sexta-feira, 3 de setembro de 2021

PEDREIRENSES PELO MUNDO: Coluna do Carlos Augusto Martins Netto.

 Quase de manhã

Por Carlos Augusto Martins Netto - Servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Farmacêutico, Escritor e Poeta.

Como um dia já dissera um presidente “netos são filhos adocicados”. E vi, exatamente, isso ocorrer com minha avó paterna. Seus netos eram donos absolutos de sua casa, tinham total liberdade para fazerem o que bem entendessem. Não, ela não era permissiva, mas extremamente liberal.

Aos dezoito anos de idade, nos idos da metade do século passado, já casou por amor. E, pasmem, fugiu para concretizar o enlace. É bem verdade que o moço, durante a fuga, levou-a para a casa de seu padrinho, solicitando que dessem guarida à moça naquela noite e que, no dia seguinte, bem cedo, ele viria buscá-la, pois já estava tudo acertado com o padre e eles se casariam na missa das seis horas da manhã. Os dois se casaram, exatamente, no alvorecer do primeiro dia do ano (e que seria o primeiro dia do primeiro ano do resto de suas vidas.

Ainda muito nova a viuvez lhe encontrou. Entretanto, nem os costumes da época e nem o peso das roupas escuras (que não usou por muito tempo — foi páreo para sua personalidade ávida por liberdade e vivacidade.

Aos domingos, chamava todos os filhos com suas respectivas famílias para almoçarem em sua casa. Ela fazia questão de acordar bem cedo, ir ao mercado comprar tudo de que necessitaria para o preparo dos pratos que serviria para sua família. Capão ao molho pardo, arroz branco temperado com alho, farofa, feijão de corda com jerimum, macarrão e salada de alface, tomate, pepino e cebola roxa. Um verdadeiro e delicioso banquete.

Esses domingos ficaram marcados na memória de todos, principalmente dos netos. Quando pequenos, brincavam no quintal, que mais parecia um sítio com muitas árvores nas quais a meninada escalava e brincava fingindo ser o personagem Tarzan, o rei das selvas. Não foram poucos os tombos. Mas, entre mortos e feridos, salvaram-se todos.

A animação dominical em sua casa era conhecida na cidade e, não raro, tinha um amigo convidado para participar. Ela era dessas mulheres inesquecíveis. Era amiga de todos, muito caridosa, que se compadecia com o sofrimento alheio. Era dona de um coração imenso e generoso. Sua personalidade era mansa e alegre. Irradiava animação.

— Meu filho, coloca aquela música da Elis Regina — pedia.

— Qual vó? — perguntava um dos netos.

— O bêbado e a equilibrista. Coloca e vem aqui que vou te ensinar a dançar. Já está na hora. E aumenta o volume, porque música boa só presta alta.

E saía dançando com seu neto no meio da sala da casa. Em pouco tempo, vários casais bailavam animadamente pelo recinto. Parecia até uma festa — e era!

Com o tempo, os netos entraram na adolescência e foram estudar na capital, fato que a deixou muito saudosa. Contudo, fazia questão que eles passassem as férias, carnaval e festas de final de ano com ela. Esses pequenos gestos eram motivo de muita alegria, pois gostava da casa cheia.

Durante as festas carnavalescas, sempre mantinha um estoque razoável de cerveja na geladeira, alegando o fato de que os netos não precisariam sair tarde da noite para comprar.

E foi num sábado gordo, início do carnaval, ao retornarem da festa e chegarem à casa já quase amanhecendo o dia que os netos, juntos com um amigo de infância, decidiram tomar a saideira.

Abriram uma cerveja, serviram os copos e brindaram à noite maravilhosa e à amizade que os unia.

Um dos netos acorreu à radiola e disse: — Agora, vamos ouvir uma música das nossas. E colocou “Chão de Giz”. Baixinho.

Nisso, ouvem o barulho da porta do quarto da avó e uma voz perguntando: — Que horas são?

— Cinco e meia, vó.

— Vocês estão bebendo a uma hora dessas?

— Vó, nós acabamos de chegar da festa e decidimos tomar a saideira. E a senhora sabe que cerveja sem música não presta.

— É verdade.

— Mas vó, a música está incomodando? Não queremos lhe incomodar.

E ela respondeu: — A cerveja tá gelada?






















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