sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Pedreirenses Pelo Mundo: Coluna do Carlos Augusto Martins Netto

 A EMOÇÃO DOS INOCENTES

Por Carlos Augusto Martins Netto - Servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Farmacêutico, Escritor e Poeta.

A minha fé na humanidade está mantida. Acabei de tomar essa decisão e, nunca mais, abro mão dela. 

Andava meio cabisbaixo com tanto desmazelo. A capacidade de se ver no lugar do próximo parecia perdida para sempre. A habilidade de dialogar civilizadamente, como que de repente, pareceu-me muito distante. E a interação sincera com o próximo já me afigurava difícil – para não dizer impossível.

Pois bem, hoje, numa manhã de um ano difícil, com o mundo enfrentando uma pandemia que obrigou as pessoas a transformarem completamente suas maneiras de ser e conviver, enquanto passeava com meus filhos, o mais velho me sai com a seguinte pergunta: − Pai, quando a gente morrer, poderemos nos encontrar com os nossos parentes que já morreram? Respondi que sim. Perguntas de crianças é melhor sermos bem diretos nas respostas para nos fazer entender e não nos enrolarmos num novelo sem fim.

Respondi e retornei minha atenção para o trânsito e ao noticiário matinal que todo dia ouço no rádio do carro. Aproveito esses momentos para me atualizar sobre o que se passa ao meu redor.

Não demorou muito e lá vem ele de novo: − Deixa ver se eu entendi: quer dizer que a gente morre e, tecnicamente, não morre? É isso mesmo?

Como um raio, a primeira coisa que pensei foi rememorar o café da manhã e me certificar se tinha, mesmo, colocado café e leite na xícara do menino. Perguntinha nojenta, essa. Respirei fundo e procurei explicar da melhor forma possível, sem mistificações.

Falei que a morte faz parte da vida de todo ser vivo e que todos nós deveríamos nos preparar para esse momento.

Ele mantinha os olhinhos vidrados em mim. Notei que ele estava, realmente, interessado na minha resposta. E continuei a explicação. Disse que a parte chata da morte consistia na grande saudade que nós sentimos da pessoa que partiu. E que ela, da mesma maneira, também sentia a nossa falta.

Era fascinante ver o interesse do moleque nas respostas. Até porque o assunto não era superficial. Precisava de uma resposta que envolvia sentimentos, crenças; então tinha de abordar com muito cuidado para não criar qualquer mito – e mito aqui é no sentido literal, nenhuma referência ao energúmeno-mor.

Das minhas respostas ele deduziu que deveria existir um mundo onde os espíritos viveriam, após saírem do corpo que morreu.

Sim, ele fez a relação de que quando as pessoas morrem “a alma sai do corpo e deve ir para algum lugar”, nas palavras dele próprio. Respondi que iriam para o mundo dos espíritos. E dei graças a Deus quando ele não me perguntou onde ficava esse tal mundo dos espíritos.

Mas, ou ele não se dava por satisfeito, ou estava gostando do assunto e afirmou que quando morresse iria ser bom porque veria, de novo, o vovô Carrim, pois sentia muita saudade dele. E, ato contínuo, disse que se preocupava com o fato de o avô, quando chegasse seu momento, já ter retornado ao orbe terrestre “para viver num novo corpo”.

Arrepiei-me todo. O garoto, com toda sua inocência e sentimento infantil, estava resumindo páginas e páginas de “O Livro dos Espíritos”, aquele que trata da doutrina espírita. Sem querer e sem utilizar qualquer rótulo ele já entendia que os espíritos, segundo essa doutrina, necessitam passar por sucessivas vidas para levar a efeito sua evolução.

Nesse momento, fiz uma intervenção e esclareci que não nos pertence sabermos o futuro e que devemos viver o presente de acordo com os valores de respeito ao próximo.

Houve algum silêncio no carro. Nenhuma pergunta. Ele, quieto. Quando o olhei, estava com os olhos cheios de água e algumas lágrimas escorriam pelo seu rostinho. Perguntei o que tinha ocorrido. Ele respondeu que nada. Indaguei a razão de estar chorando. 

— Não sei, veio de dentro, acho que é emoção. Dessa vez, foram os meus olhos que lacrimejaram. Mudei de rádio e coloquei numa que toca música. Aquela emoção tão inocente, tão pura e tão sincera e verdadeira transformou a minha percepção do mundo. Parecia que, naquele momento, o horizonte se descortinava e um novo cenário se apresentava com um novo mundo para mim. Sim, um mundo com mais fé nas pessoas. Uma firme crença de que somos nós, os que mantém a capacidade de se emocionar e de agir com empatia, que detemos a potencialidade de transformarmos a realidade em que vivemos.

Hoje, a inocência salvou a minha vida. Feliz Natal e um próspero Ano Novo a todos!




























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