sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

PEDREIRENSES PELO MUNDO: Coluna do Carlos Augusto Martins Netto

 O BOTECO FICOU CHATO

Por Carlos Augusto Martins Netto - Servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Farmacêutico, Escritor e Poeta.


Imagem bar & lanches taboão - blogger

Estava com as mãos na cabeça pensando uma maneira de iniciar esse texto e nada me inspirava. Resolvi, então, ir direto ao ponto. Sem rodeios. Curto e grosso.

O fato é que fico pê da vida com todo esse mi, mi, mi sobre tudo que é importante para a vida. Hoje em dia, não há mais debate, mas embate. E sobre qualquer assunto. 

Estou num bar e resolvo sentar numa mesa e pedir uma cerveja — bem gelada, é claro! — para refrescar um pouco o calor e uma dobradinha como tira-gosto. Confesso que fiquei um pouco receoso de que alguém me viesse com um discurso de candidato a vereador sobre o fato de que o consumo de carne e partes bovinas interferem na camada de ozônio em virtude do metano presente nos gases gerados pelo gado. Decido, por enquanto, pedir só a cerveja. 

Ela chega supergelada e faço o elogio ao garçom: Eita, que ela veio canela de urubu! Na mesa ao lado, sinto troca de olhares entre quatro mocinhas e sussurros entre si. Será se não gostaram do meu comentário? Por via das dúvidas e para não querer qualquer mal-estar no boteco, expliquei que canela de urubu é meio acinzentada, mais ou menos da cor que a garrafa de cerveja fica quando está coberta por fina camada de gelo. Tudo pela paz do boteco que, para mim, é lugar sagrado e de paz.

Aproveito e levanto um brinde aos botecos, no quê fui acompanhado por todos. Confesso que após isso fiquei um pouco aliviado e surpreso... ninguém questionou, só brindou. 

De volta ao tira-gosto, pergunto ao Abreu, meu amigo e garçom há mais de vinte anos, se tem tripinha de porco frita com farofa e cebola. E as garotas da mesa ao lado, dessa vez, dirigindo-se diretamente a mim, dizem que esse tipo de alimentação promove aumento do colesterol, entupimento das artérias e que, dessa maneira, acabarei engrossando as estatísticas de acidentes cardiovasculares e as filas do SUS. Achei interessante a iniciativa delas e cancelei a tripinha.

— Abreu, mais uma cerveja. Daquele jeito.

Olho para a mesa ao lado, dois homens de meia idade conversam animadamente sobre uma pescaria que fizeram no rio Araguaia no ano anterior. Como pescaria é um dos meus hobbies prediletos, resolvo me arriscar e me intrometo na conversa.

— Para qual cidade do Araguaia vocês foram, meus camaradas?

Rapaz, seria melhor eu ter ficado na minha degustando a cerveja tranquilamente. Tão logo finalizei minha pergunta, eles me olharam com cara de poucos amigos e me perguntaram se eu era comunista.

Tomei um gole de cerveja para engolir a pergunta e ganhar tempo para pensar na resposta, pois não entendi o porquê daquela indagação. Logo eu, comunista!

— Eu? — Lógico que não.

— É que você nos chamou de camarada e, então, já ficamos desconfiados.

Entendi tudo. Os caras eram patrulheiros ideológicos e não tiravam folga nem quando iam ao boteco. Pareciam espiões de algum serviço secreto. Cruzes!

Expliquei-lhes que não comungo das ideias comunistas e socialistas, que a minha praia é outra, mas, pelo visto, eles não acreditaram muito em minhas palavras, pois nossa conversa parou por aí. E fiquei sem saber onde ocorrera a tal pescaria. Fiquei no vácuo, como dizem os mais jovens.

Continuei com a minha cerveja.

Nisso, Abreu, que ouvira toda a conversa, chega perto de mim e diz que esses caras toda vez que vêm ao boteco arranjam confusão por conta dessa história de comunismo. Não aceitam a opinião de ninguém, são os donos da verdade.

— Tô fora, falei.

E me lembrei que tinha tomado duas cervejas e ainda não comera nada. Gosto de beber mordiscando alguma coisa. 

— Abreu, me traz um frango a passarinho, por favor.

Nisso, um rapazinho que acabara de entrar me diz: — O senhor sabia que esses frangos são mortos com menos de quarenta dias e que para eles crescerem e atingirem o tamanho e peso de abate são incluídas grandes doses de hormônios e antibióticos na alimentação? É por isso que, hoje em dia, estamos desenvolvendo tanta resistência aos antibióticos.

— Abreu, suspende o frango a passarinho e traz outra cerveja.

Olhei para o lado e agradeci ao rapaz pelas informações.

Mas continuo com fome, pensei.

Ah, vou pedir uma pipoca. Tem algo mais inocente que pipoca? Não tem. Agora quero ver alguém dizer alguma coisa!

— Abreu, uma pipoca.

Nem bem fechei a boca e o rapazinho voltou à tona.

— O senhor sabia que essas pipocas, a maioria, é feita com milho transgênico e que essa informação não está na embalagem do produto?

Eu, na minha santa ignorância, perguntei: — E que mal tem nisso?

— Pode causar males à saúde, como alergias; isso para não falar que ao consumirmos esses alimentos estamos fortalecendo as grandes empresas transnacionais detentoras da tecnologia de transgenia e enfraquecendo o produtor familiar que produz para sobreviver.

O rapazinho é adepto da teoria da conspiração, confabulei cá com meus botões. Mas, dito pelo não dito...

— Abreu, cancela a pipoca.

A conversa do garoto me deixou com sede, tanto que a terceira cerveja foi consumida rapidamente. Pedi mais uma.

Enquanto bebia minha quarta cerveja resolvi perguntar ao Abreu qual tira-gosto ele me indicaria.

— Caldo de peixe. E está uma delícia!

— Traz um pra mim.

Estava morto de fome e esse caldinho iria me cair bem no estômago.

Quando o caldo aprontou, avistei o Abreu saindo da cozinha com a bandeja na mão. Nesse momento, meu estômago roncou, não sei se de fome ou de contentamento.

Por via das dúvidas, enquanto o Abreu se deslocava com o meu caldo, falei em voz alta:

— Caldo de peixe pescado no rio aqui da cidade. Foi feito com o espinhaço e com a cabeça, pois seu filé fora retirado para a elaboração de pratos mais requintados, tudo muito bem temperado e aproveitando todas as partes do animal, com zero de desperdício.
























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