SOBRE AMORES E DESPEDIDAS
Carlos Martins (14/08/2023)
Sento-me. Ao fundo, música ambiente, suave, relaxante. Ao redor, o mundo acontecendo ao seu ritmo, com seu tempo e compasso próprio. Fecho os olhos. Respiro fundo, bem fundo, para permitir que a vida penetre harmoniosamente por todos os meus poros e se distribua abundantemente desde minha matéria até meu espírito. Inspiro tolerância, expiro intolerância. Inspiro paz, expiro guerra. Inspiro amor, expiro ódio. Esse ciclo de renovação segue repetindo-se na simplicidade de minha respiração.
Os pensamentos, qual horda de vândalos, invadem sem cessar o santuário dedicado à harmonia, à calmaria, ao equilíbrio. Pacientemente e sem conferir qualquer valor à invasão, deixo que cada um deles passe, benignamente. Eles sempre passarão. Aproveito a deixa e peço, gentilmente, que a tristeza também siga viagem. A algazarra passou e — ufa! — levou a tristeza.
O ambiente acalma-se. Ao longe, vejo aproximar-se, vagarosamente, a saudade. Vagarosamente, mas não timidamente. Sim, porque ela vem trazendo consigo um enorme telão digital, de última geração, ligado diretamente ao wi-fi cósmico. E eis que surge a imagem de um largo sorriso, contagiante, envolvente, iluminando um rosto que vi nascer, crescer e desabrochar para o mundo. Reconheci de pronto, é ela, a Bella. E o telão continuou a passar várias imagens da Bella, mostrando sua felicidade com o primeiro emprego, suas conquistas mundo afora, sua aura de beleza ímpar e, também, seu gesto de adeus.
A essa altura, o telão encontrava-se parando diante de mim. Concentrei-me em minha respiração e ele, lentamente, apagou-se. Voltei à companhia do meu eu. Concentrei-me no vai e vem do meu peito. Senti meu coração voltar ao compasso normal. Inspiro. Expiro.
Repentinamente, o ambiente volta a iluminar-se. O telão, sem qualquer aviso, acende. E, dessa vez, algo diferente ocorreu. Um forte cheiro de café recém-passado invadiu o ar. Pensei: a tecnologia está mesmo deixando o mundo de cabeça para baixo, onde já se viu um telão que emite sensações olfatórias? Mas estava acontecendo bem ali, debaixo do meu nariz. E ouvi: — Meu primo, avisa Larissa que o café e o brownie já estão prontos.
— Meus Deus, é a Gisela, uma prima-irmã que vinha se despedir; seu coração amou tanto que não suportou e deixou todo esse amor espalhar-se pelo mundo para que todos nós não parássemos de senti-lo.
Nesse momento, ouvi o gongo me avisando que o tempo tinha acabado. Abri, lentamente, meus olhos marejados. Olhei para a vida ao meu redor e enxerguei um mundo repleto de memórias. E tratei de viver com todas as minhas lembranças para ter forças para gerar novas memórias.
Um texto que nos leva a viajar no tempo através das asas leves e suntuosas do pensamento!
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