosseguindo assim seus relatos sobre os momentos de sua amizade com João do Vale:

Só para você ter uma idéia, amigo, eu ainda hoje me lembro do endereço de João: Avenida Noroeste, conjunto Rosa dos Ventos, Nova Iguaçu – Rio de Janeiro. A casa de João era bem arrumada, a esposa dele, a Dona Domingas era muito caprichosa nas coisas. A casa tinha uma sala com sofá, cristaleira, dois quartos, banheiro, cozinha grande. Na geladeira de João não faltava surubim, tatu, peba; era farta e tinha bastante alimentação. No quintal havia muitas plantações e canteiros com as ervas típicas do Nordeste. Dona Domingas, esposa de João, pensava antes de me conhecer que, eu era um negro, velho e gordo. Ela me disse certa vez que João falava muito em mim, que ela chegou a pensar que eu era de algum morro do Rio de Janeiro. Vi numa tarde, na casa de Chico Buarque o Tom Jobim chegar e ir direto falar com o João. Aquilo me impressionou muito, Como aquele negro tinha prestígio com os grandes da MPB! (ENTREVISTA COM MARANHÃO, 2010).

Quando se falou com Rogério Du Maranhão se ele tinha feito alguma música com João, ele disse que fez uma, mas não saiu, não gravaram. O nome da música é Calça no Rendengue que fez questão de recitar a letra:
“Pequeno, caminhando no vento com a calça no rendengue e o chamató na mão. No bolso, só bolinha de vidro, baladeira no pescoço, danisco e resmungão, assuviando, passarinhando, bico de brasa, juriti e corrupião. Agora em sonhos, me vi menino, feliz rumei pra São Luís do Maranhão.” (ENTREVISTA COM MARANHÃO, 2010).
Perguntaram-se acerca de detalhes sobre o forró forrado, e Rogério falou da participação que teve e de mais momentos que presenciou de João do Vale:

O forró forrado foi um tempo muito bom na carreira musical de João e de muitos artistas que freqüentaram aquele espaço, inclusive eu. Nessa época eu morava no Flamengo, bem próximo do local onde acontecia o forró forrado, no Catete. O evento acontecia às terças e quintas-feiras. Um dia eu fui com João do Vale jogar no campo de Chico Buarque e quem estava lá era o Bob Marley. Vi João do Vale jogar bola com Bob Marley. (ENTREVISTA COM MARANHÃO, 2010).

Rogério Du Maranhão encerrou a sua colaboração com esse trabalho dizendo que adora Pedreiras, que se pudesse iria mais vezes à terra do seu grande amigo; que João do Vale foi um dos seus grandes amigos. Falou ainda que quando ele morreu, esteve velando-o em São Luís, que pegou no caixão para colocar no carro que levaria o corpo para Pedreiras, mas não pode acompanhar o grande amigo da sua vida para sepultá-lo na sua terra natal.  

6 JOÃO DO VALE: um estudo analítico-interpretativo da obra poética do maranhense do século

6.1 A literatura e os aspectos sociais

Notou-se no decorrer deste trabalho monográfico, cuja finalidade foi a descoberta de elementos presentes na obra de João do Vale que comprovaram o seu engajamento com o social, após um estudo de análise-interpretativa e teórico-crítica, o quanto a literatura como reflexo da realidade está intrínseca com uma abordagem sociológica e histórica, na qual emerge, principalmente quando essa literatura se apresenta como uma verdadeira ferramenta de engajamento e comprometimento com as causas sociais.
Coutinho (1976, p. 17) afirmou que foi por meio da palavra que o homem fez registros de ordem documental e prática, firmou acordos e contratos, enviou mensagens, colecionou informações. E seguiu dizendo que um dia esse mesmo homem usou a palavra como expressão de ideias e sentimentos mais profundos, criou formas mais intensas e significativas para expressá-las, e a Literatura se fez.
Diante do exposto acima, mencionado pelo autor, acredita-se que a Literatura foi algo criado pelo homem de forma natural, sem que ele tivesse nenhuma intenção em inventá-la. Portanto, poder-se-ia afirmar que a Literatura é um fenômeno natural que surgiu para a comunicação e a expressão humana.

A literatura é um fenômeno estético. É uma arte, a arte da palavra. Não visa informar, pregar, documentar. Acidentalmente, secundarimente, ela pode fazer isso, pode conter história, filosofia, ciência, religião. O literário ou o estético inclui precisamente o social, o histórico, o religioso etc., porém transformando esse material em estético. (COUTINHO, 1976, p. 17).

Assim, como já se afirmou baseado na visão de alguns autores que a Teoria da Literatura é uma disciplina auxiliar na compreensão da Literatura, a Sociologia embora não tendo nenhuma obrigação de explicar os fenômenos literários, percebeu-se também que a mesma se apresenta como uma disciplina que auxilia na hora de esclarecer os seus aspectos sociais.

O primeiro cuidado em nossos dias é, portanto, delimitar os campos e fazer sentir que a sociologia não passa, neste caso, de disciplina auxiliar; não pretende explicar o fenômeno literário ou artístico, mas apenas esclarecer alguns dos seus aspectos. Em relação a grande número de fatos dessa natureza, a análise sociológica é eficaz, e só desorientaria a interpretação; quanto a outros, pode ser considerada útil; para um terceiro grupo, finalmente, é indispensável. (CANDIDO, 2000, p. 18).
Dessa forma, subentende-se que os fatores ou os aspectos que ocorrem no meio social teriam uma grande influência para a Literatura, pois é do meio social que os escritores extraem elementos para a produção das suas obras literárias.
Segundo Candido (2000), é preciso se interrogar qual a influência exercida pelo meio social sobre a obra de arte e qual a influência exercida pela obra de arte pelo meio? E ainda completa ao leitor e estudioso do assunto, em que medida a arte literária é a expressão da sociedade; em que medida é social ou se esta realmente está interessada nos problemas sociais.
Para comprovar que a Literatura em si é um fator social, utilizou-se da teoria de  Samuel (1998), o qual afirma que a Literatura faz parte do produto geral do trabalho humano, isto é, da cultura; pois, segundo o teórico, a cultura de um povo são suas realizações, em diversos sentidos, como as ciências e as artes. É um conjunto socialmente herdado, que de certo modo determina a vida dos indivíduos.

6.2 Análise-interpretativa da poesia de João do Vale

Enfatizou-se, a partir desse capítulo, uma análise-interpretativa e teórico-crítica das obras do compositor João do Vale, na qual se pensou ser a parte mais interessante, a essência desse estudo de análise, pois com esse estudo, pretendeu-se comprovar o engajamento e o registro da sua obra poético-musical como condição de instrumento de conscientização sociopolítica.
Portanto, foram analisados os aspectos políticos, sociais, culturais, educacionais, religiosos e econômicos presentes na obra do autor, nos quais se destacaram as questões: desigualdades, migração, exploração, instrução, questão agrária, violência no campo, degradação ambiental, opressão, pedofilia, repressão política, falta de moradia, prostituição, êxodo rural, alteração da paisagem, gravidez na adolescência e trabalho informal.
Utilizou-se para esse estudo de análise-interpretativa da obra poética do maranhense do século, a metodologia de Antonio Candido, na qual se usou a técnica de se utilizar todo o corpo da obra (objeto) que fora analisada em fragmentos e se destacou o conteúdo através de argumentos e comentários interpretativos.

Minha História

(01)   Seu moço, quer saber,
(02)   Eu vou contar num baião
(03)   Minha história pro senhor,
(04)   Seu moço, preste atenção.

(05)   Eu vendia pirulito,
(06)   Arroz doce, mungunzá.
(07)   Enquanto eu ia vender doce,
(08)   Meus colega iam estudar.
(09)   A minha mãe, tão pobrezinha,
(10)   Não podia me educar.
(11)   A minha mãe, tão pobrezinha,
(12)   Não podia me educar.

(13)   E quando era de noitinha,
(14)   A meninada ia brincar.
(15)   Vige, como eu tinha inveja,
(16)   De ver o Zezinho contar:
(17)   - O professor ralhou comigo,
(18)   Porque eu não quis estudar.

(19)   Hoje todos são doutor,
(20)   Eu continuo um João Ninguém,
(21)   Mas quem nasce pra pataca,
(22)   Nunca pode ser vintém.
(23)   Ver meus amigos doutor,
(24)   Basta pra me sentir bem.
(25)   Mas todos eles quando ouvem,
(26)   Um baiãozinho que eu fiz,

(27)   Ficam tudo satisfeitos,
(28)   Batem palma e pedem bis
(29)   E diz: - “João foi meu colega,
(30)   Como eu me sinto feliz.”
(31)   Mas o negócio não é bem eu,
(32)   É Mané, Pedro e Romão,
(33)   Que também foi meus colegas,
(34)   E continuam no sertão,
(35)   Não puderam estudar
(36)   E nem sabem fazer baião. (VALE, 1981  apud KRAUSE, 2008, p. 42)

A canção “Minha História” foi regravada num CD que tem como título o seu próprio nome: João Batista do Vale, com a participação de grandes estrelas da Música Popular Brasileira, e foi produzido pelo amigo Chico Buarque de Holanda, em 1994, pela gravadora BMG, num período muito difícil da vida de João do Vale, quando o mesmo estava doente e vivia numa cadeira de rodas, esquecido do seu público e da mídia. Chico Buarque é o intérprete da canção. Num gesto de quem soube reconhecer e valorizar a arte de um gênio da Música Popular Brasileira, Chico Buarque reuniu um grupo de artistas da MPB (Tom Jobim, Raimundo Fagner, Chico Buarque, Zé Ramalho, Gonzaguinha, Amelinha, Jackson do Pandeiro, Clara Nunes, Nara Leão e Alceu Valnça) e produziu um trabalho para homenagear o amigo João.
Indubitavelmente, chegou-se a uma conclusão de que a música “Minha História” é uma verdadeira obra de arte.            Pensou-se até que, se fosse uma tela, poderia-se chamar-se autoretrato. Mas por que não dizer uma autobiografia em forma de música?
Segundo Rogel Samuel (1998), no seu livro “Manual de teoria literária”, nas primeiras décadas do século XIX, com o Romantismo, a crítica literária passa a processar-se sistematicamente, destacando-se então, o crítico francês Sainte-Beuve (1804 – 1868) e seu método biográfico:

Um processo de descrição que procurava explicar elementos da obra, através da vida do autor, fazendo uma abordagem da sua biografia. Desta ressaltava o crítico a educação na infância, a hereditariedade, o físico, o ambiente, ou ainda experiências importantes. Até os ancestrais do autor podiam ser considerados. Devia ser enfocado o comportamento do autor em relação à religião, à Natureza, às mulheres etc. Chegava-se a reproduzir anedotas ou mesmo bisbilhotices sobre a vida e o cotidiano do autor. (BEUVE apud SAMUEL, 1998, p.93)

(01)   Seu moço, quer saber,
(02)   Eu vou contar num baião
(03)   Minha história pro senhor,
(04)   Seu moço, preste atenção. (VALE, 1981             apud KRAUSE, 2008, p. 42).

Percebeu-se logo de início nos versos (02) e (03) que o compositor se utiliza da sua composição, num ritmo musical muito utilizado por Luiz Gonzaga (seu ídolo) e Jackson do Pandeiro e muitos outros artistas dessa linha que na década de 60, utilizou o estilo popular Baião, para contar a sua difícil história de vida. Conforme se vê no verso (01), embora a estrutura do texto seja de um poema, a característica é a da prosa “expressão do ‘não-eu’, do objeto” onde o autor convida o receptor (seu moço) para ouvir a sua história através de uma narrativa.
No vocativo “seu moço”, verificou-se a presença marcante de metáfora, que pode ser compreendida com o mundo, a sociedade, os governantes políticos que, embora não estejam precocupados com as causas sociais do povo, acabam tomando conhecimento da realidade, “à força”, através do grito de protesto daquele que sentiu de verdade, na pele, as lamentações reais e crueis da vida. Embora “seu moço” faça “vista grossa” e finja não ver e ouvir, o grito persiste como se vê no verso (04) “Seu moço, preste atenção”.

(05)   Eu vendia pirulito,
(06)   Arroz doce, mungunzá.
(07)   Enquanto eu ia vender doce,
(08)   Meus colega iam estudar. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 42)

                   Será se “seu moço” prestou bem atenção e se comoveu com a história do menino que vendia pirulito (05), arroz doce e mungunzá (06)? E que enquanto ele ia vender doce (07), seus colegas iam estudar (08)?  O Estado (seu moço) ainda não atentou para essa realidade e não conseguiu ver o quanto isso é grave para o futuro de uma criança e da Nação.
A obra de João do Vale é o autêntico retrato da sociedade brasileira: trabalho informal; criança na rua trabalhando, quando deveria estar na escola; o filho menor que é obrigado a trabalhar como vendedor ambulante nas esquinas das grandes cidades para ajudar na renda familiar. De certa forma, a mesma realidade não se estende a todos, pois do outro lado, veem-se os que são favorecidos por um sistema político falho que favorece a uma classe e penaliza outra, o que pode ser destacado como desigualde social presente na obra do compositor.
Mas nem tudo está perdido. O menino protagonista de “Minha História”, por sorte, é de uma época e de um lugar em que ainda não existiam determinados problemas sociais de hoje, embora outros sim, eram ocultos e camuflados pelos que detinham o poder: drogas, violência sexual, assaltos, menor infrator, abandono dos pais etc, o contrário de “Meu Guri”, canção de Chico Buarque, na qual a problemática da realidade é muito mais triste do que a do menino João do Vale:
                       
Meu Guri
(01)         “Quando, seu moço, nasceu meu rebento
(02)         Não era o momento dele rebentar
(03)         Já foi nascendo com cara de fome
(04)         E eu nem tinha nem nome pra lhe dar
(05)         Como fui levando não sei lhe explicar
(06)         Fui assim levando ele a me levar
(07)         E na sua meninice ele um dia me disse
(08)         Que chegava lá. Olha aí! Olha aí!
(09)         Olha aí! É o meu guri e ele chega.
(10)         Chega suado e veloz do batente
(11)         Traz sempre um presente pra me emcabular
(12)         Tanta corrente de ouro, seu moço!
(13)         Que haja pescoço pra enfiar
(14)         Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
(15)         Chave, caderneta, terço e patuá
(16)         Um lenço e uma penca de documentos
(17)         Pra finalmente eu me identificar.
(18)         Chega no morro com carregamento, pulseira, cimento,
(19)         Relógio, pneu, gravador
(20)         Rezo ate ele chegar cá no alto
(21)         Essa onda de assaltos tá um horror
(22)         Eu consolo ele, ele me consola
(23)         Boto ele no colo pra ele me ninar
(24)         De repente acordo olho pro lado
(25)         E o danado já foi trabalhar.
(26)         Chega estampado manchete
(27)         Retrato com vendas nos olhos
(28)         Legenda e as iniciais
(29)         Eu não entendo essa gente, seu moço!
(30)         Fazendo alvoroço demais
(31)         O guri no mato, acho que tá rindo, acho que tá lindo
(32)         De papo pro ar, desde o começo eu não disse, seu moço!
(33)        Ele disse que chegava lá. (HOLANDA, 1981).

Fez-se uma análise e um pararelo das duas composições “Minha História” de João do Vale e “Meu Guri”, de Chico Buarque, para se mostrar que a vida de uma criança é determinada de acordo com o meio social em que ela vive.
Concluiu-se que o menino de “Minha História” de acordo com o momento social-histórico em que viveu, era um ser ainda puro, livre desse mundo perverso de hoje, cheio de corrupção dos tempos atuais; porém, não isento da pobreza, da miséria e da desigualdade social.
Referindo-se ainda sobre os versos (05), (06) e (07), encontrou-se a presença da questão do trabalho informal, onde por muitas vezes por falta de trabalho, as pessoas se sujeitam a realizar venda ambulante de vários tipos de produtos (inclusive alimentícios) onde o ganho financeiro com esse tipo de trabalho tem como finalidade aumentar a renda da família.
Percebeu-se com isso que a falta de uma profissão, a razão dos pais não terem às vezes uma instrução educacional, acabam se sujeitando a realizar trabalhos humilhantes, vendendo a sua força de trabalho muito barata, percebendo salários indignos, acabam aceitando que os filhos menores comecem muito cedo a trabalhar e não tenham tempo e gosto de ir para a escola.
Em “Minha História”, esse tema de trabalho informal foi abordado por João do Vale, embora os estudos sociológicos no Brasil datem o crescimento desse fenômeno a partir dos anos 90, conforme se constatou na realização desse trabalho:

O trabalho informal é o tipo de trabalho desvinculado a qualquer empresa, ou seja, é o trabalho indireto onde não há vínculo empregatício por meio de documentação legalizada. Esse tipo de trabalho teve grande crescimento na década de 90 quando a competitividade fez com que as empresas optassem por mão-de-obra qualificada e também frente à crise econômica, as empresas tiveram que diminuir seu quadro de funcionários e baixar o valor de suas mercadorias.      No decorrer do tempo, o homem foi substituído por máquinas fazendo com que mais pessoas passassem para a condição de desempregados. Como maneira mais fácil e honesta, as pessoas se tornaram trabalhadoras de rua (camelôs) que apesar de não lhes oferecer garantias e benefícios, como férias, décimo terceiro salário, hora extra remunerada, FGTS, licença maternidade-paternidade, seguro desemprego e outros, conseguem o sustento da família, mantendo assim seu padrão de vida. Nos tempos atuais, o trabalho informal atinge aproximadamente 50% da ocupação dos brasileiros. (MONTECLARO, 2004).                             

(09)   A minha mãe, tão pobrezinha,
(10)   Não podia me educar. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 42)

Sabe-se que os primeiros ensinamentos de educação de uma criança são adquridos na família. Mas é na escola que se aprende que a família é a primeira sociedade da qual a mulher e o homem fazem parte. Portanto, não se pode compreender essa passagem ao pé da letra, como se uma mãe pobre (de bens materiais) não tivesse capacidade para educar um filho; quando João diz:“a minha mãe tão pobrezinha, não podia me educar”, ele estava referindo-se ao fato de seus pais serem de classe baixa, economicamente muito pobres, serem negros (embora ele não fale isso na música, mas a biografia mostra quando diz que foi neto de escravos), e por isso, sofrerem toda a discriminação, a ponto de ser tirado da escola para dar lugar a um filho da classe alta. Se seus pais fossem abastados, ele teria estudado em qualquer escola, até mesmo na Europa ,onde estudaram alguns escritores e poetas brasileiros. Para reforçar essa questão, eis o que diz o professor de Teoria Literária e Literatura Brasileira das Faculdades Toleto, Araçatuba/SP, Francisco Antônio Ferreira Tito Damazo, em um trabalho de pesquisa sobre João do Vale:

Algumas de suas mais significativas músicas referem-se à generalizada falta de estudo do povo de seu lugar. Talvez a mais expressiva delas sobre esse aspecto e que induz o episódio que decisivamente o atirou para essa condição seja a música "Minha história". Menino ainda, morando em Pedreiras, sua terra natal, viu-se obrigado a deixar a escola, para que seu lugar fosse concedido ao filho do coletor que lá havia chegado. Era um tempo em que o dirigente da Coletoria, órgão público estadual arrecadador de impostos, figurava entre os que ocupavam posição social de grande prestígio. Depoimentos dele próprio permitem afirmar que esse fato não só revoltou o menino excluído, como marcou muito o adulto compositor. (DAMAZO, 2001).

(13)   E quando era de noitinha,
(14)   A meninada ia brincar.
(15)   Vige, como eu tinha inveja,
(16)   De ver o Zezinho contar:
(17)   - “O professor ralhou comigo,           
(18)   Porque eu não quis estudar.” (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 42).

A canção analisada, apesar de ser um Baião, um rítmo que traz na sua origem a alegria requintada de ambiguidade e humor, tem na sua melodia uma tristeza e um pouco de melancolia, fato que se encaixa com o enredo da narrativa. Isso demonstra a genialidade do compositor e prova o fenômeno que foi; pois, como explicar que uma pessoa semi-analfabeta, que não tocava nenhum tipo de instrumento musical, desconhecia música na prática e na teoria, pudesse fazer uma composição onde música e poesia se casaram perfeitamente? Para ilustrar o que se falou acima, encontrou-se uma afirmação sobre João do Vale, de um professor de Teoria da Literatura que disse: “considero um singular fenômeno cultural”. (DAMAZO, 2001).
Nos versos 13 e 14, tristeza e melodia dão espaço para a poesia: quem já foi menino sabe o quanto é poético o prazer notívago de poder correr livre na rua onde se viveu e se é feliz. É um tempo em que não se tem a dimensão de realidades vividas.
Do verso 15 ao 18, esse instante de felicidade que viveu o poeta é quebrado quando ouve o melhor amigo contar que, o professor ralhou com ele porque o mesmo não quis estudar. Percebe-se o poder que tem a Literatura de poder dar um novo significado de uma determinada palavra, por mais insignificante que ela seja: no verso 15, a inveja do menino João não era de maldade, mas uma profunda tristeza de não poder, assim como seus amigos, de estudar.

(19)   Hoje todos são doutor
(20)   E eu continuo João Ninguém
(21)   Mas quem nasce pra pataca,
(22)   Nunca pode ser vintém
(23)   Ver meus amigos doutor,
(24)   Basta pra me sentir bem. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 42).

A prova maior de que a inveja de João não era uma inveja carregada de maldade por ver seus amigos estudando, é que, anos depois, ao vê-los doutores se sentiu muito bem a ponto de ficar feliz por eles; verdade que se pode constatar nos versos 19, 23 e 24.
Percebeu-se um pessimismo quanto à sua capacidade de ser humano nos versos 20, 21 e 22, e mais uma vez aparece o uso da metáfora para explicar uma condição social através de um dito que se tornou popular; pois dizer “quem nasce pra pataca, nunca pode ser vintém”, é como afirmar que quem nasce numa classe social inferior está terminantemente fadado a viver sempre nela e sem nenhuma perspectiva ou esperança de uma ascensão de vida em todos os aspectos.
Paulo Freire, educador e fundador de um método de ensino, a Pedagogia libertadora mostra que isso não é verdade, que a Educação é o resgate da dignidade do homem, esse ser inacabado, marginalizado pela sociedade capitalista pode encontrar a sua libertação, pois diz Freire que “Pau que nasce torto pode morrer reto”. (FREIRE apud FONSECA, 1995).
A trajetória de vida de João do Vale desmente essa ideia, e vem bater com a tendência pedagógica de Freire, conforme se confirmou acima.

(31)   Mas o negócio não é bem eu,
(32)   É Mané, Pedro e Romão,
(33)   Que também foi meus colegas,
(34)   E continuam no sertão
(35)   Não puderam estudar,
(36)   E nem sabem fazer baião. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 42).

Do verso 31 a 36 nota-se que o compositor reconheceu que mesmo sendo integrante de uma camada social pobre, tinha a consciência que os seus amigos, estavam numa situação real muito pior do que a dele. Os amigos mencionados por João, “Mané, Pedro e Romão” são o símbolo representativo de uma grande parte da população do Brasil que não teve a oportunidade de estudar. Se João não pôde estudar, trouxe de berço o dom da poesia, ofício que utilizou para se destacar e ter uma posição na sociedade como um dos maiores compositores do Brasil.
“E o que pensar, seu moço, de Mané, Pedro e Romão que não puderam estudar e nem aprenderam a fazer Baião?” Ainda bem que não saíram do sertão e não foram para as grandes cidades do Sudeste para se tornarem mais um morador de favela ou de rua.

De Teresina a São Luis

(01)   Peguei o trem em Teresina
(02)   Pra São Luis do Maranhão
(03)   Atravessei o Parnaíba
(04)   Ai, ai, que dor no coração.

(05)   O trem danou-se
(06)   Naquelas brenhas
(07)   Soltando brasa, comendo lenha.
(08)   Comendo lenha e soltando brasa.
(09)   Tanto queima como atrasa.

(10)  Bom dia, Caxias!
(11)  Terra Morena de Gonçalves Dias.
(12)  Dona Sinhá, avisa pra seu Dá
(13)  Que eu tô muito vexado,
(14)  Dessa vez não vou ficar.
(15)  O trem danou-se
(16)  Naquelas brenhas.
(17)  Soltando brasa, comendo lenha.
(18)  Comendo lenha e soltando brasa.
(19)  Tanto queima como atrasa.
(20)  Boa tarde, Codó!
(21)  Do folclore e do catimbó.
(22)  Gostei de ver cabroxa de bom trato
(23)  Vendendo aos passageiros
(24)  "De comer" mostrando o prato.

(25)  O trem danou-se naquelas brenhas
(26)  Soltando brasa, comendo lenha.
(27)  Comendo lenha e soltando brasa.
(28)  Tanto queima como atrasa.

(29)  Alô, Croatá!
(30)  Os cearenses acabam de chegar,
(31)  Pros meus irmãos, uma safra bem feliz.
(32)  Vocês vão para Pedreiras
(33)  Que eu vou pra São Luís.

(34)  O trem danou-se
(35)  Naquelas brenhas... (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 40).

Pegou-se uma carona no trem que saiu de Teresina/PI rumo a São Luís/MA e com o poeta, realizou-se uma viagem, onde se fez uma leitura histórica e sociopolítica de todo esse percurso geográfico que narrou a canção. Segundo o economista Felipe Mendes, o transporte ferroviário chegou muito tarde no Piauí, sendo o último Estado do Brasil a cosntruir ferrovias:

O trem só chegou a Teresina em 1939. Ficou pertinho, em Timon, onde deu o ar da graça em 1895. Os trilhos chegaram muito mais cedo a Piripiri, em 1923 e somente 50 anos mais tarde, em 1973, completou-se uma ligação ferroviária entre Teresina e Fortaleza. Não sem razão, apenas em 1973 se completa uma ligação ferroviária entre São Luís, Teresina e Fortaleza. (MENDES, 2010).

Com a informação do ano em que foi ligada a ferrovia Teresina a São Luís, repassada pelo economista Felipe Mendes, teve-se um parâmetro do contexto histórico que situou todo o roteiro de tempo e espaço para a análise da obra. Nessa década, as rodovias eram ainda muito precárias, e o trem surgiu como uma alternativa de meio de transporte com o objetivo de transportar as pessoas e os produtos produzidos pelos dois Estados.
(01)   Peguei o trem em Teresina
(02)   Pra São Luís do Maranhão
(03)   Atravessei o Parnaíba
(04)   Ai, ai, que dor no coração. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 40)

A primeira quadra da música, versos 01 a 04 iniciou-se com a narração de uma viagem onde o autor falou ter pegado o trem em Teresina – Piauí, com destino a São Luís do Maranhão, e passou a descrever detalhes do que viu naquela viagem. Falou da emoção de ter atravessado o Parnaíba (rio que separa os dois Estados) com dor no coração, que se suponha sentindo saudade de algo que ficara para trás, ou se deduziu que sentiu medo ao passar de trem sobre a ponte metálica João Luís Ferreira, que liga os dois Estados. Sobre essas emoções relacionadas com essa experiência de viajar de trem, o compositor também falou em outra canção, de nome Maria Filó (O danado do trem), que fizera em 1956, em parceria com Luiz Vieira que diz:
Lá vai o danado do trem/ Levando Maria Filó/ Nem sequer dá um apito/ Pra mim que fiquei tão só. Lá vai Maria Filó/ Levando todos os terem/ No meio dos cacarecos/ Meu coração vai também/ Coisa esquisita é trem/ Quando sai de uma cidade/ Pra uns leva alegria/ Pra outros deixa saudade. (VALE, 1981 apud RCA, 1994).

(05)   O trem danou-se
(06)   Naquelas brenhas
(07)   Soltando brasa, comendo lenha.
(08)   Comendo lenha e soltando brasa.
(09)   Tanto queima como atrasa. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 40).
           
Do verso 05 a 09 onde diz que “o trem danou-se naquelas brenhas/ soltando brasa e comendo lenha/Comendo lenha e soltando brasa/ Tanto queima como atrasa”, percebeu-se que o compositor descreveu como era a vegetação do Maranhão desse período; pois a palavra brenha significa: “mata espessa e emaranhada; matagal” (FERREIRA, 1995). Foi um tempo em que trem era puxado por máquina a vapor cujo combustível era a lenha, soltava uma fumaça preta, brasa e tinha uma grande função social pública: transportar passageiros, animais, cargas, água para as comunidades secas e outros serviços úteis às cidades que ficavam próximas às linhas do trem. Humberto Pinto de Carvalho, numa crônica “O Trem da Leste” abordou:
As locomotivas, como eram chamadas, receberam diversos apelidos carinhosos: “Maria-Fumaça”, “Chica-Preta”, “Chora-na-Rampa”, “Apita-que-vou”, “Quebra Resguardo” entre muitos outros. Não eram velozes, mas, em ritmo cadente, subiam e desciam no seu caminho de ferro para alcançar o seu destino. Atrasos nos trens de passageiros eram tolerados, mesmo com as habituais desculpas que já partira a muito tempo da estação anterior. O Trem de Ferro com o seu maquinista, que era o real comandante, seu foguista que era o encarregado de manter as fornalhas da máquina a vapor e o Guarda-Freios que corrigia a velocidade dos vagões nas descidas e nas manobras. (CARVALHO, 2010, p. 211).

“Tanto queima como atrasa” foi a expressão usada pelo autor para denunciar o péssimo atendimento de serviço de trem que era oferecido aos usuários, os quais às vezes tinham suas roupas, pertences e até o próprio corpo queimados pelas brasas que saíam da máquina; sem esquecer de falar dos atrasos constantes e a lentidão sobre os trilhos, detalhes que irritavam a todos os passageiros.

(10)  Bom dia, Caxias!
(11)  Terra Morena de Gonçalves Dias. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p.40).

A primeira cidade maranhense citada é Caxias, mencionada como a Terra morena do poeta Gonçalves Dias, grande poeta do Romantismo, autor do poema bastante conhecido “Canção do Exílio”.
Caxias está situada no Leste maranhense; tem uma área de 7.859 quilômetros quadrados e está a uma distância de 360 quilômetros da Capital do Estado do Maranhão. Sua história começa no Século XVII com o movimento de Entradas e Bandeiras ao interior maranhense para o reconhecimento e ocupação das terras às margens do Rio Itapecuru, durante a invasão francesa no Maranhão, principalmente, com o trabalho valoroso dos missionários em busca de almas para a fé cristã. O local onde se acha situada a bela Caxias foi, primitivamente, um agregado de grandes aldeias dos índios Timbiras e Gamelos que conviviam pacificamente com os franceses do Maranhão, em 1615. Os portugueses reduziram tais aldeias à condição de subjugadas e venderam suas populações, como escravos, ao povo de São Luís. (http://www.caxias.ma.gov.br/)

(20)  Boa tarde, Codó!
(21)  Do folclore e do catimbó.
(22)  Gostei de ver cabrocha de bom trato
(23)  Vendendo aos passageiros
(24)  "De comer" mostrando o prato. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 40).

Em seguida foi referenciada a cidade de Codó (20), situada também no Leste maranhense, que está localizada a uma distância de 290 quilômentros da Capital do Estado do Maranhão. Codó passou à condição de cidade no dia 16 de abril de 1896. É cortada pela BR-316 e pela Estrada de Ferra São Luís-Teresina. Notou-se que nessa localidade, como se viu do verso 22 a 24, João dizer que gostou de ver cabroxa de bom trato vendendo aos passageiros "de comer" mostrando o prato. O autor mais uma vez, assim como fez em “Minha História” ressaltou o trabalho informal de mulheres mestiças, da pele escura, de lábios grossos e cabelos pixaim, vendendo comida na estação ferroviária, aos passageiros que ali chegavam ou estavam saindo de viagem. Verifiou-se que as estações de trem funcionavam como um ponto de sobrevivência de muitos maranhenses que não tinham emprego e viviam do comércio ambulante, vendendo as comidas típicas do lugar.
Fator social como este, o trabalho de vendas ambulantes nas estações de trem e metrô, ainda é bastante pertinente às grandes cidades do Brasil, não só nas estações como dentro dos vagões, ou até mesmo sobre as linhas do trem onde se pode afirmar que as pessoas que fazem esse tipo de serviço hoje, são as mesmas da classe social das cabrochas que se referiu João do Vale quando fez sua parada em Codó. Sobre essa realidade social descobriu-se uma reportagem no site de notícias da uol.com.br, uma matéria do jornalista Carlos Madeiro de Maceió, sobre a Feira do Rato:

Os apitos do trem, cerca de 500 metros da Feira do Rato, são a senha para que os feirantes desarmem as barracas e cubram as mercadorias que ficam em cima do trilho. Entre o sinal sonoro e a chegada do trem passam-se menos de dois minutos. Não há correria. "Olha o trem, minha gente", grita o primeiro dos vendedores a ouvir o apito. De forma quase que automática e tranquila, os protagonistas da feira tomam suas precauções sem maiores transtornos. O trem passa e em menos de um minuto tudo está de volta ao mesmo lugar. Essa rotina se repete diariamente na Feira do Rato. Em alguns trechos, os vagões passam a menos de um metro de distância das barracas, o que não assusta mais os comerciantes. "Isso não é carro, meu filho, não tem como desviar de caminho", brinca João de Souza, dono da barraca que vende produtos eletrônicos. Por dia, o trem passa 16 vezes pelo local, oito vezes vindo de Rio Largo, outras oito deixando Maceió. Duas dessas viagens acontecem à noite. Por conta do destaque nacional que já teve, a Feira do Rato atrai turistas. "Volta e meia vem um 'paulista', desses aí, fotografar o trem passar. “Eles ficam sem acreditar”, conta Maria do Carmo, vendedora do Mercado de Artesanato, que fica ao lado da Feira do Rato. De frutas e pássaros a peças de bicicleta e lanchonetes, todos encontram espaço nas ruas apertadas da feira. Enquanto muitos construíram barracas de alvenaria - e terão que deixá-las -, outros apelam para a venda ambulante. É o caso de quem utiliza o trilho do trem para expor os produtos. "É o nosso banco”, brinca o comerciante Ferreira Júnior, que vende ferramentas há mais de cinco anos no local. (MADEIRO, 2009).

(29)  Alô, Croatá!
(30)  Os cearenses acabam de chegar,
(31)  Pros meus irmãos, uma safra bem feliz.
(32)  Vocês vão para pedreiras
(33)  Que eu vou pra São Luís. (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 40).

Do verso 29 a 33 notou-se a chegada do trem em mais uma estação, sendo na cidade de Coroatá, embora na composição esteja grafada Croatá, pois esse era um costume das pessoas sem instrução mudarem a grafia e a pronúncia de determinadas palavras da Língua Portuguesa. Nesta passagem da música, um detalhe chamou muito atenção: quando João do Vale anunciou que os cearenses estavam acabando de chegar, ressaltou na sua obra a questão da migração de pessoas de outros Estados, e o Maranhão nesse período era visto como um lugar muito promissor, que acolheu nordestinos de vários lugares que fugiram da seca. Sobre esta questão, a professora Mestre da Universidade Estadual do Maranhão, Márcia Milena Galdez Ferreira, em seu trabalho de pesquisa sobre “Práticas culturais de migrantes nordestinos no Maranhão”, cita:

A historiografia maranhense registra desde a segunda metade do Século XIX a chegada de levas de migrantes oriundos de outras províncias da região, hoje designada Nordeste. A atração da economia extrativa da borracha em direção à Amazônia e a expulsão da terra natal pelo fenômeno natural das secas periódicas são apontadas consensualmente como explicação para o deslocamento de indivíduos e famílias e da sua fixação, pelo acaso da existência de terras devolutas, no território referido como “Maranhão”. Abordou-se o problema da migração de piauienses, pernambucanos, potiguares, paraibanos e, em maior proporção numérica, de cearenses, especialmente sob a égide da questão da transformação das formas de trabalho no campo, posto que a iminência da desagregação do escravismo imputava a reformulação do eixo produtivo e o advento de novos personagens, os migrantes, ia construindo na prática uma alternativa que vinha sendo estudada no plano teórico por intelectuais e administradores. (FERREIRA, 2010, p.37)

Proveniente de uma região castigada pela seca, João do Vale sabia que, chegando ao Maranhão, esse povo mereceria encontrar em terras maranhenses a esperança de uma vida melhor; por ter a plena consciência de que o nordestino era um povo sofredor. Num gesto de fraternidade aos seus irmãos que acabavam de chegar, desejou-lhes uma safra bem feliz. Ter “Uma safra bem feliz” no sentido literal da frase era quando o homem do campo plantava e tinha o prazer de ver a colheita do produto que plantou mudar a sua vida e de toda a sua família, pois com uma safra bem feliz, o trabalhador rural poderia realizar todos os seus sonhos e ter uma vida digna.  Tem-se, através da obra desse autor o conhecimento de que a cidade de Pedreiras, sua terra natal, recebeu muitos desses cearenses que ali chegaram, fizeram morada até hoje, conforme Márcia Milena Galdez Ferreira narrou em seu trabalho:

Na leva de 58 já havia entre os cearenses referência à cidade de Pedreiras, como um lugar bom de viver, que tinha muito serviço e muita terra disponível. A maioria já saía tendo Pedreiras como destino certo. Outra cidade muito visada pelos migrantes no Maranhão neste período foi Bacabal. Segundo seu Francisco: “As terra não tinha dono não. Só tinha dono as benfeitoria. Se achasse terra sem benfeitoria podia se apossar dessa terra.” Desde a década de 1930 o Maranhão era representado como uma espécie de Eldorado, um paraíso onde não faltava inverno, terra e serviço. Essa imagem de paraíso é tributada a Pedreiras pela memória de migrantes que ouviam desde sua terra natal falar das benesses da dita “princesa do Mearim. (FERREIRA, 2010, p. 32).

(34)  O trem danou-se
(35)  Naquelas brenhas... (VALE, 1981 apud KRAUSE, 2008, p. 40).

Ainda hoje o trem do poeta continua sendo essa locomotiva que leva e traz sonhos de esperanças, fazendo história, transportando pessoas, riquezas, cortando caminhos, cidades e incitando poesia, pois, se o trem que inspirou o compositor e causou nesse a emoção da poesia, no cantor e compositor Chico Viola, que também é filho de Pedreiras, o trem da vida que passa e deixa saudade foi motivo de inspiração, causando-lhe essa obra musical-poética:

O Momento do Cantador
(Chico Viola e Santiago)

Nasce mais uma no trem.
Será que nos outros têm
Motivo pra se compôr?
No trem também  poesia
Há de alegrar, lá rá
Caminhos do cantador.

Um gravador não pode faltar
Sem que grave o que se dirá
Num momento de inspiração,
Grave é a nota que se dará
Gravemente revelará
La ra rá da nossa canção.

Um violão na mão também
Não se ausentará se não
A canção que vem não  fluirá, lá
Harmonizando, poetizando
e cantando, versando
Trocadilhando palavras.
Um gravador não pode faltar
Sem que grave
O momento do cantador
Grave é a nota que se dá
grave em mente
O la ra do compositor. (VIOLA; SANTIAGO, 1998).  

No CD que Chico Buarque produziu, em reconhecimento ao talento do compositor, intitulado João Batista do Vale, pela gravadora BMG, em 1994, a música “De Teresina a São Luis” foi gravada pelo cantor Alceu Valença.

Orós II
(01)   Não é só falar de seca
(02)   Não tem só seca no sertão.
(03)   Quase acabava meu mundo
(04)   Quando o Orós impanzinô
(05)   Se rebentasse matava
(06)   Tudo que a gente plantô.
(07)   Se não é seca é enchente
(08)   Ai, ai, como somo sofredô
(09)   Eu só queria saber
(10)   O que foi que o Norte fez
(11)   Pra vivê nesse pená
(12)   Todo nortista é devoto
(13)   Não se deita sem rezar.
(14)   Se não é seca, é enchente, dotô
(15)   Que explicação me dá ?
(16)   Se o sulista se zangar
(17)   Dele eu não tiro a razão
(18)   Lá vem a mesma cunversa
(19)   Ou ajuda teu irmão
(20)   É triste um caboclo forte, dotô,
(21)   Ter que estender a mão
(22)   Não é só falar de seca
(23)   Não tem só seca no sertão. (VALE, 1982).

Orós é o nome de uma cidade que está situada no Estado do Ceará, localizada na micro-região de Iguatu, mesorregião do Centro Sul cearense a 450 quilômetros de Fortaleza. É a terra natal do famoso cantor e compositor Raimundo Fagner, que foi parceiro, amigo e intérprete de algumas canções de João do Vale.
A canção acima, de João do Vale que se  analisou não se trata da cidade, e sim, do Açúde Orós, da sua grandeza e importância como fonte de vida e riqueza para aquela região; que fica no Município de mesmo nome, sendo o segundo maior do Brasil, atrás apenas do Castanhão. Sobre o açúde do Orós, Francisco Gonçalves de Aguiar, em seu livro “Estudo hidrométrico do Nordeste brasileiro” afirma:

A finalidade da construção do açude era a perenização do Rio Jaguaribe, irrigação do médio e baixo Jaguaribe, piscicultura, culturas agrícolas de áreas de montante, turismo e aproveitamento hidrelétrico. Sua história remonta na época do Brasil Império, quando várias secas se sucederam, dizimando um número grande de pessoas e animais. Represar o rio Jaguaribe e fazê-lo perene surgiu como a alternativa mais viável para solucionar o problema da escassez de água no sertão cearense. (AGUIAR, 1978).
           
(01)   Não é só falar de seca
(02)   Não tem só seca no sertão. (VALE, 1982)

Os versos iniciais têm como finalidade dizer aos brasileiros das regiões do Sul e Sudeste, que tem uma péssima mania preconceituosa de pensar que o Nordeste só tem pobreza e miséria, que no sertão nordestino não há apenas seca: “Não é só falar de seca, não tem só seca no sertão”. Diante da grandeza da letra da música, onde foi feito pelo autor todo um enredo de uma realidade vivida pelo povo da cidade de Orós e região, questionou-se: como um homem semi-analfabeto como João do Vale foi capaz de fazer composições ao falar de forma simples, de temas que também foram abordados por vários estudiosos e intelectuais do país?

(03)   Quase acabava meu mundo
(04)   Quando o Orós impanzinô
(05)   Se rebentasse matava
(06)   Tudo que a gente plantô.
(07)   Se não é seca é enchente
(08)   Ai, ai, como somo sofredô. (VALE, 1982).

De acordo com os versos 03 a 06 vê-se que a canção retrata que nos fenômenos da Natureza: seca ou enchente, ambas trazem prejuízos ao homem do campo, a ponto, muitas vezes, de levá-lo à morte. Se antes o problema daquela região cearense era a seca, agora seria a enchente, pois caso a barragem rebentasse as suas paredes ou comportas, tudo seria  destruído, causando a mesma desgraça que às vezes causou a seca. Por isso a sua afimarção, quando disse nos versos (07) e (08): “Se não é seca é enchente/Ai, ai, como somo sofredô”.

(09)   Eu só queria saber
(10)   O que foi que o Norte fez
(11)   Pra vivê nesse pená
(12)   Todo nortista é devoto
(13)   Não se deita sem rezar. (VALE, 1982).

Não é propósito desse trabalho análisar assuntos religiosos ou culturais presentes na obra de João do Vale, e sim, sociopolítico, mas o que se pode perceber é que, devido a fé e a grande religiosidade do povo do sertão nordestino, o autor questinou, como se vê do verso 09 a 13 “Eu só queria saber/ O que foi que o Norte fez/ Pra vivê nesse pená/ Todo nortista é devoto/ Não se deita sem rezar”.
Entende-se que pensava o autor, segundo a sua crença religiosa, que os acontecimentos fenomenológicos têm alguma coisa a ver com que o homem do sertão pode ter feito algo que contrariasse a Deus, e por isso, estaria ele sendo castigado. Passagens como essas podem ser vistas em outras múscias como se pode ver em “Súplica Cearense”, de autoria de Gordurinha e Nelinho que foi gravada por Luiz Gonzaga:

Oh! Deus, perdoe este pobre coitado/ Que de joelhos rezou um bocado/ Pedindo pra chuva cair sem parar/ Oh! Deus, será que o senhor se zabgou/ E só por isso o sol arretirou/ Fazendo cair toda chuva que há/ Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho/ Pedir pra chover, mas chover de mansinho/ Pra ver se nascia uma planta no chão/ Oh! Deus, se eu não rezei direito, o Senhor me perdoe/ Eu acho que a culpa foi/ Desse pobre que nem sabe fazer oração/ Meu Deus, pordoe eu encher os meus olhos de água/ E ter-lhe pedido cheinho de mágoa/ Pro sol inclemente se arretirar/ Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno/ Desculpe eu pedir para aacabar com o inferno/ Que sempre queimou o meu Ceará. (GORDURINHA; NELINHO, 1978).

(16)   Se o sulista se zangar
(17)   Dele eu não tiro a razão
(18)   Lá vem a mesma cunversa
(19)   Ou ajuda teu irmão
(20)   É triste um caboclo forte, dotô,
(21)   Ter que estender a mão. (VALE, 1982).

Foi do verso 16 a 21 que se encontrou a verdadeira essência da obra, ou seja, o ponto mais marcante, de cunho social e político, dentro da temática desse trabalho monográfico: “Se o sulista se zangar/ Dele eu não tiro a razão/ Lá vem a mesma conversa/ Ou ajuda teu irmão/ É triste o caboclo forte, dotô/ Ter que estender a mão.”
Sempre que nas músicas de João do Vale ele se refere a “dotô”, pensa-se que “dotô” será sempre uma metáfora para chamar a atenção dos governantes, da mesma forma que se analisou na composição “Minha História”.
Já se comentou anteriormente que o sulista sempre teve uma imagem negativa e preconceituosa dos nordestinos.
No entanto, foram as grandes catástrofes naturais ocorridas no Nordeste: seca e enchente que fizeram com que os nordestinos passasem a ter uma “fama” de povo pedinte e carente por parte dos sulistas. Eis a razão do autor concordar com os mesmos, um nordestino forte, viver pedindo ajuda. Mas quando João se dirigiu ao “dotô”, estava falando para os políticos da região que sempre fizeram da seca e da enchente do Nordeste uma indústria, um bom negócio para eles encherem os bolsos com o dinheiro que o Governo Federal manda para as causas sociais dos lugares que sofrem com esses problemas.

Enchentes e secas: excelentes mecanismos de aparição e obtenção de votos. Com a tragédia que se abateu sobre diversos municípios pernambucanos por conta das fortes chuvas, o que não falta é político interessado em resolver a questão. A estratégia é a de sempre, visitam áreas afetadas, prometem ajuda, indignam-se com a situação de miséria da população pobre, fazem discursos inflamados, alguns até choram... entre outras encenações. Instituições e grandes empresas fazem campanhas para doações de gêneros necessários à sobrevivência humana, realizam caridade com recursos alheios, mas, basta a poeira, ou melhor, a 'chuva baixar' e tudo volta ao 'normal'. Os pobres que são os mais afetados em situações catastróficas permanecerão morando em encostas de morros, em terrenos alagadiços, e em outros locais inóspitos de se habitar. Continuarão juntamente com os fenômenos naturais sendo responsabilizados pela sua própria desgraça. Assim como acontece com as secas no Sertão nordestino, a manutenção da miséria intensificada com as enchentes, é uma questão política. Aos marginalizados sociais, resta apelar para a ajuda dos céus e aceitar que tudo é vontade divina. (ALBÊNIA, 2010).

A música Orós II foi gravada pelo cantor cearense Raimundo Fagner, em um disco vinil que foi lançado no ano de 1982, pela gravadora CBS.

Rojão de Brasília

(01)    Meu Brasil tá costruindo
(02)    Mais uma nova cidade
(03)    O que antigamente foi sonho
(04)    Hoje é uma realidade.

(05)    Tá ficando povoado
(06)    Todo meu Brasil Central
(07)    Riqueza, progresso e glória
(08)    Trouxe a nova Capital.

(09)   A gente vê em Brasilia
(10)   Estrada que não tem fim
(11)   Pergunta para os Candangos
(12)   Eles respondem assim:
(13)   Aquela vai pra São Paulo
(14)   Rio Grande e Paraná.
(15)   Aquela pra Pernambuco
(16)   A outra vai pro Pará.
(17)   Vai cortando mata virgem
(18)   Que nem o sol penetrou
(19)   Ligando o Norte ao Sul
(20)   Nosso Brasil, nosso amor.
(21)   O planalto era tão lindo
(22)   Que a gente tem impressão
(23)   Que ali bem pertinho
(24)   O céu encosta no chão.

(25)   Quem tiver de mala pronta
(26)   Pode ir que se dá bem
(27)   Leve todos cacarecos
(28)   Leve seu xodó também
(29)   Esse conselho e pros homens
(30)   Porque mulher lá não tem. (VALE, 1958 apud OLIVEIRA, p. 62).

“Rojão de Brasília” é uma canção que João do Vale fez em parceria com Jackson do Pandeiro no período da construção de Brasília, mas só foi lançada em 1961, fazendo muito sucesso em todo o Brasil, pois foi gravada na voz de Jackson do Pandeiro, esse que também fez nome na história da Música Popular Brasileira.

(01)    Meu Brasil tá costruindo
(02)    Mais uma nova cidade
(03)    O que antigamente foi sonho
(04)    Hoje é uma realidade. (VALE, 1958 apud OLIVEIRA, p. 62).

Conforme os versos acima (01 a 04),  notou-se que a canção retratou, na época, a construção de uma nova cidade, que foi um grande sonho do seu idealizador, mas que somente se tornou realidade com muito esforço e trabalho de muitos nordestinos que saíram das suas cidades para trabalhar num projeto audacioso, que foi a construção daquela que se tornou a Capital do Brasil. A historiadora Thais Pacievitch, como se vê, dá mais detalhes históricos sobre a fundação da cidade de Brasília:

Brasília foi construída (as obras começaram em novembro de 1956, depois de Juscelino sancionar a lei nº 2.874) a fim de ser a nova Capital do Brasil. A idéia era transferir a Capital do Rio de Janeiro para o interior do país. Ao transladar a capital para o interior, o Governo pretendia povoar aquela região. Pessoas de todo o país, especialmente do Nordeste (chamadas de candangos, que quer dizer ordinários), foi contratada para a construção da cidade, inaugurada no dia 21 de abril de 1960 por Juscelino Kubitschek. Nesta época, o centro cívico da cidade já tinha sido totalmente construído (Palácio do Governo, Catedral, Edifícios dos Ministérios, Parlamento, Palácio da Justiça etc.). Brasília custou cerca de um bilhão de dólares. Este custo extremamente elevado deveu-se, em parte, a ausência de estradas de ferro e de rodovias bem traçadas para levar o material de construção. A solução foi transportar o material de construção por via aérea, fato que encareceu muito o custo das obras.A construção de Brasília demorou quase quatro anos, mas depois de três anos a maioria dos seus principais edifícios estava pronta, dentre os quais o Palácio da Alvorada, primeiro prédio da Capital construído em concreto armado, a primeira construção de estrutura metálica (material trazido dos Estados Unidos) foi o Brasília Palace Hotel.A partir de 1960, iniciou-se a transferência dos principais órgãos do Governo Federal para a nova Capital com a mudança das sedes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Lúcio Costa foi o principal urbanista da cidade. Oscar Niemayer, amigo próximo de Lúcio, foi o principal arquiteto da maioria dos prédios públicos e Roberto Burle Marx foi o responsável pelo paisagismo. Kubitschek, que foi um governante de orientação socialista, reuniu um grupo de profissionais de uma mesma tendência política. Este grupo tentou desenvolver um modelo de cidade utópica onde se pretendia eliminar as classes sociais. Por este motivo, a cidade ficou conhecida como capital da esperança (nome dado pelo escritor francês André Malraux. É claro que tal objetivo não foi cumprido, mas, durante a construção da cidade, foi uma realidade, visto que todos compartilhavam da mesma comida e dos mesmos acampamentos. (PACIEVITCH, 2008).

(05) Tá ficando povoado
(06) Todo meu Brasil Central
(07) Riqueza, progresso e glória
(08) Trouxe a nova Capital. (VALE, 1958 apud OLIVEIRA, p. 62).

Analisando os versos de 05 a 08, as primeiras impressões que se teve ao lançar o olhar de analista na composição “Rojão de Brasília” foi a transformação da paisagem por conta do progresso que estava chegando para transformar uma determinada localidade ainda rural e primitiva para dar lugar a uma nova paisagem, bem diferente, substituindo a beleza natural pela artificial, conforme ainda se pode observar nos versos 17 e 18:  “Vai cortando mata virgem/ Que nem o sol penetrou”.

(21)  O planalto era tão lindo
(22)  Que a gente tem impressão
(23)  Que ali bem pertinho
(24)  O céu encosta no chão. (VALE, 1958 apud OLIVEIRA, p. 62).

João do Vale foi semi-analfabeto e sem instrução escolar como se viu na sua biografia, mas era dotado de uma sensibilidade poética e de uma consciência política muito grande, a tal ponto de lamentar a verdadeira beleza do planalto que desapareceria, conforme mostram os versos de 21 a 24, em que se  lamenta a chegada do progresso que causou a destruição da beleza natural.

(25)   Quem tiver de mala pronta
(26)   Pode ir que se dá bem
(27)   Leve todos cacarecos
(28)   Leve seu xodó também
(29)   Esse conselho e pros homens
(30)   Porque mulher lá não tem. (VALE, 1958 apud OLIVEIRA, p. 62).

A música mostrou que o que aconteceu com a fundação de Brasília contrariou a evolução social do que aconteceu com as outras cidades, pois estas geralmente surgiram de forma natural; evoluíram até alcançar de forma paulatina, o desenvolvimento social, econômico e cultural a que chegaram.
Há na música, conforme os versos de 25 a 30, um incentivo de forma empolgante para que as pessoas de todo o país naquela época, corressem para a nova cidade que estava sendo construída, com o slogan de que lá qualquer um podeira se dar bem, coisa que não aconteceu com o poeta, pois ali não estava a sua sorte, nem o que ele sonhava para si.

Uricuri (O segredo do sertanejo)
(01) Uricuri madurou ô é sinal
(02)  Que arapuá já fez mel
(03)  Catingueira fulôro lá no sertão
(04)  Vai cair chuva granel.
(05)  Arapuá esperando
(06)  Oricuri "maduricer"
(07)  Catingueira fulôrando sertanejo
(08)  Esperando chover.

(09)  Lá no sertão, quase ninguém tem estudo
(10)  Um ou outro que lá aprendeu ler
(11)  Mas tem homem capaz de fazer tudo, doutor,
(12)  E antecipa o que vai acontecer.
(13)  Catingueira fulora vai chover
(14)  Andorinha voou vai ter verão
(15)  Gavião se cantar é estiada
(16)  Vai haver boa safra no sertão.

(17)  Se o galo cantar fora de hora
(18)  É mulher dando fora pode crer
(19)  A cauã se cantar perto de casa
(20)  É agoro é alguém que vai morrer
(21)  São segredos que o sertanejo sabe
(22)  E não teve o prazer de aprender ler.
(23)  Uricuri madurou ô é sinal
(24)  Que arapuá já fez mel. (VALE, 1981 apud OLIVEIRA, 1998, p. 43).

Uma canção com uma letra muito rica e carregada de conhecimentos empíricos que segundo o autor, só quem os tem é o homem sertanejo, visto que tal dom só é adquirido pelos longos anos de convivência com a terra, o chão e o seu bucólico lugar. A música tem o subtítulo de “O segredo do Sertanejo”, e João do Vale por também ter sido um homem da roça, um sertanejo da região nordestina, aprendeu todos esses segredos e depois os revelou para o mundo através da sua arte. O que se percebeu e mereceu ser destacado foi a questão do poeta, além de ter experimentado esses conhecimentos na prática, depois os transformou em “teoria” através da música, embora os conhecimentos citados na canção não tenham nenhuma verdade de cunho científico, não deixam de ter a sua crença pelo homem sertanejo.

(01) Uricuri madurou ô é sinal
(02) Que arapuá já fez mel
(03) Catingueira fulôro lá no sertão
(04) Vai cair chuva granel. (VALE, 1981 apud OLIVEIRA, 1998, p. 43).

Focando-se somente no título da música, a priori, a ideia que se fez foi a de que o compositor se referiu somente a Uricuri (frutos de uma palmeira), mas depois se observou que o compositor citou outras fontes responsáveis pelo saber empírico do homem sertanejo como: arapuá (abelha), catingueira (árvore), andorinha (pássaro), gavião (ave), galo (ave) e cauã (pássaro). Segundo a sabedoria popular, a mudança de comportamento dessas espécies animais ou vegetais faz com que o caboclo faça uma leitura do seu mundo, já que não aprendeu a ler nos livros.

(09)  Lá no sertão, quase ninguém tem estudo
(10)  Um ou outro que lá aprendeu ler
(11)  Mas tem homem capaz de fazer tudo, doutor,
(12)  E antecipa o que vai acontecer. (VALE, 1981 apud OLIVEIRA, 1998, p. 43).
                       
Tais segredos narrados pelo compositor fazem parte da cultura e da crença popular, pois embora essas revelações não tenham sido estudadas pela ciência, pode-se confirmar a verossimilhança desses fatos que a Natureza revelou, e que só o sertanejo foi capaz de descobrir por viver tão próximo à mesma. O sertanejo, esse ser discriminado, marginalizado e vítima de todos os preconceitos impostos pela sociedade, que não teve o prazer de aprender ler, por razões de não ter tido acesso à escola, foi merecedor de herdar a capacidade de ler os fenômenos da Natureza, coisa que os doutores não foram capazes. A esses conhecimentos que João do Vale relatou em sua obra, pode-se afirmar se tratar-se de conhecimentos populares, conforme à visão de Lakatos:

O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso comum, não se distingue do conhecimento científico nem pela veracidade nem pela natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma, o modo ou o método e os instrumentos do “conhecer”. Saber que determinada planta necessita de uma quantidade “X” de água e que, se não a receber de forma “natural”, deve ser irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovável, mas, nem por isso, científico. Para que isso ocorra, é necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de desenvolvimento e as particularidades que distinguem uma espécie da outra. Portanto, a ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade. (LAKATOS; MARCONI, 1995, p. 37)
                                  
Segundo Locke, “nada pode existir na mente que não tenha passado antes pelos sentidos”; por isso, a análise que se faz da música “Uricuri” é a percepção do mundo externo, e a abstração de tudo que se passa na realidade exercida pela mente humana é o que faz esse ser adquirir sabedoria, segundo o que se compreendeu sobre empirismo de acordo com o teórico citado. É impressionante a capacidade que o homem sertanejo tem de, através dos seus simples conhecimentos, fazer uma relação do que ocorre no seu espaço geográfico-natural e traduzir essa convivência, sabedoria popular que, para muitos podem ser apenas detalhes e crendices, mas que para o sertanejo, pode funcionar como uma forma de viver melhor e compreender a vida.

Sina de Caboclo

(01) Mas plantar prá dividir
(02) Não faço mais isso, não.
(03) Eu sou um pobre caboclo,
(04) Ganho a vida na enxada.

(05) O que eu colho é dividido
(06) Com quem não planta nada.
(07) Se assim continuar
(08) Vou deixar o meu sertão,
(09) Mesmo os olhos cheios d'água
(10) E com dor no coração.
(11) Vou pro Rio carregar massas
(12) Pros pedreiros em construção.
(13) Deus até está ajudando:
(14) Está chovendo no sertão!
(15) Mas plantar...
(16) Quer ver eu bater enxada no chão,

(17) Com força, coragem , com satisfação?
(18) É só me dar terra prá ver como é:
(19) Eu planto feijão, arroz e café;
(20) Vai ser bom prá mim e bom pro doutor.
(21) Eu mando feijão, ele manda trator.
(22) Vocês vai ver o que é produção!
(23) Modéstia à parte, eu bato no peito:
(24) Eu sou bom lavrador! (VALE, 1981 apud, SILVA, 1998, p. 18).

A canção “Sina de Caboclo”, nos seus versos iniciais 01 e 02, demonstrou a insatisfação do produtor rural com a sua triste situação: a de plantar e dividir o seu produto com quem não plantou nada.
É muito estranho, e não soa nada bem aos ouvidos, escutar-se da boca de um sertanejo, um homem simples, ele dizer que não irá mais plantar para dividir com ninguém. Parece ideia de quem é egoísta e não tem espírito de fraternidade. Mas, por outro lado, ao se descobrir os motivos de tal atitude, dar-se-á razão quando o mesmo justifica que não fará mais isso, porque acaba plantando e dividindo com quem não plantou nada.
O compositor mostrou a sina do homem do campo, que é a de não ser valorizado, pois o camponês que trabalha o ano todo, realizando serviço pesado, mão na enxada, sob um sol escaldante, alimentando-se mal, morando em casas paupérrimas etc.; e na hora de colher o áureo desse trabalho, tem a infelicidade de dar a metade do seu produto para o dono da terra que nada fez.
Essa prática de plantar e ter que dividir com o dono da terra, ainda hoje é uma realidade que se vê no interior do Maranhão.
Isso, às vezes, se dá até com mulheres camponesas que colhem o babaçu, fruto de uma palmeira nativa e típica do Estado do Maranhão; pois muitas quebradeiras de coco se sujeitam a entregar ao fazendeiro a metade do coco que quebram dentro da terra do latifundiário.
Sobre essa questão, Jesoaldo Lima Rêgo e Maristela de Paula Andrade, em seu trabalho “História de mulheres: breve comentário sobre o território e a identidade das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão”, relataram sobre essa problemática:

Na década de 1970, essas referidas políticas territoriais governamentais de maior impacto na vida camponesa, podem ser caracterizadas pela efetivação de ações voltadas objetivamente para o incentivo fiscal de projetos agropecuários. A chamada “Lei Sarney”, por exemplo, na verdade a Lei Estadual de Terras Nº 2979, de 17 de julho de 1969, contribuiu muitíssimo para o avanço da pecuária no Maranhão, pois foi a legitimadora da distribuição de milhares de hectares de terras públicas a particulares, sob a alegação da existência de “terras devolutas”. Nisso, a grilagem das terras, associada ao avanço da pecuária, levou as famílias camponesas a uma condição de submissão que culminaria em uma situação de conflito, evidenciando o problema da concentração de terras e da restrição de acesso aos babaçuais. Na região do Médio Mearim fortes conflitos foram travados, principalmente na década de 1980, tendo como foco de resistência centenas de famílias camponesas que lutaram, e lutam, dentre alguns outros motivos, contra a submissão causada pela apropriação das terras por grandes proprietários. A redução brusca do estoque de terras disponíveis à agricultura camponesa e ao extrativismo fez surgir, além de um confronto direto com vaqueiros, capangas, milícias privadas a serviço daqueles proprietários e policiais, outras formas de relações econômicas, além de situações conflitantes no momento das práticas extrativistas. (RÊGO; ANDRADE, 2006, p. 48-49)

(14) Está chovendo no sertão!
(15) Mas plantar...
(16) Quer ver eu bater enxada no chão,
(17) Com força, coragem, com satisfação?
(18) É só me dar terra prá ver como é:
(19) Eu planto feijão, arroz e café;
(20) Vai ser bom prá mim e bom pro doutor.
(21) Eu mando feijão, ele manda trator.
(22) Vocês vai ver o que é produção!
(23) Modéstia á parte, eu bato no peito:
(24) Eu sou bom lavrador! (VALE, 1981 apud, SILVA, 1998, p.18).

O sertanejo de “Sina de caboclo”, o homem nordestino do campo, não é de forma alguma esse ser acomodado e preguiçoso, como já foi apregoado e virou estereótipo criado pelos sulistas, pois nos versos 14 a 24 vê-se o trabalhador bater no peito e dizer que modéstia à parte ele é um bom lavrador; porém, para que ele possa trabalhar com satisfação, é preciso que ele tenha incentivo e o seu trabalho valorizado.
O apoio que João do Vale reivindicou na música ao homem do campo, traduzindo aos dias de hoje, é a tal Reforma Agrária, projeto político que nunca saiu do papel, que tem como finalidade dar apoio tecnológico e social ao homem do campo, mas infelizmente nunca passou de utopia. Wagner de Cerqueira e Francisco, graduados em Geografia, dão sua opinião sobre esta questão, conforme se pode constatar abaixo:

A reforma agrária tem por objetivo proporcionar a redistribuição das propriedades rurais, ou seja, efetuar a distribuição da terra para realização de sua função social. Esse processo é realizado pelo Estado, que compra ou desapropria terras de grandes latifundiários (proprietários de grandes extensões de terra, cuja maior parte aproveitável não é utilizada) e distribui lotes de terras para famílias camponesas. Conforme o Estatuto da Terra, criado em 1964, o Estado tem obrigação de garantir o direito o acesso à terra para quem nela vive e trabalha. No entanto, esse estatuto não é posto em prática, visto que várias famílias camponesas são expulsas do campo, tendo suas propriedades adquiridas por grandes latifundiários. No Brasil, historicamente há uma distribuição desigual de terras. Esse problema teve início em 1530, com a criação das capitanias hereditárias e do sistema de sesmarias (distribuição de terra pela Coroa portuguesa a quem tivesse condições de produzir, tendo que pagar para a Caroa um sexto da produção). Essa política de aquisição da terra formou vários latifúndios. Em 1822, com a independência do Brasil, a demarcação de imóveis rurais ocorreu através da lei do mais forte, resultando em grande violência a concentração de terras para poucos proprietários, sendo esse problema prolongado até os dias atuais. A realização da reforma agrária no Brasil é lenta e enfrenta várias barreiras, entre elas podemos destacar a resistência dos grandes proprietários rurais (latifundiários), dificuldades jurídicas, além do elevado custo de manutenção das famílias assentadas, pois essas famílias que recebem lotes de terras da reforma agrária necessitam de financiamento com juros baixos para compra de adubos, sementes e máquinas. Os assentamentos necessitam de infraestrutura, entre outros aspectos. Porém, é de extrema importância a realização da reforma agrária no país, proporcionando terra para a população trabalhar, aumentando a produção agrícola, redução das desigualdades sociais, democratização da estrutura fundiária. (CERQUEIRA; FRANCISCO, 2010)

Portanto, viu-se no texto acima que por razões da política agrária não funcionar de acordo como rege a Lei da Reforma Agrária, muitos dos trabalhadores rurais migraram para as grandes cidades, causando o inchaço nas metrópoles e contribuindo para o caos social: violência, desemprego, favelas, mendigos, morador de rua, trabalho informal etc.

(07) Se assim continuar
(08) Vou deixar o meu sertão,
(09) Mesmo os olhos cheios d’água
(10) E com dor no coração.
(11) Vou pro Rio carregar massas
(12) Pros pedreiros em construção. (VALE, 1981 apud, SILVA, 1998, p. 18).

Questões sociais como essas que foram citadas, João referenciou nos versos 07 a 12, quando disse que por causa da não assistência ao sertanejo, esse saiu do sertão e se mandava para a cidade grande, onde, lá chegando, sem profissão e analfabeto, sujeitava-se a fazer qualquer tipo de serviço para sobreviver.

Todos Cantam Sua Terra
(01)   Todo mundo canta sua terra
(02)   Eu também vou cantar a minha
(03)   Modéstia à parte seu moço
(04)   Minha terra é uma belezinha
(05)  A praia do Olho d’Água
(06)   Lençóis e Aracagi
(07)   Praias bonitas assim
(08)   Eu juro que nunca vi.

(09)   Minha terra tem beleza
(10)   Que em versos não sei dizer
(11)   Mesmo porque não tem graça
(12)   Só se vendo pode crer
(13)   Acho bonito até
(14)   O jornaleiro a gritar imparcial
(15)   Diário
(16)   Olha o Globo
(17)   Jornal do povo descobriu outro roubo
(18)   E os meninos que vendem derrê sol a cantar
(19)   Derrê sol derrê ê ê ê ê ê ê sol
(20)   E fruta lá tem: juçara
(21)   Abricó e buriti
(22)   Tem tanja, mangaba e manga
(23)   E a gostosa sapoti
(24)   E o caboclo da maioba
(25)   Vendendo bacuri
(26)   Tinha tanta coisa pra falar
(27)   Quando estava fazendo esse baião
(28)   Que quase me esqueço de dizer
(29)   Que essa terra tão linda é o Maranhão
(30)   Ô Maranhão, ô Maranhão. (VALE, 1978)

Quando João do Vale fez essa canção para falar da sua terra, o Maranhão, a observação crítica que se fez logo de entrada foi a de que o composiotor fora bastante romântico. Viu-se que foi também muito generoso com os governantes daquela época, e que por sinal ainda são os mesmos de hoje; pois falou do seu Estado de uma forma mais poética do que numa visão realista, fato que chamou muito atenção quando se fez essa análise, já que a maioria das suas composições foram de cunho social-crítico e denunciativo.

(01)   Todo mundo canta sua terra
(02)   Eu também vou cantar a minha
(03)   Modéstia à parte seu moço
(04)   Minha terra é uma belezinha. (VALE, 1982).

Como se vê nos versos iniciais 01 a 04, quando ele disse que a sua terra era uma belezinha, estava naquele momento maqueando uma triste realidade, escondendo todas as mazelas: pobreza, miséria, atraso, corrupção etc, existentes no seu torrão natal, mazelas das quais ele mesmo já tinha sido vítima lá na sua cidade de Pedreiras.

(05)  A praia do Olho d’Água
(06)   Lençóis e Aracagi
(07)   Praias bonitas assim
(08)   Eu juro que nunca vi. (VALE, 1982).

Pensou-se que talvez para não contrariar na época a família “toda poderosa” com quem manteve boas relações de amizade, e que há quase meio século vem mandando no Estado, o poeta teria falado de um Maranhão somente pelo lado da beleza natural: mar, praias (versos 05 a 08), sol, diversisdade de frutas exisentes no lugar (versos 20 a 25) e outros fatores sociais que existem no dia a dia, na cultura e nos costumes do povo maranhense, embora a obra tenha foco exclusivamente na Capital, de acordo como se viu no poema.

(24) E o caboclo da maioba
(25) Vendendo bacuri. (VALE, 1982).

Observou-se um detalhe muito importante na música, que é a comerciliazação das frutas típicas do lugar como meio de fonte de renda, economia e a sobrivivência para o caboclo da Maioba, conforme se viu nos versos 24 e 25.
Compreende-se que dizer tudo de um lugar, a realidade social, de uma cultura de um povo e da sua história numa simples composição é muito difícil, mesmo porque o próprio João do Vale afirmou que “tinha tanta coisa pra falar”, e como não se pretende aqui fazer julgamento de valor do poeta, mas quem sabe, em vez de um poema tivesse sido um livro, ele não teria falado da realidade triste e vergonhosa existente no Estado do Maranhão, conforme mostram os indicadores de pesquisa em vários segmentos políticos e sociais.
Silvia Freire, jornalista da Agência Folha, em uma matéria publicada na Internet, diz que o Maranhão possui alguns dos piores índices sociais do Brasil. Segundo dados do IBGE, com base na Pnda (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2007, o Estado tem a segunda maior taxa de mortalidade infantil do país (39,2 por mil nascidos vivos) e o maior percentual de domicílios urbanos (43%) com renda per capita de até meio salário mínimo. Os maranhenses apresentam a segunda menor expectativa de vida entre os brasileiros: 67,6 anos. A esperança de vida média no Brasil é de 72,7 anos. O Estado tem também o segundo pior PIB per capita do Brasil, segundo o IBGE – atrás do Piauí. (FREIRE, 2009).
(17)  Jornal do povo descobriu outro roubo. (VALE, 1982).

Mas, mesmo assim, há na música uma pitada de ironia e denúncia quando João do Vale diz no verso (17): “Jornal do povo descobriu outro roubo”. No Brasil é comum todos os dias virem estampadas nos jonais manchetes de escândalos de corrupção, desvio de verbas, propinas e todo tipo de ladroagem a apropriação ilícita do dinheiro público por políticos desonestos.
Atitudes como essas é que fizeram e ainda fazem, o Estado do Maranhão ostentar os piores índices sociais do Brasil. Ressaltando  que não se falou de educação, saúde, segurança e desemprego.
A música “Todos cantam a sua terra”, foi gravada na voz da cantora maranhense Alcione, uma artista de grande talento que, como João do Vale, também lutou e conseguiu o seu espaço na Música Popular Brasileira. Alcione, conhecida pela alcunha de “Marrom”, hoje no Maranhão goza de um privilégio de ser amiga íntima da família Sarney, amizade que já perdura muitos anos, por mera coincidência ou não, Alcione foi quem gravou a canção.

Carcará
(01)  Glória a Deus Senhor nas alturas
(02)  E viva eu de amargura
(03)  Nas terras do meu Senhor.

(04) Carcará
(05) Lá no sertão
(06) É um bicho que avoa que nem avião
(07) É um pássaro malvado
(08) Tem o bico volteado quem nem gavião.

(09) Carcará quando vê roça queimada
(10) Sai voando e cantando carcará
(11) Vai fazer sua caçada
(12) Carcará come inté cobra quimada.

(13) Mas quando chega o tempo da invernada
(14) No sertão não tem mais roça queimada
(15) Carcará mesmo assim não passa fome
(16) Os borregos que nasce na baixada

(17) Carcará pega, mata e come
(18) Carcará não vai morrer de fome
(19) Carcará mais coragem do que homem
(20) Carcará pega, mata e come.

(21) Carcará é malvado, é valentão
(22) É a águia de lá do meu sertão
(23) Os burregos novinho não pode andar
(24) Ele puxa no umbigo inté matar.
(25) Carcará pega, mata e come
(26) Carcará não vai morrer de fome
(27) Carcará mais coragem do que homem
(28) Carcará pega, mata e come. (VALE, 1964 apud OLIVEIRA, 1998, p. 35).

Todo e qualquer artista, não importa qual o tipo de arte que ele desenvolva, tem sempre uma obra que é a sua cara, que passa a ser a sua identidade maior. Com João do Vale não foi diferente, pois a música de maior referência do maranhense do século é justamente Carcará, por ter-lhe proporcionado ascensão como artista e lhe firmado como compositor.
A música Carcará foi tão forte na vida de João do Vale que, ao ser lançada, projetou para o Brasil uma cantora de grande talento, Maria Bethania, intérprete da mesma, no Show Opinião que acontecera em 11 de dezembro do ano de 1964.

(04) Carcará
(05) Lá no sertão
(06) É um bicho que avoa que nem avião
(07) É um pássaro malvado
(08) Tem o bico volteado quem nem gavião. (VALE, 1964 apud OLIVEIRA, 1998, p.35).

Nos versos 04 a 08, João inicia falando de uma ave que existe no seu sertão e dá todas as características instintivas do pássoro: voa que nem avião; malvado; bico volteado igual o do gavião; faz caçadas; come cobra queimada; come os borregos; é valentão; pega, mata e come; tem mais coragem do que homem.
Se a obra de João não tivesse sido expressada em forma de poesia, dir-se-ia que o poeta teria falado apenas da ave no sentido denotativo. Mas pela fato de ser uma obra literária, não importa somente o que ele disse, mais ainda vale mais o que a poesia sugere.
Referenciando Moisés, quando diz que se recordarmos que “a palavra polivalente corresponde à metáfora, logo se pode inferir que a poesia é a expressão do “eu” por meio de palavras polivalentes, ou metáforas.”(MOISÉS, 2001, p. 87)
Portanto, aqui não se analisou a obra da forma como o autor se expressou, mas da forma como o analista pode ver, sentir e interpretar como obra literária. Como diz Domício Proença Filho que “longe estamos de penetrar totalmente no mistério do processo criador da poesia”. (PROENÇA FILHO, 2005, p. 14).
A priori, fez-se uma análise-interpetativa apenas do pássaro e descobriu-se que, na obra, o carcará é o foco principal de todo o enredo da narrativa do compositor, e assumiu uma condição de símbolo de um bicho que representa a coragem e maldade juntas na luta pela sobrivência.
Analisando o Carcará dentro da obra de João do Vale, vemos a metáfora do homem que também não é diferente, pois às vezes, tal qual a ave, pega, mata e come. Mas o bicho-homem-carcará se diferencia da águia do sertão, porque nem sempre mata para comer, e sim, por maldade mesmo.
A prova disso é que depois que a música Carcará foi gravada e fez muito sucesso em todo Brasil, virou uma cultura no Nordeste, pois quando alguma pessoa tem instintos crueis, é comum compará-la ou chamá-la de carcará.
O carcará, ave do sertão nordestino, dizem ser um parente distante dos falcões; virou uma metáfora para os corruptos políticos brasileiros, por ser o carcará uma ave que se alimenta de carniças ao lado dos urubus.
Flávio Aguiar, em um texto “Complexo de carcará das elites” faz uma referência acerca do assunto:

O mundo mudou. O carcará já foi um ícone da esquerda brasileira. “Carcará, pega, mata e come! Não vai morrer de fome!” E aí vinha algo assim como que ele ataca os borregos e segura “no umbigo até matá”. E que tinha “mais corage do que home”. A canção era bonita, a metáfora nem tanto. Até porque, tudo bem pesado, naquela época os carcarás eram “eles” e os borregos éramos nós. (AGUIAR, 2010).

A música Carcará, no ano de 1994, foi regravada num CD que Chico Buarque produziu para homenagear o amigo João do Vale, e foi interpretada pelo cantor Edu Lobo.
Porém, foi no ano de 1964 que Carcará ficou conhecida quando da realização do Show Opinião, no Rio de Janeiro. Esse período marcou o início da ditadura militar no Brasil. Como Carcará pode sugerir uma metáfora do homem que comete atrocidades, aqui se assemelha a ave da obra com o Regime Ditatorial que perseguiu, expulsou e matou milhares de cidadãos brasileiros que lutaram contra a ditadura.

(09) Carcará quando vê roça queimada
(10) Sai voando e cantando carcará
(11) Vai fazer sua caçada
(12) Carcará come inté cobra quimada. (VALE, 1964 apud OLIVEIRA, 1998, p.35).

Do verso 09 a 12, vê-se a presença de um costume do homem sertanejo que já vem de muito tempo, que sempre foi causa de prejuízo para o meio ambiente, mas somente agora as autoridades resolveram intensificar o trabalho de conscientização, e penalizando os seus infratores, que são os casos de queimadas.
A cultura de queimadas para “preparar” a terra para o plantio é uma ideia que por muitos anos vem causando grandes consequências ao Planeta Terra.
Na cidade de Pedreiras, Estado do Maranhão, terra do poeta maranhense do século, a Secretaria Municiapal de Meio Ambiente juntamente com a Promotoria de Justiça estão desenvolvendo um trabalho sobre essa questão que João do Vale já denunciava em sua música.

Pisa na Fulô

(01) Pisa na fulô, pisa na fulô
(02) Pisa na fulô
(03) Não maltrata o meu amor.

(04) Um dia desses
(05) Fui dançar lá em Pedreiras
(06) Na rua da Golada
(07) Eu gostei da brincadeira
(08) Zé Cachangá era o tocador
(09) Mas só tocava
(10) Pisa na fulô.

(11) Pisa na fulô, pisa na fulô...

(12) “Seu” Serafim cochichava com Dió
(13) Sou capaz de jurar
(14) Que nunca vi forró mió
(15) Inté vovó
(16) Garrou na mão do vovô
(17) vamos embora meu veinho
(18) Pisa na fulô.
(19) Pisa na fulô, pisa na fulô...
(20) Eu vi menina que nem tinha doze anos
(21) Agarrar seu par
(22) E também sair dançando
(23) Satisfeita, dizendo
(24) "Meu amor ai como
(25) É gostoso pisá na fulô".
(26) Pisa na fulô, pisa na fulô...

(27) De magrugada Zeca Cachangá
(28) Disse ao dono da casa
(29) "Não precisa me pagar
(30) Mas por favor
(31) Arranja outro tocador
(32) Que eu também quero
(33) Pisa na fulô". (VALE, 1981 apud OLIVEIRA, 1998, p. 13).

A canção “Pisa na Fulô” tem na sua composição a presença de um detalhe marcante que de forma alguma se permite fazer uma análise-interpretativa sem que o aborde logo de início: A Estilística.
Sabe-se que a Estilísitica estuda os processos de manipulação da linguagem que permitem a quem fala ou escreve sugerir conteúdos emotivos e intuitivos por meio das palavras. Além disso, estabelece princípios capazes de explicar as escolhas particulares feitas por indivíduos e grupos sociais no que se refere ao uso da língua.
Portanto, baseado nessa definição acima, segundo os gramáticos, fez-se  necessária a interpretação a palavra chave da canção, no caso a Flor, pronunciada por João, como “fulô”, essa que deu todo o enredo, do começo ao fim, para a compreensão sugerida pela mensagem do compositor.
Entende-se dessa forma, que mais uma vez o compositor se utilizou da metáfora para falar de detalhes que, visto sem a pesrpicácia de uma análise crítica, jamais se tirariam conclusões ocultas existentes no âmago do texto.

(01) Pisa na fulô, pisá na fulô
(02) Pisa na fulô
(03) Não maltrata o meu amor. (VALE, 1981 apud OLIVEIRA, 1998, p. 13).

De acordo com os versos iniciais 01 a 03 e outros que se seguem na música 10, 18, 19, 25, 26 e 33, o que se percebeu é que a “fulô” que o compositor se referiu, está relacionada com a questão do ato sexual.
Nos versos a seguir, se vê com mais detalhes o que se afirmou sobre a questão da sexualidade presente na música:

(20) Eu vi menina que nem tinha doze anos
(21) Agarrar seu par
(22) E também sair dançando
(23) Satisfeita, dizendo
(24) "Meu amor ai como
(25) É gostoso pisá na fulô". (VALE, 1981 apud OLIVEIRA, 1998, p. 13).

Nos versos 20 a 25, constatou-se a veracidade da análise-interpretativa que se fez, quando se disse que a “fulô” a que o autor se referiu está na questão do ato sexual, pois se percebeu quando o mesmo citou: “Vi menina que nem tinha doze anos agarrar seu par e também sair dançando satisfeita, dizendo :“Meu amor ai como é gostoso pisá na fulô”.
Percebeu-se que João do Vale é de um tempo em que já havia prostituição de menores; uma época em que as meninas se casavam ou mantinham relação sexual com homens mais velhos.
Na canção “Pisa na Fulô”, João do Vale fez uma denúncia, e sua obra mostra que naquele tempo já havia a pedofilia, mas que era oculta ou não se tomavam providências devido a pouca ou nenhuma consciência sobre essas questões sociais.
(04) Um dia desses
(05) Fui dançar lá em Pedreiras
(06) Na rua da Golada
(07) Eu gostei da brincadeira
(08) Zé Cachangá era o tocador
(09) Mas só tocava
(10) Pisa na fulô. (VALE, 1981 apud OLIVEIRA, 1998, p. 13).

Voltando-se para os versos de 04 a 10 fez-se uma viagem socio-política dentro da composição, pois os trechos acima comprovaram o que se interpretou da canção, devido o local, Rua da Golada, em que o compositor viu esses acontecimentos sociais.
A Rua da Golada, que João se referiu na música, está situada na cidade de Pedreiras, à margem direita do Rio Mearim, a mesma rua que viu João do Vale chegar com 5 anos de idade para morar naquele lugarejo.
Rua da Golada, uma rua bastante popular, que sempre foi muito movimentada devido às inúmeras famílias que lá moram. E ainda, a existência de restaurantes, bares, botecos, quitandas e, também, os prostíbulos que foram e ainda são presentes naquela rua.
O poeta e escritor Samuel de Sá Barrêto, membro da Academia Pedreirense de Letras, no seu livro de crônicas, intitulado “A rua da Golada e sua identidade” relata uma das versões da origem do nome da rua da Golada:

(...) Mas a questão em debate neste momento é a Rua da Golada, este pedaço de chão cheio de poesia, sangue, história e de dupla identidade. Muito se comenta qual a verdadeira origem do nome Rua da Golada. Os mais antigos dizem que tempos atrás, quando em Pedreiras ainda não tinha luz elétrica, e as principais vias de transportes eram as embarcações nas águas sagradas do Rio Mearim, existiam por ali, muitos bares e cabarés, que varavam as madrugadas em pleno funcionamento. Em uma madrugada dessas, aconteceu um fato que até hoje ninguém conseguiu provar a sua veracidade. Quando a lua já se escondia, dando lugar para os primeiros raios de sol, os caboclos que vinham das comunidades, Santa Emília e Barriguda dos Ninas vender as suas produções,  no mercado central de Pedreiras, encontraram uma bela jovem degolada nas margens do Rio Mearim [...] (BARRÊTO, 2009, p.30).

Como se viu, quando se fez uma comparação da crônica do escritor Samuel Barrêto com a canção do compositor, observou-se que João do Vale retratou na sua obra justamente aquilo que ele viu, conviveu e sentiu quando ainda menino, a de ser testemunha viva de uma Rua da Galoda, palco de alegria e frequentada pelos boêmios da cidade de Pedreiras.
O compositor, quando se referiu à Rua da Golada, deixou bem claro que a mesma está situada na cidade de Pedreiras, e o que se pode notar era o amor que João do Vale tinha pela sua terra natal, pois Pedreiras e os amigos que ali conheceu, estão todos presentes em algumas canções que escreveu.
Outro detalhe muito importante que se observou na música “Pisa na Fulô” foi a forma simples e o linguajar coloquial com que João do Vale se referiu aos mínimos detalhes da vida.
As pessoas que citou nas suas músicas foram as mais humildes da cidade, uma prova de que o compositor vivia arredio da elite da sua terra, embora essa lhe tivesse admiração e respeito.

Pipira

(01) Mané, tem um viveiro
(02) Tem passarinho de toda qualidade
(03) Zabelê, canário, corrupião
(04) Pipira, sábia, tem azulão.

(05) Rosinha, por lá brincando
(06) Pipira, lhe beliscou
(07) O dedo inchava, ela chorava
(08) Ai ai, ai dor.

(09) “O que é menina?
(10) “Foi a pipira de Mané que biliscou.”
(11) “O que é menina?
(12) “Foi a pipira de mané que biliscou.”

(13) Já vi menina da carne reimosa
(14) Pipira do bico venenoso
(15) Deixou todo mundo em alvoroço.
(16) E a menina tá inchando
(17) Do dedo até o pé do pescoço
(18) E a menina tá inchando
(19) Do dedo até o pé do pescoço.

(20) Se ouvia disso lá no bacabal
(21) Ninguém pode ver outro engordando
(22) Censura, ai meu Deus que é um horror.

(23) E fica o povo comentando
(24) Mais uma que a pipira beliscou
(25) E tu também ta engordando
(26) Mais uma que a pipira biliscou
(27) E tu também tá engordando
(28) Mais uma que a pipira biliscou. (VALE, 1981 apud PASCHOAL, 2000, p. 222)

Descobriu-se que uma das características fortes da música de João do Vale era a presença marcante da ambiguidade, ou seja, a sua obra tem o tempero da malícia, do duplo sentido, do humor e da piada, mas todas com um toque requintado de respeito, sem desprezar ou ridicularizar qualquer que seja a pessoa, a sua raça, crendice ou mesmo a ideologia partidária ou religiosa.
Embora tenha em suas músicas o lado do humor, mesmo assim João do Vale aproveitou a sua obra para dar um recado e fazer uma denúncia das questões sociais, com os seus temas engajados com o social.
Dentre as várias canções nessa linha, “Pipira” foi a que se escolheu para fazer parte desse trabalho de análise-interpretativa acerca das obras de João. Na música “Pipira”, mais uma vez se observou que aqui o compositor abordou a questão da sexualidade, num período em que falar de sexo era um grande tabu, e utilizar-se da obra musical com o duplo sentido para ressaltar essas questões era a estratégia daquele momento.

(16) E a menina tá inchando
(17) Do dedo até o pé do pescoço
(18) E a menina tá inchando
(19) Do dedo até o pé do pescoço. (VALE, 1981 apud PASCHOAL, 2000, p.222).
                       
Qualquer pessoa que conhece o pássaro de nome pipira sabe que a beliscada dessa ave pode até doer no momento, mas depois não faz mal a ninguém. Portanto, na canção, o pássaro assume a metáfora do órgão sexual masculino, para dizer que qualquer mulher que era beliscada pela pipira ficaria com os sintomas, conforme se vê nos versos 16 a 19.
Naquele tempo a sexualidade era bastante reprimida pelos pais, professores, educadores, líderes religiosos; ainda hoje, para algumas pessoas conservadoras, o assunto ainda permanece um grande tabu. Eis aí a razão do compositor ter tratado desse assunto de uma forma bem humorada, sem que todos tivessem a capacidade intelectual para discernir de acordo com a sua verdadeira essência.
Sabe-se que esses sintomas (inchar do dedão até o pé do pescoço) são sintomas de mulher que está grávida, e de acordo com a análise-interpretativa que se fez da obra em questão, o autor retratou a realidade do seu tempo e que ainda é recorrente nos dias de hoje: a gravidez precoce de meninas pobres e sem estrutura física e emocional para tal responsabilidade, a de ser mãe, conforme se pode ler num trecho de um trabalho de Glaucia da Motta Bueno:

A gravidez precoce é uma das ocorrências mais preocupantes relacionadas à sexualidade da adolescência, com sérias conseqüências para a vida dos adolescentes envolvidos, de seus filhos que nascerão e de suas famílias. No Brasil a cada ano, cerca de 20% das crianças que nascem são filhas de adolescentes, número que representa três vezes mais garotas com menos de 15 anos grávidas que na década de 70, engravidam hoje em dia. A grande maioria dessas adolescentes não tem condições financeiras nem emocionais para assumir a maternidade e, por causa da repressão familiar, muitas delas fogem de casa e quase todas abandonam os estudos. (BUENO, 2004).

Portanto, chegou-se ao término desse estudo, mas que não parou por aqui, com uma conclusão de que para essa análise-interpretativa do poeta maranhense do século, foi muito importante se fazer uma pesquisa, um estudo e uma análise, a fim de se ter uma compreensão da necessidade de conhecimento social, político, cultural e psicológico, acerca da obra desse compositor para com os dias atuais. Descobriu-se que João do Vale não fez composições de forma ingênua e irresponsável; ele foi muito além: construiu um acervo de músicas voltadas para a vida de um povo simples como simples foi o poeta em vida.
  
7 CONCLUSÃO

Considera-se finalmente que, este trabalho monográfico cujo tema é: João do Vale: um estudo analítico-interpretativo da obra poética do maranhense do século, tenha sido de suma importância para se revelar novos valores presentes dentro da sua obra, e ainda, a de ter proporcionado uma oportunidade ímpar, que foi a de se fazer com dedicação e cautela, um estudo com análises e interpretação acerca da obra desse compositor que deu uma valiosa contribuição para a Música Popular Brasileira e para a Literatura nacional. Mesmo tendo sido um homem semi-analfabeto, foi um fenômeno capaz de contrariar o pensamento de muitos teóricos e pensadores do assunto.
Foi um estudo de longos dias que envolveu diversos fatores: pesquisa, leitura, entrevistas, viagens, colaboração de professores e amigos, apoio da família, e, sobretudo, um trabalho que exigiu muita atenção, compromisso e responsabilidade diante dos assuntos abordados, porém, o mais interessante foi o carinho com que se assumiu a tarefa de realizar um estudo sobre o compositor e com isso poder ter contribuído, embora de forma tímida e ainda incompleta para o mundo das letras.
Percebe-se o quanto pode ser importante para o conhecimento, o estudo da obra de um autor e depois poder mostrá-la, discuti-la ou mesmo receber críticas sobre o trabalho que se fez. O trabalho que ora se apresenta foi executado baseado em teorias e seguiu a metodologia e a orientação de autores conhecedores do assunto, não tendo de forma alguma a pretensão de ser único e exclusivo em relação ao compositor aqui estudado. Abre-se com humildade, um espaço para considerações e observações de outrem, pois qualquer trabalho de pesquisa é algo tão inacabado como o próprio autor que o escreveu.
Temas sociais jamais imaginados que poderiam ser encontrados na obra de João do Vale foram observados quando da análise-interpretativa de suas obras: violência no campo, reforma agrária, trabalho informal, prostituição infantil, instrução, êxodo rural, queimadas, migração, opressão, ditadura militar, moradia, gravidez na adolescência e desigualdades sociais.
Embora, tendo sido abordadas todas essas questões acima, acredita-se que não foi possível conseguir abraçar todo o conteúdo e mostrar toda a riqueza que está contida dentro da obra do autor.
Porém, desprovido de qualquer arrogância intelectual, acredita-se que com este trabalho se pode dar um pequeno passo no sentido de revelar aos leitores, aos acadêmicos do curso de Letras e aos amantes da música desse gênio, uma pequena contribuição com a intenção de poder ser útil às futuras gerações.
  

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