SE LIGA!
O mundo moderno anda numa correria louca. Saímos cedo para o serviço — ou para iniciarmos a jornada diária do home office — e só nos aquietamos após muitas horas de trabalho. Nesse ínterim, não nos damos conta de que deixamos passar muitos detalhes importantes da nossa vida. A parada para o cafezinho, no meio do expediente, é um exemplo clássico. Ela é importante porque nos dá a oportunidade de conversarmos com os colegas sobre assuntos diversos, inclusive futebol; por outro lado, também é o momento que usamos para esticar as pernas e fazer o sangue fluir livremente para evitar problemas de saúde decorrentes de períodos prolongados na posição sentada. De toda sorte, gosto sempre de fazer uma parada para o almoço, e o faço sempre longe do local de trabalho. E nessa semana não foi diferente.
Era uma quarta-feira e saí para almoçar por volta do meio-dia. Decidi por um restaurante localizado na praça de alimentação de um shopping center. Lá chegando, rumei ao restaurante e comecei a servir o meu prato: duas colheres de arroz, uma de feijão, três rodelas de tomate, duas de pepino e dois bifes acebolados. Amo essa combinação. Paguei e fui procurar por uma mesa. O local estava cheio e tive uma certa dificuldade de encontrar um lugar e após algum tempo, vi, ao longe, um local vago. Caminhei depressa, coloquei o prato na mesa e me acomodei na cadeira.
Ao lado, numa mesa redonda, uma família inteira estava reunida para almoçarem juntos: pai, mãe e um casal de filhos já adultos. Essas coisas de cidade grande: todos trabalham e se encontram para fazerem a refeição conjuntamente e colocarem o papo em dia. Todos conversavam animadamente, sem grandes gestos ou palavras em tom mais elevado. Chamou-me a atenção a postura de cada um dos presentes, a maneira como conduziam a conversação. Resolvi ligar as antenas e prestar um pouco de atenção aos assuntos.
— Então, galera, estamos vivendo um momento muito importante da história do nosso país, disse o pai.
Peguei a conversa a partir desse ponto.
— Foi muito importante a aprovação, pela Anvisa, da vacina contra o coronavírus no domingo passado, complementou o pai.
— Também acho. Gostei, também, da maneira como foi conduzido o processo de aprovação do pedido de uso emergencial da vacina, acrescentou o filho.
A mãe, uma enfermeira que trabalha na linha de frente do combate à doença acrescentou: — Essa vacina irá trazer um pouco mais de tranquilidade para nós, profissionais de saúde, que passamos todo esse tempo saindo para trabalhar todo dia sem sabermos se voltaríamos infectados ou não. Fora o medo de trazer a doença para dentro de casa.
Essa doença louca que apresenta gravidade distinta entre as pessoas tornou-se uma verdadeira incógnita. O fato de podermos estar infectados e não apresentarmos qualquer sintoma pode nos transformar em verdadeiros anjos da morte para quem mais amamos.
— Mas falando da Anvisa, achei legal eles transmitirem ao vivo a reunião em que a Diretoria Colegiada decidiu sobre a liberação das vacinas, isso denota transparência, falou a filha.
— E a Anvisa, até agora, foi a única Agência do mundo a avaliar, simultaneamente, dois pedidos de uso emergencial de vacinas, afirmou o filho.
— Mas, pai, fiquei em dúvida sobre como funciona esse uso emergencial e temporário das vacinas, reconheceu a filha.
— Veja bem, nenhuma vacina está registrada pela Anvisa, até o momento. Elas ainda se encontram em fase final de desenvolvimento, ou seja, em pesquisa. Entretanto, já há dados de segurança e eficácia para embasarem uma análise interina. Essa análise interina irá apontar se os dados da vacina são suficientes para serem submetidos às agências reguladoras e avaliados sob os critérios da legislação relacionados ao uso emergencial e temporário. Ele é liberado com uma quantidade de doses definida e para um público-alvo pré-determinado. Mas, devido à situação de pandemia, nada impede que os fabricantes solicitem novos usos emergenciais e temporários de suas vacinas para continuarem a vacinação no país, até que as mesmas sejam registradas definitivamente pela Anvisa e possam ser utilizadas normalmente pela população.
Dava gosto presenciar a conversação. E pensei o quanto aprecio uma conversa amistosa, com argumentos sólidos e informações indo e vindo ao sabor de cada intervenção. E estava tão interessante que, quando dei por mim, já estava com o prato completamente vazio. Levantei-me, coloquei minha máscara — pois enquanto não tiver, pelo menos, 65%-70% da população vacinada, não podemos falar em controle efetivo da doença — e voltei ao turbilhão desse mundo louco.
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