SENTAR-SE
Durante essa semana, verificando as redes sociais, me deparei com três publicações nos mais diversos canais, abordando três fatos que me remeteram a uma atitude cada dia mais em desuso na nossa sociedade atual, apressada, rápida, que induz a todos nós um ritmo cada vez mais acelerado.
Estou me referindo ao fato de SENTAR. Sim, o simples ato de sentar, parar, descansar. E aí estão implícitas outras atitudes que engloba esse ato. Sentar-se geralmente se faz acompanhado para uma boa conversa, para uma refeição, para uma reunião, aula, palestra, etc,
Nas práticas religiosas também encontramos momentos de sentar-se. Na liturgia católica mais importante que é a missa, “senta-se” para ouvir as leituras e logo em seguida para a homilia onde o sacerdote explica e atualiza aquela palavra. Nos confessionários há sempre uma cadeira em que o sacerdote se senta para ouvir os penitentes.
Ao lado de um divã, símbolo dos consultórios de psiquiatria num passado recente, havia sempre uma cadeira em que o profissional se sentava para ouvir seus pacientes.
Voltando às publicações, explico agora porque as mesmas me fizeram pensar nesse gesto. A primeira foi uma foto enviada via whats app por um amigo onde o mesmo está reunido com seus vizinhos na porta da sua casa num bairro da periferia da capital maranhense.
O mesmo se orgulha de ter “uma família” como ele mesmo define, formada por vizinhos. Amizade de mais de trinta anos e que aos finais de semana eles se reúnem nas portas para assar uma carne, tomar umas geladas e colocar o papo em dia.
A segunda foi uma publicação de um perfil no instagram marcado por coisas engraçadas, nada muito sério. Talvez na tentativa de entreter, o que se faz necessário nas redes sociais infestada de ódio, preconceitos e outras coisas mais.
Nessa, a publicação lamentava o fato de ter-se acabados os piolhos, pois quase não se vê mais as mães sentadas nas portas das casas catando os famosos intrusos na cabeça das crianças. Brincadeiras à parte, mas sabemos que essa era uma prática comum em nossos interiores.
A terceira, de uma forma maldosa, alguém que se diz blogueiro na nossa cidade, publicou uma foto de algumas mulheres sentadas na porta da casa colocando sobre a cabeça de cada uma o nome de um canal de televisão, induzindo os internautas a associar aquelas pessoas como fofoqueiras.
Na minha modesta reflexão comecei a pensar sobre o quanto o gesto de sentar vai se perdendo nessa nossa vida corrida. Por outro lado, para alguns, esse gesto passou a ser sinal de “não ter o que fazer”, de desocupados ou coisa parecida.
Não raro escutamos frases prontas e repetidas dos que passam pelos povoados ao longo das BR e rodovias onde especialmente no final da tarde há sempre algumas pessoas sentadas à porta de suas casas conversando e vendo o movimento de carros e pessoas passando, de que as mesmas não têm o que fazer.
As famílias não se sentam mais à mesa para as refeições, prática substituída pelas refeições feitas à frente da televisão. Os vizinhos não se sentam mais para falar da vida, da realidade de cada uma, para partilharem o cotidiano, as alegrias e dificuldades enfrentadas.
A violência ajudou muito a extinguir a prática de sentar-se à porta das casas. Quando cheguei a São Luís no final da década de 80, vim morar em um bairro da periferia, no qual ainda vivo e me senti muito em casa porque nele ainda se conservava muitas práticas interioranas como a de sentar nas calçadas à noitinha e dali ficar a conversar com um vizinho, ver a movimentação e tomar um ar fresco.
Infelizmente, já não se pode mais fazer isso por conta do perigo que assola nossos bairros, mesmo assim algumas pessoas resistem à prática e a conservam. Mesmo se expondo aos riscos. Assim vão se perdendo as relações, vão se enfraquecendo os laços e não raro o vizinho passa a ser um desconhecido total.
Não temos tempo mais para a saudável prática de sentar-se e colocar os papos em dia. Quando isso acontece é sempre nas mesas de bares ou restaurantes onde não raro a música impede a conversa, ou porque estão geralmente lotados e barulhentos.
Sentar e ouvir, são verbos que estão intimamente ligados. Uma prática induz à outra e nessa dinâmica a alternância de falas vão se constituindo uma prática salutar em que exercitamos duas virtudes importantes, embora muitos afirmam ser sinal de sabedoria a sobreposição do ouvir sobre o falar.
Às vezes, precisamos de ouvidos que nos escutem e nos permitam desabafar, botar para fora aquilo que nos inquieta, que nos incomoda. Outras vezes precisamos emprestá-los também a outras para que façam o mesmo e possamos ajudar a quem esteja precisando ser ouvido.
Apesar do individualismo que impera em nossa sociedade é preciso superar esse comportamento e trocá-los por outros mais saudáveis como a de ter tempo para sentar e ouvir; sentar e falar e assim fortalecer nossas relações familiares e sociais. Quem sabe cada vez menos precisaríamos sentar frente à um psiquiatra ou psicólogo para sermos ouvidos, ainda que obrigados a isso.
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